O imbróglio que se tornou a questão da perda de pontos pelo Clube de Regatas do Flamengo e pela Portuguesa de Desportos promete capítulos tensos em uma novela que pode se arrastar por longa jornada.
Primeiro um cidadão/torcedor pleiteando direito próprio com base no Estatuto do Torcedor procurou a justiça comum logrando êxito em seu pedido liminar (tutela provisória de urgência), já que se sentiu lesado pela decisão da justiça desportiva. Em ato consequente outro cidadão/torcedor também pleiteando direito próprio e alegando a existência de conexão nos lindes do art. 103 do CPC conseguiu na mesma 42ª Vara Cível de São Paulo o mesmo provimento judicial em caráter liminar:
"Art. 103. Reputam-se conexas duas ou mais ações, quando Ihes for comum o objeto ou a causa de pedir."
Embora não haja tomado conhecimento da causa petendi da ação entendo legítimo e digno de acolhimento pela Justiça Comum pedido que se faça nos seguintes termos do Estatuto do Torcedor:
"Art. 34. É direito do torcedor que os órgãos da Justiça Desportiva, no exercício de suas funções, observem os princípios da impessoalidade, da moralidade, da celeridade, da publicidade e da independência".
Art. 35. As decisões proferidas pelos órgãos da Justiça Desportiva devem ser, em qualquer hipótese, motivadas e ter a mesma publicidade que as decisões dos tribunais federais.
Aduz-se do art. 34 do Estatuto a necessidade de a Justiça Desportiva atender os princípios da impessoalidade, da moralidade e da publicidade (destaco). De fato, a decisão proferida pelo STJD não bem se desincumbiu do respeito aos princípios destacados.
O princípio da Impessoalidade, fundamental á qualquer decisão judicial restou renegado a um plano distante quando casuisticamente resolveu o STJD retirar 4 pontos do Flamengo e da Portuguesa quando que processos anteriores já houvera precedente de, por exemplo, a mera aplicação de multa para caso semelhante.
Neste instante faz-se lembrar que, a simples pena de multa foi aplicada ao Cruzeiro Esporte Clube ainda no princípio da competição, o que não seria capaz de naquele instante gerar um dano como o sofrido pelo Flamengo e a portuguesa, que se viram penalizadas quando a competição já se tinha findado sem possibilidade de recuperação por meio da prática do futebolística, mas apenas nos limitados entendimentos da Justiça Desportiva, o que vulgarmente se alcunha de tapetão.
O desatendimento do princípio da Moralidade torna-se consectário da insurgência ao princípio da Impessoalidade, quando independente do uso de auxílio de lupa se percebe uma decisão menos jurídica e mais política e de interesses por parte do STJD. A motivação desta insurgência é mera especulação inservível como fundamento jurídico, mas servível como indício e capaz de formar uma cognição se somados a outros fatos. O que se alega é o interesse de se manter o Fluminense Futebol Clube na 1ª divisão, já que clube de alto investimento e politicamente forte, rebaixando a Portuguesa de Desportos de muito menor investimento e influência política.
Acrescenta-se ainda que, para muitos, a mera conquista de um novo "status" na competição sem o mérito de ser obtido por seus próprios esforços, obtidos presumidamente por influência político-financeira, já se revelaria imoral por sua própria essência.
Ainda se revelaria imoral a decisão de um tribunal capaz de fornecer lesão irreparável a uma das partes utilizando-se de um artigo que o mesmo ordenamento ordena de forma diversa, em inarredável antinomia jurídica, em inapelável conflito de normas.
Quando diante de um caso assim diz a melhor técnica jurídica que se resolva a questão exegética por meio de princípios, e que se evite penalizar a parte a partir de um ordenamento que traz duas respostas para a mesma questão.
Quanto à questão da publicidade o Estatuto do Torcedor também é claro ao exigir da Justiça Desportiva a mesma publicidade dos tribunais federais.
Neste particular o art. 133 do CBJD - Código Brasileiro de Justiça Desportiva afirma que nas decisões condenatórias os efeitos da decisão passam a valer a partir do dia seguinte à sua proclamação. Como o julgamento ocorreu na sexta-feira, criou-se uma grande dúvida sobre a aplicação dos seus efeitos já no sábado, ou, então, apenas a partir do primeiro dia útil.
Se o Estatuto do Torcedor exige que haja a mesma publicidade conferida aos tribunais federais deve essa decisão produzir seus efeitos no 1º dia útil seguinte ao seu proferimento, já que proferida sexta-feira, produzindo seus efeitos somente na segunda-feira, até porque pretendeu legislador garantir que o torcedor tenha ciência do espetáculo que irá assistir, dos atores que irão atuar. No caso do Flamengo, por exemplo, sexta-feira os ingressos já estavam quase todos adquiridos para o jogo que iria se realizar no sábado, pretendeu o legislador evitar o fator surpresa e vender espetáculos com transparência.
Como fator decisivo e incontestável a corroborar o entendimento exposto há o art 43 do CBJD que proclama em sua literalidade que "considera prorrogado até o 1º dia útil se o início ou vencimento cair em sábado, domingo ou feriado ou em dia em que não houver expediente normal na sede do órgão judicante".
Como se já não bastassem os argumento colacionados, a própria CBF não havia publicado em seu site, de consulta obrigatória aos clubes para fins de publicidade, e claro aos torcedores, que os jogadores de Flamengo e Portuguesa encontravam-se impedidos de participar das partidas seguintes pelos seus respectivos clubes, fazendo entender que a punição só seria válida a partir do 1º dia útil subsequente.
Ao lado do Flamengo ainda se veicula o princípio a boa-fé objetiva, já que a escalação de seu atleta condenado no dia anterior pela justiça desportiva não lhe beneficiaria em nada pelo fato de não estar mais brigando por qualquer posição na tabela, já que encontrava-se com sua situação na competição definida, sem risco de rebaixamento e nem pleiteando melhor classificação para participar de outra competição no ano seguinte (2014).
De sorte que, toda essa balburdia em véspera de Copa do Mundo pegou muito mal para o país, que se mostrou uma Justiça Desportiva muito mais política que "justa". Nada disso estaria se sucedendo se a "primazia da realidade" tão bem utilizada no Direito do trabalho fosse aplicada ao caso em tela, respeitando o que foi decidido dentro de campo a partir de fundamentos carregados de boa-fé fora dele. Apenar-se-ia com a pena de multa como fez com o Cruzeiro Esporte Clube, quiçá, pela ausência de prudência por parte do Flamengo e Portuguesa por escalar os atletas levando-se em consideração uma ambiência legal tão controversa como a exposta. A pena de multa deixaria de se revela desproporcional como a aplicada ao Flamengo, que perdeu 4 pontos quando não mãos disputava nenhum, atendendo-se o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade.
"De legis ferenda", embora não tratemos de Direito Penal, trago o brocado Constitucional do "in dúbio pro réu" para estes casos concretos onde não se tem uma norma regulando determinado fato, mas sim normas conflitantes, colidentes, lacunosas, incapazes de responder a posta questão com alguma segurança, em respeito ao princípio da segurança Jurídica, para que se faça prevalecer às razões que a justiça promana e não que a política sugere...
Nesta celeuma a CBF deve manter-se como mera cumpridora das ordens judiciais que lhe forem transmitidas, apta para cumpri-las com isenção e despida de preferências. A hipótese dela CBF recorrer revela-se esdrúxula, já que recorreria em benefício de um de seus afiliados (Fluminense) e em malefício de outros dois (Flamengo e Portuguesa) numa clara tomada de posição que se revelaria de índole motivadora no mínimo duvidosa.
Com fins explicativos destaca-se que os provimentos conseguidos por Flamengo e Portuguesa são tutelas liminares, estas são provisória e concedida quando demonstrados os requisitos para esta espécie de tutela, são eles "fumus boni iuris" e "periculum in mora".
O magistrado a partir de um pedido feito pela parte analisará se estão preenchidos referidos requisitos por meio de uma cognição sumária, dentro de seu poder geral de cautela. Há "fumus boni iuris" quando o magistrado constata a aparência de bom direito, presume pelo conjunto demonstrado no caso concreto a verossimilhança da alegação da parte, enquanto o "periculum in mora" se demonstra pela necessidade de urgência na prestação da tutela jurisdicional.
Da concessão de liminar cabe recurso, que se provido cassará a liminar, se rejeitado manterá a liminar até a decisão de mérito. Nestes termos, concedidas as liminares há a presença de um forte indício da existência do direito, que será corroborado ou não no momento da análise meritória, aí por meio de cognição exauriente.
Advogado. Professor constitucionalista, consultor jurídico, palestrante, parecerista, colunista do jornal Brasil 247 e de diversas revistas e portais jurídicos. Pós graduado em Direito Público, Direito Processual Civil, Direito Empresarial e com MBA em Direito e Processo do Trabalho pela FGV.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SARMENTO, Leonardo. Liminares da Justiça Comum Embargam Decisão Politica do STJD Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 jan 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/1709/liminares-da-justica-comum-embargam-decisao-politica-do-stjd. Acesso em: 21 nov 2024.
Por: RICARDO NOGUEIRA VIANA
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