No Brasil, salvo as hipóteses de flagrante delito, somente um juiz pode decretar uma ordem de prisão, sendo que, até recentemente, uma prisão decretada por um juiz de uma unidade da federação, para ser cumprida em outra, exigia-se que o mandado fosse deprecado no juízo onde o procurado fosse localizado, o que as vezes, acabava gerando a soltura do detido, considerando a demora no trâmite entre a expedição e o cumprimento de uma carta precatória. Isso somente foi amenizado com a alteração do CPP, pela Lei n. 12.403/2011, que acrescentou o art. 289-A, que determina que o juiz competente que expedir uma ordem de prisão (preventiva ou condenatória) deverá providenciar o imediato registro do mandado no banco de mandados de prisão a ser mantido pelo Conselho Nacional de Justiça.
O Mandado uma vez registrado no banco de mandados do CNJ passa a ter a sua validade presumida em todo o Brasil, além de contar com ampla publicidade (difusão), facilitando, assim, o seu cumprimento em outra unidade da federação. Neste sentido, o procurado pode ser preso por qualquer agente policial, ainda que fora da competência territorial do juiz que expediu a prisão, mas somente se o mandado estiver registrado no CNJ. Do contrário, deverá a autoridade policial do local em que se deu o cumprimento da prisão fazer diligências cartorárias para verificar a autenticidade do Mandado de prisão, bem como comunicar ao juiz que a decretou, o qual, deverá providenciar o registro do mandado no banco do CNJ. Feito isso, a prisão será comunicada imediatamente ao juiz do local em que foi cumprida, que, por sua vez, providenciará a certidão extraída do registro no CNJ (via internet) e informará ao juízo que decretou a medida.
O preso será informado dos seus direitos constitucionais, nos termos dos incisos LXIII do art. 5º da CFRB, e, caso não informe o nome do seu advogado, deverá a autoridade responsável comunicar à Defensoria Pública local.
Assim, entendemos que o lançamento do mandado de prisão no banco de mandados do CNJ tem como efeito a difusão no território nacional da respectiva ordem judicial, autorizando a prisão do procurado por qualquer agente público, ampliando a jurisdição de um juiz local, no tocante aquela ordem judicial expedida.
Mas até aqui, nada se falou sobre o instituto da "difusão vermelha" (red notice), objeto do título do presente paper.
Pois bem.
A chamada "difusão vermelha" (red notice), nada mais é do que a notícia da existência de um alerta na Interpol, devidamente expedido pelas autoridades judiciais de um país-membro daquele organismo internacional, com vistas à extradição de pessoas procuradas pela justiça criminal.
A difusão vermelha, acaba gerando um efeito mundial ao mandado de prisão expedido por um juiz de primeira ou segunda instância. No entanto, a finalidade precípua é desburocratizar o trâmite policial para o seu cumprimento.
No Brasil encontra regulação na instrução normativa n. 01 de fevereiro de 2010 do CNJ, que dispõe sobre a indicação da condição de possível foragido ou estadia no exterior quando da expedição de mandado de prisão em face de pessoa condenada, com sentença de pronúncia ou com prisão preventiva decretada no país.
Referida instrução normativa foi criada tendo por base a adesão oficial do Brasil ao sistema da Interpol desde 1986 para difusão de informações relacionadas, sendo que o Departamento de Polícia Federal - DPF é o órgão brasileiro encarregado de centralizar as informações e a ligação com a Interpol para difusão entre os países membros em diferentes graus de gravidade.
A instrução normativa em referencia indica no seu art. 1º que: "
Art. 1º Os magistrados estaduais, federais, do eleitoral ou militares, juízes de primeiro grau, desembargadores ou juízes de segundo grau e ministros de tribunal superior, ao expedirem ordem de prisão por mandado ou qualquer outra modalidade de instrumento judicial com esse efeito, tendo ciência própria ou por suspeita, referência, indicação ou declaração de qualquer interessado ou agente público, que a pessoa a ser presa está fora do país, vai sair dele ou pode se encontrar no exterior, nele indicarão expressamente essa circunstância".
A medida referida deve ser adotada nos mandados de prisão definitiva, de sentença de pronúncia ou de prisão preventiva, o qual será imediatamente encaminhado, por cópia, ao Superintendente Regional da Polícia Federal do respectivo estado, com vista à "Difusão Vermelha" para o seu cumprimento em qualquer país que tenha acordo internacional sobre o tema.
O problema da difusão vermelha é quando a ordem de prisão vem de outro país,uma vez que, nem sempre a prisão decretada em outro país é de natureza jurisdicional. É possível que a prisão tenha sido decretada por uma autoridade administrativa, exigindo-se para o seu cumprimento, ser submetida ao crivo do Poder Judiciário, pois em tese, contraria a Constituição brasileira que, salvo a prisão em flagrante, somente admite prisão por ordem judicial.
Além disso, apesar da boa intenção de dar celeridade no cumprimento de prisão de pessoas condenadas, cautelas são necessárias quando do cumprimento de prisão, veiculada pelo Sistema de Difusão Vermelha, devendo o Delegado da Polícia Federal apresentar o preso a um juiz federal, sob pena de constituir autoridade coatora, conforme já manifestou o STF:
EMENTA: QUESTÃO DE ORDEM EM HABEAS CORPUS PREVENTIVO. CONSTITUCIONAL. INCOMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. HABEAS CORPUS IMPETRADO CONTRA AMEAÇA DE ATO DE DELEGADO DA POLÍCIA FEDERAL. 1. A competência do Supremo Tribunal Federal para julgar habeas corpus é determinada constitucionalmente em razão do Paciente ou da Autoridade Coatora (art. 102, inc. I, alínea i, da Constituição da República). 2. Questão de ordem resolvida no sentido de reconhecer a incompetência do Supremo Tribunal Federal para processar e julgar o habeas corpus n. 119056-DF, determinando a remessa dos autos a uma das Varas Federais da Seção Judiciária do Distrito Federal. (STF, HC 119056, 2013)
O cumprimento do mandado de prisão por via da difusão vermelha, por si só não autoriza a apresentação do preso à autoridade estrangeira. Tudo deve ser feito nos termos da Lei n. 6.815/80 que trata do estatuto do estrangeiro. Neste sentido, segue julgado do STF:
EMENTA: PRISÃO PREVENTIVA PARA FINS DE EXTRADIÇÃO. NACIONAL LIBANÊS NATURALIZADO BRASILEIRO. EXTRADITANDO EXPULSO DO PARAGUAI. TRÁFICO DE DROGAS. EXTRADITANDO PRESO EM FACE DE OUTRO MANDADO DE PRISÃO: DIFUSÃO VERMELHA. AUSÊNCIA DE CÓPIAS DE TEXTOS LEGAIS, COMO EXIGE A LEI N. 6.815/80. OMISSÃO DO ESTADO-REQUERENTE EM FORMULAR O PEDIDO DE EXTRADIÇÃO E DE COMPLEMENTAR A INSTRUÇÃO DO PEDIDO. PEDIDO DE REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA INDEFERIDO. CONVERSÃO DO FEITO EM DILIGÊNCIA E DEFINIÇÃO DE PRAZO IMPRORROGÁVEL DE SESSENTA DIAS PARA CUMPRIMENTO DAS EXIGÊNCIAS. 1. A República do Líbano não apresentou os documentos que completariam pedido de extradição, com promessa de reciprocidade, nem complementou a instrução nos termos da Lei n. 6.815/80, a despeito de ter sido fixado prazo peremptório, mais de uma vez, para que viesse esta documentação para a competente instrução do feito. 2. As peculiaridades da presente prisão preventiva para extradição, que não se limitam ao simples exame dos aspectos formais e à mera apreciação dos fins comuns a que se destina a maioria das extradições submetidas a este Supremo Tribunal, aliada à complexidade da causa, consubstanciada, dentre outros motivos, pela dificuldade da tradução do idioma árabe, ultrapassam os tradicionalmente inerentes às extradições de nacionais libaneses e constituem razões suficientes para a manutenção da prisão do Extraditando, não se podendo falar, portanto, em excesso de prazo da prisão. 3. Também em razão das singularidades do caso em pauta, é de ser concedido novo e improrrogável prazo para o atendimento das diligências requeridas pelo Ministério Público Federal, cabendo ao Estado requerente valer-se do mesmo para o aperfeiçoamento de seus deveres, na espécie, se entender mantido o seu interesse na extradição, sob pena de se ter o indeferimento do pedido formulado. 3. Questão de ordem que se resolve no sentido da conversão do feito em diligência e a definição do prazo improrrogável de 60 (sessenta) dias, contados da publicação desta decisão plenária, para o atendimento das exigências. (STF, PPE 623, 2010)
O Supremo Tribunal Federal já concedeu ordem de Habeas Corpus preventivo em desfavor de mandado de prisão expedido por autoridade judiciária estrangeira, em desfavor de pessoa residente no Brasil, em virtude da falta de pedido de extradição, conforme se verifica abaixo:
EMENTA: - Habeas Corpus preventivo. 2. Mandado de prisão expedido por magistrado canadense contra pessoa residente no Brasil, para cuja execução foi solicitada a cooperação da INTERPOL - Brasil. Inexistência de pedido de extradição. 3. Competência do STF - Art. 102, I, g, da Constituição Federal. 4. Em face do mandado de prisão contra a paciente expedido por magistrado canadense, sob a acusação de haver cometido o ilícito criminal previsto no art. 282, a, do Código Penal do Canadá, e solicitada à INTERPOL sua execução, fica caracterizada situação de ameaça à liberdade de ir e vir. 5. Habeas corpus parcialmente conhecido e, nessa parte, concedido, para assegurar à paciente salvo conduto em todo o território nacional. Em se tratando de pessoa residente no Brasil, não há de sofrer constrangimento em sua liberdade de locomoção, em virtude de mandado de prisão expedido por justiça estrangeira, o qual, por si só, não pode lograr qualquer eficácia no país. 6. Comunicação da decisão do STF ao Ministério da Justiça e ao Departamento de Polícia Federal, Divisão da Interpol, para que, diante da ameaça efetiva à liberdade, se adotem providências indispensáveis, em ordem a que a paciente, com residência em Florianópolis, não sofra restrições em sua liberdade de locomoção e permaneça no país enquanto lhe aprouver. 7. Habeas corpus não conhecido, no ponto em que se pede a cessação imediata da veiculação dos nomes e fotografias da paciente e de seus filhos menores no portal eletrônico da Organização Internacional de Polícia Criminal (O.I.P.C.) - Interpol, porque fora do alcance e controle da jurisdição nacional, tendo sido a inclusão das difusões vermelha e amarelas, relativas à paciente e seus filhos, respectivamente, solicitadas pela IP/Ottawa à IPSC, em Lyon, França. (STF, HC 80923, 2001)
Assim, a difusão vermelha (red notice), nada mais é do que o compartilhamento de informações pela Interpol com vista à cooperação entre as polícias dos países membros. Sendo que no Brasil, os mandados devem ser devidamente cadastrado no CNJ e em seguida, encaminhado à Polícia Federal que se incumbirá de promover no sistema da Interpol, noticiando-se a ordem de prisão de determinada pessoa a todos os países membros visando a sua localização e captura. Assim, se a pessoa contra quem o mandado de prisão foi emitido ingressar em qualquer dos países que integram a Interpol, um alerta é automaticamente emitido para o país que expediu a ordem, por isso a expressão "Difusão Vermelha". A partir daí, cada país tem legislação própria quanto aos trâmites do pedido de extradição.
Para finalizar este paper, é importante mencionar que a Interpol se utiliza de vários mecanismos de cooperação entre as policias dos países membros, dentre eles as chamadas "difusões", que foram classificadas em cores, tais como: a) Difusão Vermelha: busca o cumprimento de uma ordem de prisão para fins de extradição; b) Difusão Azul: busca informações sobre pessoas que cometeram crimes; c) Difusão Amarela: busca pessoas desaparecidas ou perdidas, em razão de fato criminoso ou em caráter humanitário; d) Difusão Branca: busca a localização de objetos de alto valor roubados, incluindo obras de arte; e) Difusão Preta: busca a identificação de cadáveres.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Instrução Normativa n. 01 de 10 de fevereiro de 2010. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/index.php?option=com_content&view=article&id=8592:redencao-e-maracanau-sao-campeoes-em-acordos-no-primeiro-dia-de-conciliacao-no-ceara&catid=1:notas&Itemid=169. Acesso em 10 jun. 2014.
BRASIL, Presidência da República Federativa. Código de Processo Penal - CPP - Decreto-Lei nº 3.689, 3.10.1941. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 ago. 2008. Disponivel em: . Acesso em: 10 jun. 2014.
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Banco Nacional de Mandados de Prisão - BNMP - Resolução 137. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/sistemas/sistema-carcerario-e-execucao-penal/banco-nacional-de-mandados-de-prisao-bnmp. Acesso em: 10 jun. 2014.
BRASIL, Supremo Tribunal Federal. HC 119056 QO, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 03/10/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-244 DIVULG 11-12-2013 PUBLIC 12-12-2013. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000223125&base=baseAcordaos. Acesso em 10 jun. 2014.
BRASIL, Supremo Tribunal Federal. PPE 623 QO, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 01/07/2010, DJe-164 DIVULG 02-09-2010 PUBLIC 03-09-2010 EMENT VOL-02413-01 PP-00131 LEXSTF v. 32, n. 382, 2010, p. 226-247. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000168172&base=baseAcordaos. Acesso em: 10 jun. 2014.
BRASIL, Supremo Tribunal Federal. HC 80923, Relator(a): Min. NÉRI DA SILVEIRA, Tribunal Pleno, julgado em 15/08/2001, DJ 21-06-2002 PP-00097 EMENT VOL-02074-02 PP-00410. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000099057&base=baseAcordaos. Acesso em: 10 jun. 2014.
Mestre em Direito Penal Internacional pela Universidade de Granada - Espanha. Mestre em Direito e Políticas Públicas pelo UNICEUB. Especialista em Direito Penal e Processo Penal pelo ICAT/UDF. Pós-graduado em Gestão Policial Judiciária pela ACP/PCDF-FORTIUM. Professor Universitário de Direito Penal e Orientação de Monografia. Advogado. Delegado de Polícia da PCDF (aposentado). Já exerceu os cargos de Coordenador da Polícia Legislativa da Câmara Legislativa do Distrito Federal (COPOL/CLDF), Advogado exercendo o cargo de Assessor de Procurador-Geral da CLDF. Chefe de Gabinete da Administração do Varjão-DF. Chefe da Assessoria para Assuntos Especiais da PCDF. Chefe da Assessoria Técnica da Cidade do Varjão - DF; Presidente da CPD/CGP/PCDF. Assessor Institucional da PCDF. Secretário Executivo da PCDF. Diretor da DRCCP/CGP/PCDF. Diretor-adjunto da Divisão de Sequestros. Chefe-adjunto da 1ª Delegacia de Polícia. Assessor do Departamento de Polícia Especializada - DPE/PCDF. Chefe-adjunto da DRR/PCDF. Analista Judiciário do TJDF. Agente de Polícia Civil do DF. Agente Penitenciário do DF. Policial Militar do DF.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COIMBRA, Valdinei Cordeiro. Mandado de Prisão com Difusão Vermelha (red notice) Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 jul 2019, 05:46. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/1827/mandado-de-priso-com-difuso-vermelha-red-notice. Acesso em: 24 nov 2024.
Por: Adel El Tasse
Por: Eduardo Luiz Santos Cabette
Por: Eduardo Luiz Santos Cabette
Por: RICARDO NOGUEIRA VIANA
Por: Eduardo Luiz Santos Cabette
Precisa estar logado para fazer comentários.