O passado do ministro Barroso não permite qualquer tipo de questionamento sobre sua competência e honorabilidade. Mas ele é um ser humano, logo, também pode se equivocar. Na verdade, ele se meteu numa grande enrascada ao decidir que o poder de decretar a perda do mandato, no caso de parlamentar corrupto condenado criminalmente, competiria ao próprio Parlamento (e não ao STF).
No século 6º a.C., Esopo escreveu incontáveis fábulas morais. Dentre elas, esta (veja Folha de 1/9/13, Ilustríssima, p. 8):
“Uma lebre sentiu sede e desceu num poço para beber da água. Após haver-se fartado da deliciosa bebida, ia sair de lá quando se deu conta de que estava confinada, pois não tinha como galgar a subida, e começou a ficar apreensiva. Nisso, uma raposa veio ter ali também e, ao deparar com ela, disse: ‘Realmente você se meteu numa grande enrascada! Pois devia primeiro resolver como iria sair do poço e, só depois, descer dentro dele”.
O ministro Barroso não podia imaginar que sua decisão geraria a confusão que gerou no caso Donadon, tendo a Câmara dos Deputados, malandramente, mantido o mandato do deputado que está preso em regime fechado, com os direitos políticos suspensos. Ou seja: não pode votar nem ser votado, mas continua deputado federal. Mais uma singularidade que só se encontra no Brasil, ao lado das jabuticabas, claro. O corporativismo, que é filho do parasitismo, não encontra limites éticos quando corruptos devem julgar malandros!
Mas o ministro Barroso não é a lebre do conto de Esopo. A lebre não tinha como sair da enrascada que se meteu, salvo se se transformasse em raposa. O ministro, acuado pela imoralidade ímpar do Parlamento brasileiro, achou uma saída: assumiu as funções legislativas e passou a legislar.
Vejamos os detalhes da sua técnica e construção legislativas:
A competência para decretar a perda do mandado de parlamentar malandro já condenado criminalmente pelo STF é da Casa Legislativa respectiva (aqui o ministro já caminhava fora do melhor direito, mas ainda estava dentro dos binários interpretativos do ordenamento jurídico).
Porém (agora vem a nova regra legislativa saída da cabeça do ministro), “quando se tratar de deputado cujo prazo de prisão em regime fechado exceda o período que falta para a conclusão do seu mandato, a perda se dá como resultado direto da condenação”.
Onde está escrito isso no ordenamento jurídico brasileiro? Em lugar nenhum. Quem inventou essa nova regra jurídica? O ministro Barroso. Por que ele fez isso? Porque chegou no fundo do poço a imoralidade do Parlamento brasileiro ao manter o mandato de Donadon. Podia fazer isso? Jamais, porque ministro não é legislador. Houve ativismo judicial positivo ou substitutivo? Claríssimo. Mas tudo foi feito para se corrigir uma injustiça brutal? Sim. Mas os fins justificam os meios? Eis a questão.
Qual a consequência da nova regra jurídica inventada por Barroso?
A seguinte: se sua regra só vale para quem está em regime fechado, ela teoricamente beneficiaria José Genoíno, Valdemar Costa Neto e Pedro Henry, porque foram condenados ao regime semiaberto. Só teoricamente (porque eles perderam o mandato). Só para raciocinar: como pode casos substancialmente idênticos (dos mensaleiros, do senador Cassol, de Donadon), onde todos foram condenados criminalmente por desvio de dinheiro público, com violação grave de dever funcional, receber tratamentos diferenciados?
Há alguma saída inteligente para tudo isso dentro do STF?
Sim. Qual? Recolocar o assunto em pauta e redefinir a posição majoritária do STF, nos termos do que ficou decidido no caso mensalão (que coincide, em linhas gerais, com a proposta de emenda constitucional do senador Jarbas Vanconcelos, que tramita pelo Senado). A melhor coisa que um juiz deve fazer no exercício da jurisdição é seguir o ordenamento jurídico vigente e não ficar inventando regras novas, posto que trazem muita insegurança.
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