Muito questionado se o princípio in dubio pro reo se aplica ou não na primeira fase do tribunal do júri no momento da pronúncia ou impronúncia (são os institutos que trataremos aqui, deixando claro que não esquecemos da absolvição sumária e nem da desclassificação). E porque não se aplicaria?
Para que possamos melhor entender cada instituto, comecemos pela pronúncia e sua previsão legal no artigo 413 do CPP:
Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação. (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008)
§ 1o A fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008)
§ 2o Se o crime for afiançável, o juiz arbitrará o valor da fiança para a concessão ou manutenção da liberdade provisória. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008)
§ 3o O juiz decidirá, motivadamente, no caso de manutenção, revogação ou substituição da prisão ou medida restritiva de liberdade anteriormente decretada e, tratando-se de acusado solto, sobre a necessidade da decretação da prisão ou imposição de quaisquer das medidas previstas no Título IX do Livro I deste Código. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008)
Nas palavras de Aury Lopes Jr: “A decisão de pronúncia marca o acolhimento provisório, por parte do juiz, da pretensão acusatória, determinando que o réu seja submetido ao julgamento do tribunal do Júri”.
Walfredo Cunha Campos diz que: “A pronúncia é uma decisão interlocutória mista não terminativa que encerra uma fase do processo sem condenar ou absolver o acusado. É a chamada sentença processual que, após análise das provas do processo, declara admissível a acusação a ser desenvolvida em plenário de Júri, por estar provada a existência de um crime doloso contra a vida e ser provável a sua autoria. É tal decisão o divisor de águas entre o judicium accusationes (juízo de culpa) e o judicium causae (juízo de acusação).
Já Valter Kenji Ishida, estabelece que: “A pronúncia é a decisão interlocutória mista não terminativa que fixa uma classificação penal para ser decidida pelos jurados”.
O princípio constitucional previsto no artigo 5º, LVII (presunção de inocência) não pode ser afastado, em hipótese alguma, também, no tribunal do júri. Não há lógica para que isso ocorra.
O que, frequentemente, vem ocorrendo nos julgamentos é uma verdadeira afronta ao texto constitucional sendo que, tomou-se por “correto”, o ato de pronunciar o acusado mesmo quando há dúvidas sobre sua culpabilidade no fato. Assim, o acusado já vai para o plenário com 1 x 0 contra.
A meu ver, agindo o magistrado dessa forma, cria um “novo” princípio processual penal (e porque não constitucional), que eu chamo de princípio “Poncius Pilatus”. Ele simplesmente atribui a outros uma decisão que é sua.
Pois bem, quanto ao princípio in dubio pro societate, que é o motor de arranque para que seja pronunciado o acusado, mesmo pairando dúvidas sobre sua culpabilidade, temos outra questão relevante, a de que não existe previsão constitucional para sustentá-lo. Dessa forma, não pode um princípio constitucional ser sobrepujado por um “fictício” por meras questões de suposto interesse social.
Deixo claro que é praticamente pacífico na jurisprudência e doutrina o entendimento do tal princípio, mas ouso, completamente, a discordar dele.
O caput do art. 413 é bem claro na sua redação:
Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação. (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008)
É cristalino o requisito do CONVENCIMENTO (única fonte de decisão) do juiz pelo apurado para mandar alguém para o plenário. Isso deve (ou deveria) se dar, com provas convincentes da prática da conduta criminosa do acusado e não por achismos subjetivistas.
Ora, se no plenário as teses são dirigidas sempre enfaticamente aos jurados com a observância de que eles não podem ter dúvidas ao julgar o caso, e todos os esforços são para provar o que cada parte alega, porque o magistrado pode valer-se dela (a dúvida) para fazer a pronúncia tendo um dispositivo (só) para não fazê-la, sendo que o “processo” é o mesmo? Questão a ser pensada.
Sei bem que, no tempo atual em que vivemos, o anseio de justiça é cada vez maior mas, como sempre digo em meus artigos, não podemos aceitar que tudo seja da forma que cada um quer e esqueçamos da nossa lei positivida, principalmente, da nossa Constituição Federal.
A contradição é tão grande que, se analisarmos o artigo 414 do Código de Processo Penal, uma pergunta (até mesmo para quem não tem conhecimento técnico) surge sem maiores problemas: “Se na dúvida se pronuncia o acusado, qual a função deste artigo?”.
Para que fique claro, vejamos o disposto no artigo 414 do CPP:
Art. 414. Não se convencendo da materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, o juiz, fundamentadamente, impronunciará o acusado. (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008)
Parágrafo único. Enquanto não ocorrer a extinção da punibilidade, poderá ser formulada nova denúncia ou queixa se houver prova nova. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008)
Percebem que o princípio “Poncius Pilatus” impera quando não deveria? É o magistrado jogando nas mãos dos jurados o destino de uma pessoa que ele mesmo poderia decidir ali na primeira fase (judicium acusationes) do julgamento.
Se o nosso ordenamento processual penal prevê, expressamente, duas situações distintas, porque optar pela mais cômoda, fácil e isenta decisão mesmo que esta não seja a correta? Por que não aplicar o direito como ele deve ser aplicado?
O que não podemos, jamais, esquecer é que os espectadores de hoje podem ser o artista principal de amanhã.
Na impronúncia, o que muitos não percebem é que o acusado, quando impronunciado, não está absolvido, mas sim em “stand by” da justiça pelo prazo prescricional do crime que, supostamente, lhe foi imputado. É um “período” de incerteza que o acusado vai se submeter até estar extinta a sua punibilidade.
É de incerteza porque se surgirem novas provas durante o prazo prescricional, outro processo pode ser instaurado. Por novas provas, segundo Walfredo Cunha Campos, entendem-se elementos de convicção inéditos em seu conteúdo, e não em sua interpretação. No mesmo segmento de entendimento, Renato Brasileiro de Lima entende que compreende-se por provas novas as inéditas, desconhecidas e, também, as formalmente novas, ou seja, aquelas que já eram conhecidas, mas que ganham nova versão.
Pois bem, como relatado, de forma breve, não se absolve o acusado com a impronúncia, mas sim, o deixa à disposição para um novo processo enquanto não estiver extinta a pretensão punitiva do Estado.
Se o magistrado na dúvida não pronuncia o acusado e opta pela impronúncia por falta de provas e, consequentemente, pelo seu não convencimento da culpabilidade dele (acusado), deixa aberta a possibilidade de um novo processo caso apareçam novas provas no lapso temporal da prescrição do delito.
Se na dúvida, erroneamente, pronuncia, e no plenário o defensor do réu realiza um bom trabalho e consegue a absolvição, teremos a coisa julgada material e um novo processo não será instaurado.
Dessa forma, é a impronúncia a verdadeira arma de defesa da sociedade e não a pronúncia como muitos juristas e magistrados a defendem.
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