“Que grande quimera, pois, é o homem! Que novidade, que monstro, que caos, que contradição, que prodígio! Juiz de todas as coisas, minhoca imbecil; depositário da verdade, cloaca de incerteza e erro; glória e refugo do universo” (Blaise Pascal). Depois de 25 anos da Constituição cidadã a Polícia Criminal preventiva continua sendo uma das grandes ausentes no nosso país. A dura e ineficiente política de repressão, isolada, não conseguiu reduzir nenhum tipo de crime. O desespero aumenta a cada dia (atingindo ricos, medianos e pobres). De qualquer modo, é certo que nenhum plano sério de Política Criminal pode prescindir da estabilidade democrática, que foi conquistada com a Constituição Federal de 1988.
É o maior período histórico com estabilidade política, ou seja, sem golpe militar (nem clima propício para isso). Todas as instituições fundamentais de uma República, apesar das controvérsias e dos seus déficits, estão em funcionamento no país. Podemos contestar a maneira como estão funcionando, mas a segurança de que todas estão de pé já constitui um avanço enorme. Nenhuma se apoderou sistemática e institucionalmente das funções da outra. É verdade que o Executivo atropela o Legislativo com as Medidas Provisórias, que o Judiciário pratica ativismo judicial (ao reconhecer o aborto anencefálico, a relação homoafetiva etc.) etc. Mas tudo isso não chegou a gerar nenhuma crise institucional suficiente para inviabilizar ou paralisar o país. Já destituímos um Presidente da República das suas funções (Collor de Mello), sem traumas institucionais. A Constituição já foi reformada várias vezes (cerca que 80), mas isso não é nenhuma novidade num país eminentemente bacharelesco (Raimundo Faoro).
Com base na CF conquistamos muitos progressos sociais, sobretudo com o programa de distribuição de renda (bolsa família), que foi precedido da fundamental estabilização da moeda (em 1994). Os progressos sociais são a plataforma nuclear da prevenção primária, no campo criminal. Revelam, de outro lado, feliz conciliação entre o capitalismo e a justiça social e a ética. Problema antigo e histórico (que não foi solucionado ainda, apesar do novo texto constitucional).
O Brasil continua muito desigual e injusto, malgrado o programa de distribuição de renda, elogiado até pela ONU. Somos a sétima economia do mundo, mas se trata de um gigante com pés de barro. Há muita coisa para ser feita na área da saúde, que está doente, da educação, infraestrutura, transporte público, mobilidade urbana, violência e corrupção. Até hoje não colocamos em prática um abrangente plano de prevenção da delinquência. Para isso necessitamos de uma governança do século XXI bem como de uma nova democracia, que tem que se formatar digitalmente (veja meu livro Por que estamos indignados). Já não bastam eleições a cada quatro anos, visto que o povo quer manifestar permanentemente para deliberar junto e vigiar as autoridades.
A maior alavanca preventiva, no campo da criminalidade, está ainda por ser concretizada. Trata-se da educação pública de qualidade. Uma das mais atrofiadas do planeta (M. Bomfim). Necessita o Brasil de um grande pacto que torne realidade essa educação pública de qualidade, obrigatória até os 18 anos, em período integral. Com isso faríamos um projeto de desenvolvimento econômico e social sustentável, compatibilizando-se o capitalismo (de livre iniciativa) com a justiça social, nos termos do art. 3º, da CF.
Outro ganho fantástico ocorreria no plano ético e moral, ensinando-se todas as pessoas que é fundamental respeitar todas as demais, a natureza, os animais e o bom uso das tecnologias. Não existe antídoto mais eficaz contra a corrupção que a ética e a moral. Aliás, a ética está para a prevenção da corrupção como a educação para a da violência. Todos os países do mundo com educação de qualidade contam com baixíssimo índice de homicídios (caso da Europa, por exemplo – veja S. Pinker, Os anjos bons da natureza, p. 105 e ss.). Que, no Brasil, não diminuiu, por várias razões; dentre elas, porque a CF de 88 não significou o fim do (monstruoso) estado policialesco e autoritário, que continua em pleno vigor (veja V. de Andrade, Pelas mãos da criminologia, p. 159 e ss.).
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