RESUMO: Entre a razão e a loucura há o caminho da lei acima do direito como normalização social pelos julgadores tirânicos ávidos pelo “sangue” de suas vítimas. O poder dos heróis que fazem justiça com as próprias mãos serve a lógica de sentir-se aliviados pelas injustiças cotidianas dos que veem negados seus direitos pela mesma mão opressora das elites. Ser e lutar, resistir ou não ser e entregar-se? A fé, a razão, a loucura, a consciência (in) conformista aflige e consola indivíduos e multidões embebecidas pelo desejo de “ser parte” ao mesmo tempo em que têm negado esse direito. Os dilemas próprios da existência humana as dores, perdas, falibilidades humanas são tomadas pelas vaidades, desejo de poder a vingança privada assume o papel público. A espada que condena assume o controle das ações humanas, para além de quem se julga acima do bem e do mal consolando egos pela decisão sobre vidas no jugo opressor que atenta contra a própria democracia como base ética e plural.
Palavras-chave: Fé. Razão. Loucura. Lei. Direito.
INTRODUÇÃO
Nos tempos sombrios em que o homem busca um sentido para a vida, a fé norteadora de destinos impulsiona contrastes como naturais a vida, a morte se tornam banais. E o maniqueísmo alimenta a vontade de verdade; paixões assumem o juízo moral transvestido no bem e no justo como campo “ético”. A consciência que consola é a mesma que condena ao sabor do desejo de decisão sobre vidas, e o controle sobre a liberdade ou o aprisionamento a qualquer custo.
A construção Greco-romana de racionalidade não foi capaz de conter a sanha do desejo da burguesia em ser “nobre” ainda que de “toga” pelo desejo de poder-ser. Ao afirmar seu poder sobre os mortais como classe abastada em si mesma diferenciada das demais pela hierarquia civilizatória do domínio refinado traduzido em leis dos mais fortes.
A dualidade fruto do bem e do mal que nos aflige se situa no contexto da sociedade promissora de uma divindade individual capaz de abrir portas ao paraíso e afirmar a própria realidade do inferno da pós-modernidade aos seus semelhantes. No mundo entre a fé a e razão transita a loucura que define posições de cada um na sociedade, a busca pelo sucesso a qualquer custo, a verdade revelada nos pequenos gestos pela disciplina e normalização de vidas punição, encarceramento como regra.
Nesse sentido refletir sobre Shakespeare é pertinente e nos traz à luz algumas considerações sobre os conflitos existenciais do passado e do presente. Em especial em seu pensamento revelador da busca pela identidade perdida do homem em seu frenesi de poderes que o afastam da essência divina. A própria contradição entre a consciência e a vontade, e a ambição em ser mais forte a qualquer preço passando por cima do semelhante leva à desumanidade e acaba por promover tragédias humanas. E a força de outrora torna nossas vidas frágeis diante da perda da consciência de si, das verdades, e dos limites do tempo, das pessoas, nossas finitudes em relação às incertezas diante de decisões atabalhoadas objeto da sociedade do espetáculo.
1. LEI E DIREITO: ENTRE A LOUCURA E A CONSCIÊNCIA
A fé racional foi capaz de promover pelo consenso de interesses e “verdades” arbitrariedades com os semelhantes, em especial nas situações em que o poder esteve nas mãos do usurpador e a tirania se tornou a regra das condutas de quem julga e faz a lei. A vaidade humana transforma em objeto de expiação sujeitos de direitos, transfigurando-se numa ilegítima representatividade de dirigentes arraigados a cargos de primeira grandeza como ditos representantes do povo eleitos retornando ao mito do herói como Ricardo III que derrama nas obras de Shakespeare o sangue de suas vítimas, e prevalece a mentira transvestida de verdade, e a traição ganha forma para além da razão. Triunfa a virtude do convencimento manipulador das consciências. E a tirania impera triunfante.
Por sua vez em Hamlet a consciência é colocada à prova e o direito à vingança como algo entre o natural aos instintos humanos em oposição à lei dos homens. Assim a consciência temerária conduz à loucura. Ao mesmo tempo em que a razão impõe limites as ações humanas, a necessidade do ego associado ao sangue como desejo das massas põe o conflito do “ser ou não-ser” como sinal de fraqueza ou de virtude. Força, coragem ou covardia aos olhos da justiça dos homens.
Verifica-se, no entanto, quando os destinos de vidas nas mãos de julgadores tirânicos que dizem a lei acima do direito aplica-se o vigiar e punir. E a força pulsante capaz de enfrentar desafios diante do dilema existencial ignora o outro que está numa posição desconfortável, degradante. Adota-se a inclinação pela justiça da espada.
Uma tirania que já se tornou comum ao cotidiano das pessoas comuns que não são imanadas da imortalidade e dos superpoderes atribuídos aos “heróis” nacionais que com seu “cavalo branco” e a espada triunfante fará justiça aos injustiçados. Porém corre-se o risco de “ser traído pelo cavalo” como em Ricardo III: “Um cavalo! Dou o reino por um cavalo”. Mas que propaganda precisamos de menos prisões e uso de tecnologia capaz de dar dignidade a todos, e construirmos mais escolas, saúde, cultura para todos.
Se “reis julgadores” se preocupassem em fazer efetivar os direitos fundamentais como autoaplicável e exigir de governos ensino digno a todos, inclusive com salário decente aos professores, educação e saúde de qualidade contribuiria bem mais do que o marketing de super-herói. E a propriedade cumprisse sua função social mediante a exigência de uma vida digna para todos esses heróis sairiam das cavernas e se transformariam em representantes legítimos da vontade soberana e agiriam em nome do bem coletivo.
Mas numa busca pela “liga da justiça” se procura midiatizar julgamentos. E promover o bem comum mediante uma caneta com pena “avestruz” e uma dose de maldade. Assim se faz o justo e bom aos olhos das massas ávidas por um pouco de sangue ao redor dos olhos marejados de injustiças e pobreza. Num momento de êxtase se desfaz todo o sentimento de impotência e se retoma a velha prática de exploração às avessas. Enquanto os pobres continuam oprimidos e suas vidas valem pouco diante da perversidade que mantém o fosso social acentuado. Não será o desejo dos super-heróis que vai acabar com a hipocrisia que diz que todos são iguais mas que não se dão as mesmas oportunidades a todos. Essa é a realidade. As desigualdades fruto da negação dos direitos fundamentais persistem, e a violência e espetacularização não resolvem as injustiças. Os desmandos continuam pelos rincões do país aforas enquanto os “heróis” de plantão fortalecem egos exaltados de uma utopia de civilidade.
2. O MITO DO HERÓI E A REALIDADE DE EXPLORAÇÃO
Será que agora vamos nos conformar na certeza que sempre haverá heróis capazes de fazer justiça com as próprias mãos? Esquecer o passado e presente de exploração é engodo social. Afinal os ditos “homens bons” acreditam que alguns nasceram para mandar e outros cumprir leis, em geral associadas à ordem e disciplina do povo. Esse seria o curso natural do destino. Entre os civilizados que com o poder nas mãos decidem nossas vidas, e os pobres mortais que aceitam sua condição de vida mediana e feliz. Essa lógica racional está em sintonia com a obra de Shakespeare entre se conformar com a mesmice ou lutar pelo novo e melhor para todos não apenas para alguns iluminados elitistas. Hipocrisia seria negar a realidade de que nem todos têm as mesmas oportunidades, e o encarceramento não deve ser a regra. Mas a exceção para todos e a busca nesse sentido para além de julgadores tirânicos passa pela democracia como instrumento de transformação social.
CONCLUSÃO
A tirania do passado e o desejo de opressão continuam vivos pelo nosso sangue e pelo nosso destino de desigualdades alarmantes, seja nas ruas, escolas, presídios, favelas, cortiços como condição de vida indigna para a maioria, seja nos gabinetes de toga, nos poderes de representantes ilegítimos, nos condomínios de luxo pelos privilegiados que nasceram para dizer a lei acima do direito para os pobres mortais que suportam a mão pesada e ofegante de lei do mais forte que beira o totalitarismo.
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