O Ministro Ricardo Lewandowski deferiu pedido de liminar para afastar os efeitos de acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que, ao manter decisão de primeira instância, deixou de receber denúncia de violência doméstica em razão da retratação da vítima. A decisão foi tomada na Reclamação nº. 18174, na qual o Ministério Público fluminense alegava que o ato questionado teria ofendido entendimento do Supremo na Ação Declaratória de Constitucionalidade nº. 19 e da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 4424. “Entendo que é o caso de concessão da liminar”, disse o Ministro Ricardo Lewandowski. Ele lembrou que durante sessão do dia 9 de fevereiro de 2012, o Plenário do Supremo julgou procedente a ADC 19 para assentar a constitucionalidade dos artigos 1º, 33 e 41 da Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha). Na ocasião, a Corte reiterou que o legislador, “ao criar mecanismos específicos para coibir e prevenir a violência doméstica contra a mulher e instituir medidas especiais de proteção, assistência e punição, tomando como base o gênero da vítima, teria utilizado meio adequado e necessário para fomentar o fim traçado pelo parágrafo 8º do artigo 226, da Carta Maior”. Esse dispositivo estabelece que o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.
Para o Ministro Ricardo Lewandowski, a decisão questionada seguiu “linha de orientação diversa da firmada por ocasião desses julgamentos [ADC 19 e ADI 4424], cuja decisões são dotadas de eficácia erga omnes [para todos] e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal”. O Ministro também ressaltou que, quanto à constitucionalidade do artigo 41 da Lei 11.340/2006, o Plenário do Supremo Tribunal Federal apenas ratificou diretriz já firmada no julgamento do Habeas Corpus nº. 106212. O Ministro deferiu o pedido de liminar, sem prejuízo de melhor exame da causa pela relatora do processo, Ministra Rosa Weber.
Eis o caso penal ora comentado: "O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. O MPE-RJ ofereceu denúncia contra W.W.M.T. por suposto crime de lesão corporal praticado com violência doméstica e familiar contra mulher. De acordo com os autos, o procedimento foi arquivado pelo I Juizado Especial de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher por considerar ausente a condição de procedibilidade para a deflagração da ação penal, em razão da retratação da representação oferecida pela vítima. Contra essa decisão, o Ministério Público fluminense interpôs recurso, sustentando a natureza incondicionada da ação penal em questão, com base no teor do artigo 41 da Lei 11.340/06 e no entendimento firmado pelo Supremo no julgamento da ADC 19 e da ADI 4424. No entanto, o TJ-RJ negou provimento ao recurso. Na presente reclamação, o MP pedia liminarmente a suspensão do acórdão da Sexta Câmara Criminal do TJ-RJ. No mérito, o autor requer a cassação do ato contestado."
Eis um erro do Supremo Tribunal Federal, anda que proferido em decisão monocrática. Aliás, “Saímos da ditadura do masculino para a ditadura de um feminino estereotipado. Um feminino que nega tudo o que é feminino.”[1]
Pois bem.
Este trabalho tem por escopo comentar o art. 41 da Lei nº. 11.340/06, a chamada “Lei Maria da Penha” que, em tese, procurou criar “mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher”[2].
Segundo a lei, “configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial.”[3] A violência pode ser praticada: a) “no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas”;b) “no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa”[4] ouc) “em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.”[5]
Ademais, compreende:a) “a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal”;b) “a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação”;c) “a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos”;d) “a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades” ee) “a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.”
É importante ressaltar que a lei não contém nenhum novo tipo penal, apenas dá um tratamento penal e processual distinto para as infrações penais já elencadas em nossa (vasta e exagerada) legislação. De toda maneira, entendemos extremamente perigosa a utilização, em um texto legal de natureza penal e processual penal (e gravoso para o indivíduo), de termos tais como “diminuição da autoestima”, “esporadicamente agregadas”, “indivíduos que são ou se consideram aparentados”, “em qualquer relação íntima de afeto”, etc., etc.
Observa-se, porém, que uma agressão de ex-namorado contra antiga parceira não configura violência doméstica. Com esse entendimento, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por maioria, declarou competente o juízo de direito do Juizado Especial Criminal de Conselheiro Lafaiete, em Minas Gerais, para julgar e processar ação contra agressor da ex-namorada. No caso, o homem encontrou a ex-namorada na companhia do atual parceiro e praticou a agressão. Ele jogou um copo de cerveja no rosto dela, deu-lhe um tapa e a ameaçou. O Ministério Público entendeu ser caso de violência doméstica e, por isso, considerou que deveria ser julgado pela Justiça comum. Acatando esse parecer, o juízo de Direito do Juizado Especial Criminal de Conselheiro Lafaiete encaminhou os autos para a 1ª Vara Criminal da cidade. Porém, a Vara Criminal levantou o conflito de competência por entender que não se tratava de violência doméstica e, por essa razão, a questão deveria ser julgada pelo Juizado Especial. Em sua decisão, o relator, ministro Nilson Naves, destacou que a Lei Maria da Penha não abrange as conseqüências de um namoro acabado. Por isso, a competência é do Juizado Especial Criminal. Acompanharam o relator os ministros Felix Fischer, Laurita Vaz, Arnaldo Esteves Lima, Maria Thereza de Assis Moura, Jorge Mussi e Og Fernandes. O ministro Napoleão Nunes Maia Filho divergiu do relator e foi acompanhado pela desembargadora convocada Jane Silva. Segundo ela, o namoro configura, para os efeitos da Lei Maria da Penha, relação doméstica ou familiar, já que trata de uma relação de afeto.” (Processos: CC 91980 e CC 94447).
Segundo o seu art. 6º., a violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos; logo, é possível que a apuração do crime daí decorrente seja da atribuição da Polícia Federal, na forma do art. 1º., caput e inciso III, da Lei nº. 10.446/02; ainda em tese, também é possível que a competência para o processo e julgamento seja da Justiça Comum Federal, ex vi do art. 109, V-A, c/c o § 5º., da Constituição Federal, desde que se inicie, via Procurador-Geral da República, e seja julgado procedente o Incidente de Deslocamento de Competência junto ao Superior Tribunal de Justiça). Esta conclusão decorre das normas referidas, bem como em razão do Brasil ser subscritor da Convenção sobre a eliminação de todas as formas de violência contra a mulher[6] e da Convenção interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher[7].
Não pretendemos ferir suscetibilidades ou idiossincrasias, apenas manifestar o nosso entendimento sobre uma norma jurídica que entendemos ferir a Constituição Federal. Como diz Paulo Freire, “só, na verdade, quem pensa certo, mesmo que, às vezes, pense errado, é quem pode ensinar a pensar certo. E uma das condições necessárias a pensar certo é não estarmos demasiado certos de nossas certezas. Por isso é que o pensar certo, ao lado sempre da pureza e necessariamente distante do puritanismo, rigorosamente ético e gerador de boniteza, me parece inconciliável com a desvergonha da arrogância de quem se acha cheia ou cheio de si mesmo.”[8]
Estamos de acordo com a tutela penal diferençada para hipossuficientes (inclusive pelo desvalor da ação[9]), mas sem máculas à Constituição Federal e aos princípios dela decorrentes e inafastáveis. Neste ponto, concordamos com Naele Ochoa Piazzeta, quando afirma que “corretas, certas e justas modificações nos diplomas legais devem ser buscadas no sentido de se ver o verdadeiro princípio da igualdade entre os gêneros, marco de uma sociedade que persevera na luta pela isonomia entre os seres humanos, plenamente alcançado.”[10]
Como afirma Willis Santiago Guerra Filho, “princípios como o da isonomia e proporcionalidade são engrenagens essenciais do mecanismo político-constitucional de acomodação dos diversos interesses em jogo, em dada sociedade, sendo, portanto, indispensáveis para garantir a preservação de direitos fundamentais, donde podermos incluí-los na categoria, equiparável, das ´garantias fundamentais’.”[11]
Vejamos, então, o conteúdo deste trabalho, quando analisaremos o art. 16 da referida lei que tem a seguinte redação: “Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.”
Desde logo, atentemos para a impropriedade técnica do termo “renúncia”, pois se o direito de representação já foi exercido (tanto que foi oferecida a denúncia), obviamente não há falar-se em renúncia; certamente o legislador quis referir-se à retratação da representação, o que é perfeitamente possível, mesmo após o oferecimento daquela condição específica de procedibilidade da ação penal.
Sabe-se, no entanto, que o art. 25 do Código de Processo Penal só permite a retratação da representação até o oferecimento da denúncia; no caso desta lei, porém, a solução do legislador foi outra, permitindo-se a retratação mesmo após o oferecimento da peça acusatória. O limite agora (e quando se tratar de crime relacionado à violência doméstica e familiar contra a mulher) é a decisão do Juiz recebendo a denúncia.
Portanto, diferentemente da regra estabelecida pelo art. 25 do Código de Processo Penal, a retratação da representação pode ser manifestada após o oferecimento da denúncia, desde que antes da decisão acerca de sua admissibilidade. Neste ponto, mais duas observações: em primeiro lugar a lei foi mais branda com os autores de crimes praticados naquelas circunstâncias, o que demonstra de certa forma uma incoerência do legislador. Ora, se se queria reprimir com mais ênfase este tipo de violência, por que “elastecer” o prazo para a retratação da representação? Evidentemente que é mais benéfica para o autor do crime a possibilidade de retratação em tempo maior que aquele previsto pelo art. 25, Código de Processo Penal.
Tratando-se de norma processual penal material, e sendo mais benéfica, deve retroagir para atingir processos relativos aos crimes praticados anteriormente à vigência da lei (data da ação ou omissão – arts. 2º. e 4º. do Código Penal).[12]
Uma segunda observação é a exigência legal que esta retratação somente possa ser feita “perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, (...) ouvido o Ministério Público.” Aqui, a intenção do legislador foi revestir a retratação de toda a formalidade própria de uma audiência realizada no Juízo Criminal, presentes o Juiz de Direito e o Ministério Público. Neste aspecto, sendo mais gravosa a norma processual penal material, sua aplicação deve se restringir aos fatos ocorridos posteriormente, ou seja, para os crimes praticados após a vigência da lei.
De toda maneira, ressaltamos que se esta retratação deve ser necessariamente formal (e formalizada), o mesmo não ocorre com a representação que, como sabemos, dispensa maiores formalidades (sendo este um entendimento já bastante tranquilo dos nossos tribunais e mesmo da Suprema Corte). O prazo para o oferecimento da representação (bem como o dies a quo) continua sendo o mesmo (art. 38, CPP). Ademais, é perfeitamente válida a representação feita perante a autoridade policial, pois assim permite o art. 39 do Código de Processo Penal.
Como se sabe, a representação é uma condição processual relativa a determinados delitos, sem a qual a respectiva ação penal, nada obstante ser pública, não pode ser iniciada pelo órgão ministerial; é uma manifestação de vontade externada pelo ofendido (ou por quem legalmente o represente) no sentido de que se proceda à persecutio criminis. De regra, esta representação “consiste em declaração escrita ou oral, dirigida à autoridade policial, ou ao órgão do Ministério Público, ou ao Juiz”, como afirmava Borges da Rosa.[13] Porém, a doutrina e a jurisprudência pátrias trataram de amenizar este rigor outrora exigido, a fim de que pudessem ser dados ao instituto da representação traços mais informais e, conseqüentemente, mais justos e consentâneos com a realidade.
Assim é que hodiernamente “a representação, quanto à formalidade, é figura processual que se reveste da maior simplicidade. Inocorre, em relação à mesma qualquer rigor formal” e esta “dispensa do requisito das formalidades advém da circunstância de que a representação é instituída no interesse da vítima e não do acusado, daí a forma mais livre possível na sua elaboração.”[14]
Neste sentido a jurisprudência é pacífica:
“SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – HABEAS CORPUS Nº. 20.401 – RJ (2002/0004648-6) (DJU 05.08.02, SEÇÃO 1, P. 414, J. 17.06.02). RELATOR: MINISTRO FERNANDO GONÇALVES. Resta prejudicado o habeas corpus, por falta de objeto, quando o motivo do constrangimento não mais existe. 2 - Nos crimes de ação pública, condicionada à representação, esta independe de forma sacramental, bastando que fique demonstrada, como na espécie, a inequívoca intenção da vítima e/ou seu representante legal, nesta extensão, em processar o ofensor. Decadência afastada. 3 - Ordem conhecida em parte e, nesta extensão, denegada.”
Aliás, este é o entendimento pacífico do Supremo Tribunal Federal (neste sentido conferir RT 731/522; JSTF 233/390; RT 680/429, etc). No julgamento do Habeas Corpus nº. 88843, por unanimidade, os Ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, apesar de concederem a ordem de ofício (para afastar qualquer impedimento contra a progressão do regime prisional em favor de um condenado por atentado violento ao pudor com violência presumida), negaram, no entanto, o pedido formulado pela defesa por entender “que, de acordo com diversos precedentes da Corte, o entendimento firmado no STF é de que não se deve exigir a observância rígida das regras quanto à representação, principalmente quando se trata de crimes dessa natureza”, segundo o relator, Ministro Marco Aurélio. Para a Defensoria Pública paulista, que impetrou a ação no Supremo em favor do condenado, a decisão do Superior Tribunal de Justiça, que negou pedido idêntico feito àquela corte, estaria equivocada, uma vez que seria necessário haver uma representação formal contra o réu, para que ele fosse processado. E que a representação que houve, no caso, foi feita pela vítima, uma menor de idade. O depoimento da vítima, menor de idade, manifestando a intenção de perseguir o acusado em juízo, foi usado para suprir a representação, disse o defensor público. Como a vítima é menor de idade, tal depoimento não é valido, não supre a representação, afirmou ainda a defensoria, para quem “aceitar essa tese é burlar o devido processo legal”. Fonte: STF.
Pergunta-se: deve o representante do Ministério Público, antes de oferecer a denúncia, pugnar ao Juiz pela realização daquela audiência? Entendemos que não, pois a audiência prevista neste artigo deve ser realizada apenas se a vítima (ou seu representante legal ou sucessores ou mesmo o curador especial - art. 33 do Código de Processo Penal) manifestar algum interesse em se retratar da representação. Não vemos necessidade de, a priori, o órgão do Ministério Público requerer a designação da audiência. Ora, se a vítima representou (seja formal ou informalmente), satisfeita está a condição específica de procedibilidade para a ação penal. O requerimento para a realização desta audiência (ou a sua designação ex officio pelo Juiz de Direito) fica “até parecendo” que se deseja a retratação a todo custo.
Observa-se, outrossim, que a retratação deve ser um ato espontâneo da vítima (ou de quem legitimado legalmente), não sendo necessário que ela seja levada a se retratar por força da realização de uma audiência judicial.
Exatamente neste sentido, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que “a vítima de violência doméstica não pode ser constrangida a ratificar perante o juízo, na presença de seu agressor, a representação para que tenha seguimento a ação penal. Com esse entendimento, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça concedeu mandado de segurança ao Ministério Público do Mato Grosso do Sul para que a audiência prevista no artigo 16 da Lei Maria da Penha só ocorra quando a vítima manifeste, antecipada, espontânea e livremente, o interesse de se retratar. A decisão é unânime. A Lei 11.340/06, conhecida por Maria da Penha, criou mecanismos de proteção contra a violência doméstica e familiar sofrida pelas mulheres. Entre as medidas, está a previsão de que a ação penal por lesão corporal leve é pública – isto é, deve ser tocada pelo MP –, mas condicionada à representação da vítima. O STJ já pacificou o entendimento de que essa representação não exige qualquer formalidade, bastando a manifestação perante autoridade policial para configurá-la. Para o Tribunal de Justiça sul-matogrossense, a designação dessa audiência seria ato judicial de mero impulso processual, não configurando ilegalidade ou arbitrariedade caso realizada espontaneamente pelo juiz. Mas o desembargador convocado Adilson Macabu divergiu do tribunal local. Para o relator, a audiência prevista no dispositivo não deve ser realizada de ofício, como condição da abertura da ação penal, sob pena de constrangimento ilegal à mulher vítima de violência doméstica e familiar. Isso “configuraria ato de 'ratificação' da representação, inadmissível na espécie”, asseverou. “Como se observa da simples leitura do dispositivo legal, a audiência a que refere o artigo somente se realizará caso a ofendida expresse previamente sua vontade de se retratar da representação ofertada em desfavor do agressor”, acrescentou o relator. “Assim, não há falar em obrigatoriedade da realização de tal audiência, por iniciativa do juízo, sob o argumento de tornar certa a manifestação de vontade da vítima, inclusive no sentido de ‘não se retratar’ da representação já realizada”, completou. Em seu voto, o desembargador indicou precedentes tanto da Quinta quanto da Sexta Turma nesse mesmo sentido.” (Fonte: Coordenadoria de Editoria e Imprensa do Superior Tribunal de Justiça).
Também no Supremo Tribunal Federal decidiu-se que “a audiência prevista no referido artigo não é obrigatória para o recebimento da denúncia, como sustentava a defesa. Ela é facultativa e deve ser provocada pela vítima, caso deseje, antes de recebida a denúncia, o que não ocorreu no caso em questão.” (Habeas Corpus 109176, Relator Ministro Ricardo Lewandowski).
E qual o sentido da aplicação do art. 41 da Lei nº. 9.099/95? Nenhum!
E mais: entendemos tratar-se de artigo inconstitucional. Valem as mesmas observações expendidas quando da análise do art. 17. São igualmente feridos princípios constitucionais (igualdade e proporcionalidade[15]). Assim, para nós, se a infração penal praticada for um crime de menor potencial ofensivo (o art. 41 não se refere às contravenções penais) devem ser aplicadas todas as medidas despenalizadoras previstas na Lei nº. 9.099/95 (composição civil dos danos, transação penal e suspensão condicional do processo), além da medida “descarcerizadora” do art. 69 (Termo Circunstanciado e não lavratura do auto de prisão em flagrante, caso o autor do fato comprometa-se a comparecer ao Juizado Especial Criminal).
Seguindo o mesmo raciocínio, em relação às lesões corporais leves e culposas, a ação penal continua a ser pública condicionada à representação, aplicando-se o art. 88 da Lei nº. 9.099/95.
Cremos que devemos interpretar tal dispositivo à luz da Constituição Federal e não o contrário. Afinal de contas, como já escreveu Cappelletti, “a conformidade da lei com a Constituição é o lastro causal que a torna válida perante todas.”[16] Devemos interpretar as leis ordinárias em conformidade com a Carta Magna, e não o contrário! Segundo Frederico Marques, a Constituição Federal “não só submete o legislador ordinário a um regime de estrita legalidade, como ainda subordina todo o sistema normativo a uma causalidade constitucional, que é condição de legitimidade de todo o imperativo jurídico.”[17]
A prevalecer a tese contrária (pela constitucionalidade do artigo), uma injúria praticada contra a mulher naquelas circunstâncias não seria infração penal de menor potencial ofensivo (interpretando-se o art. 41 de forma literal); já uma lesão corporal leve, cuja pena é o dobro da injúria, praticada contra um idoso ou uma criança (que também mereceram tratamento diferenciado do nosso legislador – Lei nº. 10.741/03 e Lei nº. 8.069/90) é um crime de menor potencial ofensivo. No primeiro caso, o autor da injúria será preso e autuado em flagrante, responderá a inquérito policial, haverá queixa-crime, etc., etc. Já o segundo agressor não será autuado em flagrante, será lavrado um simples Termo Circunstanciado, terá a oportunidade da composição civil dos danos, da transação penal e da suspensão condicional do processo, etc., etc. (arts. 69, 74, 76 e 89 da Lei nº. 9.099/95). Outro exemplo: em uma lesão corporal leve praticada contra uma mulher a ação penal independe de representação (é pública incondicionada), mas uma lesão corporal leve cometida contra um infante ou um homem de 90 anos depende de representação. Outro exemplo: um pai agride e fere levemente seus dois filhos gêmeos, um homem e uma mulher; receberá tratamento jurídico-criminal diferenciado. Onde nós estamos!
Nada obstante, decidiu o Superior Tribunal de Justiça que autores de violência doméstica contra mulheres podem ser processados pelo Ministério Público, independentemente de autorização da vítima. A conclusão, por maioria, é da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao considerar que a ação penal contra o agressor deve ser pública incondicionada. No recurso especial dirigido ao STJ, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios protestava contra o trancamento da ação penal contra o agressor E.S.O., do Distrito Federal. Após a retratação da vítima em juízo, afirmando não querer mais perseguir criminalmente o agressor, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) trancou a ação, afirmando que não haveria justa causa para o seu prosseguimento. Segundo o TJDFT, os delitos de lesões corporais leves e culposas continuam tendo a natureza jurídica de pública condicionada à representação, pois o sistema processual brasileiro tem regência da unicidade. “Não havendo a possibilidade jurídica para o prosseguimento da ação penal, em face das disposições do artigo 16 da Lei ‘Maria da Penha’, qual seja, a manifestação da vítima perante o juiz de não mais processar o seu companheiro, concede-se a ordem de habeas corpus para determinar-se o trancamento da ação penal por faltar-lhe a justa causa”, afirmou a decisão do TJDFT. Na decisão, o tribunal brasiliense ressalvou, ainda, a possibilidade de a vítima, a qualquer momento, no prazo de seis meses, voltar a exercer o direito de denunciar o agressor. Para o Ministério Público, no entanto, a decisão ofendeu os artigos 13, 16 e 41 da Lei Maria da Penha, além dos artigos 648, I, e 38 do Código de Processo Penal, artigo 88 da Lei n. 9.0909/95 e os artigos 100 e 129, parágrafo 9, do Código Penal. Requereu, então, a reforma da decisão, alegando que a ação penal do presente delito tem natureza pública incondicionada, não sendo dependente da representação da vítima. Em parecer sobre o caso, o Ministério Público Federal observou que a Lei Maria da Penha prescreve, em seu artigo 41, que não se aplica a Lei n. 9.099/95 aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher. Segundo o Ministério Público Federal, deve ser reconhecido o direito do Estado em dar prosseguimento à ação penal, vez que esta não depende de representação da vítima, devendo ser reconhecida a justa causa para a perseguição criminal do agressor. A relatora do caso, a desembargadora convocada Jane Silva, concordou com os argumentos e foi acompanhada pelo ministro Paulo Gallotti. Os ministros Nilson Naves e Maria Theresa de Assis Moura divergiram. Em seu voto-vista, o ministro Og Fernandes desempatou em favor da tese do Ministério Público: a ação contra autores de violência doméstica contra a mulher deve ser pública incondicionada. O mesmo resultado foi adotado para o Recurso Especial 1.050.276, também do Distrito Federal.
Em julgamento posterior, no entanto, o Superior Tribunal de Justiça decidiu contrariamente: "A Turma, ao prosseguir o julgamento, por maioria, concedeu a ordem de habeas corpus, mudando o entendimento quanto à representação prevista no art. 16 da Lei n. 11.340/2006. Considerou que, se a vítima só pode retratar-se da representação perante o juiz, a ação penal é condicionada. Ademais, a dispensa de representação significa que a ação penal teria prosseguimento e impediria a reconciliação de muitos casais.” (HC 113.608-MG, Rel. originário Min. Og Fernandes, Rel. para acórdão Min. Celso Limongi - Desembargador convocado do TJ-SP, julgado em 5/3/2009).
Também alguns tribunais estaduais:
“A incidência irrestrita da Lei 11.340/06 para tutelar, além da mulher adulta, a criança do sexo feminino, importa em proteção superlativa, com ofensa direta aos princípios constitucionais da isonomia e da razoabilidade. A vulnerabilidade e a hipossuficiência de tal categoria, justificativa do tratamento legal especial, diferentemente do que ocorre com a mulher adulta, independe do gênero sexual, não servindo, os arts. 2º. e 13º. daquele diploma, como fundamento adequado para ilações em sentido contrário. Conflito negativo julgado improcedente, competente o juízo da 12ª. Vara Criminal de Goiânia.” (TJGO – 2ª C. – rel. Marcio de Castro Molinari – j. 01.04.2009).
“A lei n° 11.340/06 (Lei Maria da Penha), não retirou a faculdade de representação da vítima, haja vista a possibilidade de renúncia. Desde modo, não se há falar em ação pública incondicionada nos casos de lesões corporais oriundas de violência doméstica. Assim, havendo retratação da representação em audiência designada para tal finalidade, antes do recebimento da denúncia, o não recebimento da mesma e arquivamento dos autos é medida que se impõe, ante e falta de procedibilidade para a ação penal. Recurso ministerial improvido” (TJMG – 5ª C. – RESE 1.0024.07.759594-0/001(1) – rel. Adilson Lamounier – j. 23.09.2008 – DOE 06.10.2008).
“A Lei Maria da Penha não retirou a faculdade de representação da ofendida nos crimes de lesão corporal, nem transformou a ação penal em incondicionada, uma vez que o artigo 16 da Lei 11. 340/06 faculta a renúncia à representação da vítima. Nas ações penais públicas condicionadas à representação, considera-se não satisfeita a condição de procedibilidade diante da ausência de demonstração inequívoca de intenção da vítima em ver deflagrada a ação penal conta o ofensor, não bastando a mera narrativa dos fatos ocorridos” (TJMG – 5ª C. – RESE 1.0210.08.048129-9/001(1) – rel. Adilson Lamounier - j. 20.01.2009 – DOE 02.02.2009).
Nada obstante, insistimos que o princípio da proporcionalidade não foi observado, o que torna inválida esta norma (como também a do art. 17), apesar de vigente. Como observa Mariângela Gama de Magalhães Gomes, este princípio “desempenha importante função dentro do ordenamento jurídico, não apenas penal, uma vez que orienta a construção dos tipos incriminadores por meio de uma criteriosa seleção daquelas condutas que merecem uma tutela diferenciada (penal) e das que não a merecem, assim como fundamenta a diferenciação nos tratamentos penais dispensados às diversas modalidades delitivas; além disso, conforme enunciado, constitui importante limite à atividade do legislador penal (e também do seu intérprete), posto que estabelece até que ponto é legítima a intervenção do Estado na liberdade individual dos cidadãos.”[18]
Para Pedraz Penalva, “a proporcionalidade é, pois, algo mais que um critério, regra ou elemento técnico de juízo, utilizável para afirmar conseqüências jurídicas: constitui um princípio inerente ao Estado de Direito com plena e necessária operatividade, enquanto sua devida utilização se apresenta como uma das garantias básicas que devem ser observadas em todo caso em que possam ser lesionados direitos e liberdades fundamentais.”[19]
Feriu-se, outrossim, o princípio da igualdade, previsto expressamente no art. 5º., caput da Constituição Federal. Este princípio constitucional “significa a proibição, para o legislador ordinário, de discriminações arbitrárias: impõe que a situações iguais corresponda um tratamento igual, do mesmo modo que a situações diferentes deve corresponder um tratamento diferenciado.” Segundo ainda Mariângela Gama de Magalhães Gomes, a igualdade “ordena ao legislador que preveja com as mesmas conseqüências jurídicas os fatos que em linha de princípio sejam comparáveis, e lhe permite realizar diferenciações apenas para as hipóteses em que exista uma causa objetiva – pois caso não se verifiquem motivos desta espécie, haverá diferenciações arbitrárias.”[20]
Para Ignacio Ara Pinilla, “la preconizada igualdad de todos frente a la ley (...) ha venido evolucionando en un sentido cada vez más contenutista, comprendiédose paulatinamente como interdicción de discriminaciones, o, por lo menos, como interdicción de discriminaciones injustificadas.”[21]
Como ensina Celso Antônio Bandeira de Mello, “há ofensa ao preceito constitucional da isonomia quando a norma singulariza atual e definitivamente um destinatário determinado, ao invés de abranger uma categoria de pessoas, ou uma pessoa futura e indeterminada.”[22]
Mas, infelizmente, como afirma Francesco Palazzo, “a influência dos valores constitucionais vem, pouco a pouco, crescendo sempre no arco dos tempos, sem que, no entanto, ainda assim as transformações constitucionais tenham logrado produzir a esperada reforma orgânica do sistema penal, inclusive.”[23]
Canotilho explica que são “princípios jurídicos fundamentais os princípios historicamente objectivados e progressivamente introduzidos na consciência jurídica e que encontram uma recepção expressa ou implícita no texto constitucional. Pertencem à ordem jurídica positiva e constituem um importante fundamento para a interpretação, integração, conhecimento e aplicação do direito positivo.”[24]
Este art. 41 também afronta o disposto no art. 98, I da Constituição Federal, pois a competência dos Juizados Especiais Criminais é ditada pela natureza da infração penal, estabelecida em razão da matéria e, portanto, de caráter absoluto, ainda mais porque tem base constitucional; neste sentido, Mirabete e Ada, respectivamente:
“A competência do Juizado Especial Criminal restringe-se às infrações penais de menor potencial ofensivo, conforme a Carta Constitucional e a lei. Como tal competência é conferida em razão da matéria, é ela absoluta.”[25]
“A competência do Juizado, restrita às infrações de menor potencial ofensivo, é de natureza material e, por isso, absoluta.”[26]
Igualmente Cezar Roberto Bitencourt, para quem “a competência ratione materiae, objeto de julgamento pelos Juizados Especiais Criminais, apresenta-se da seguinte forma: crimes com pena máxima cominada não superior a dois anos e contravenções penais.”[27]
Sidney Eloy Dalabrida também já escreveu:
“A competência do Juizado Especial Criminal foi firmada a nível constitucional (art. 98, I, CF), restringindo-se à conciliação (composição e transação), processo, julgamento e execução de infrações penais de menor potencial ofensivo. É competência que delimita o poder de julgar em razão da natureza do delito (ratione materiae), e, sendo assim, absoluta.”[28]
Repita-se que a competência da qual ora falamos tem índole constitucional (art. 98, I da Carta Magna), sendo nulos todos os atos porventura praticados, não somente os decisórios, como também os probatórios, “pois o processo é como se não existisse.”[29]
Se assim o é, ou seja, se a própria Constituição estabeleceu a competência dos Juizados Especiais Criminais para o processo, julgamento e execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, é induvidoso não ser possível a exclusão desta competência em razão do sujeito passivo atingido (mulher) e pela circunstância de se tratar de violência doméstica e familiar.
É bem verdade que a própria Lei nº. 9.099/95 prevê duas hipóteses em que é afastada a sua competência (arts. 66, parágrafo único e 77, § 2o.), mas este fato não representa obstáculo ao que dissemos, pois se encontra dentro da faixa de disciplina possível para a Lei nº. 9.099/95, permitida pelo art. 98 da Constituição. Em outras palavras: ao delimitar a competência dos Juizados, poderia a respectiva lei, autorizada pela Lei Maior, estabelecer exceções à regra, observando, evidentemente, os critérios orientadores estabelecidos pela própria lei. Efetivamente, na Lei nº. 9.099/95 há duas causas modificadoras da competência: a complexidade ou circunstâncias da causa que dificultem a formulação oral da peça acusatória (art. 77, § 2º.) e o fato do réu não ser encontrado para a citação pessoal (art. 66, parágrafo único)[30]. Porém, o certo é que tais disposições não ferem a Constituição Federal, pois as duas hipóteses se ajustam perfeitamente aos critérios da celeridade, informalidade e economia processual propostos pelo legislador (art. 62, Lei nº. 9.099/95). Nada mais razoável e proporcionalmente aceitável que retirar dos Juizados Especiais o réu citado por edital (ao qual será aplicado, caso não compareça, o art. 366 do CPP) e um processo mais complexo: são circunstâncias que, apesar de excluírem a competência dos Juizados, ajustam-se perfeitamente àqueles critérios acima indicados e são, portanto, constitucionalmente aceitáveis.
Observa-se que se as leis respectivas “podem definir quais são as infrações, podem, também, o menos, que é excluir aquelas que, mesmo sendo de menor potencial ofensivo, não são recomendadas para serem submetidas ao Juizado, desde que não se subtraia de todo a competência estabelecida constitucionalmente”, como bem anotou Luiz Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho.[31] (grifo nosso).
Destarte, subtraindo a competência dos Juizados Especiais Criminais, a referida lei incidiu em flagrante inconstitucionalidade, pois a competência determinada expressamente pela Constituição Federal não poderia ter sido reduzida por lei infraconstitucional.
O texto constitucional é explícito ao garantir ao autor da infração penal de menor potencial ofensivo o procedimento oral e sumariíssimo. Segundo Antonio Scarance Fernandes, “a incorporação, nos ordenamentos, de modelos alternativos aos procedimentos comuns ou ordinários gera para as partes o direito a que, presentes os requisitos legais, sejam obrigatoriamente seguidos. (...) Em relação à extensão do procedimento, têm as partes direito aos atos e fases que formam o conjunto procedimental. Em síntese, têm direito à integralidade do procedimento.”[32]
Ademais, “o procedimento pode ser visto como as regras de um jogo, que devem ser obedecidas para que seja legítima a competição. O cumprimento dos atos e fases procedimentais se impõe tanto ao Juiz quanto às partes e a todos os sujeitos que participarem do processo, isso porque o procedimento é integral. Além disso, prevendo a lei um procedimento específico para determinada relação de Direito Material controvertida, não cabe ao Juiz dispensá-la, impondo-se sua observância, em respeito ao devido processo legal. Justifica-se isso em virtude de os atos previstos na cadeia procedimental serem adequados à tutela de determinadas situações, daí serem imprescindíveis, ou seja, o procedimento ostenta uma tipicidade.”[33]
A propósito, mutatis mutandis, veja um trecho do voto proferido pelo Ministro Celso de Mello na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 2.797-2:
“(...) Esta Suprema Corte, ao exercer o seu poder de indagação constitucional - consoante adverte CASTRO NUNES (“Teoria e Prática do Poder Judiciário”, p. 641/650, 1943, Forense) - deve ter presente, sempre, essa técnica lógico-racional, fundada na teoria jurídica dos poderes implícitos, para, através dela, mediante interpretação judicial (e não legislativa), conferir eficácia real ao conteúdo e ao exercício de dada competência constitucional, consideradas as atribuições do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais e dos Tribunais de Justiça[34], tais como expressamente relacionadas no texto da própria Constituição da República. (...) Vê-se, portanto, que são inconfundíveis – porque inassimiláveis tais situações - a possibilidade de interpretação, sempre legítima, pelo Poder Judiciário, das normas constitucionais que lhe definem a competência e a impossibilidade de o Congresso Nacional, mediante legislação simplesmente ordinária, ainda que editada a pretexto de interpretar a Constituição, ampliar, restringir ou modificar a esfera de atribuições jurisdicionais originárias desta Suprema Corte, do Superior Tribunal de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais e dos Tribunais de Justiça estaduais[35], por tratar-se de matéria posta sob reserva absoluta de Constituição. (...) Em suma, Senhora Presidente, o Congresso Nacional não pode - simplesmente porque não dispõe, constitucionalmente, dessa prerrogativa – ampliar (tanto quanto reduzir ou modificar), mediante legislação comum, a esfera de competência originária do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais e dos Tribunais de Justiça dos Estados[36]. (...) O ponto está em que às leis ordinárias não é dado impor uma dada interpretação da Constituição. De tudo resulta que a lei ordinária que se limite a pretender impor determinada inteligência da Constituição é, só por isso, formalmente inconstitucional. (...) Coisa diversa, convém repisar, é a lei pretender impor, como seu objeto imediato, uma interpretação da Constituição: aí, a questão é de inconstitucionalidade formal, ínsita a toda norma de gradação inferior que se proponha a ditar interpretação de norma de hierarquia superior. (...) Daí a correta lição expendida pelo ilustre magistrado ANDRÉ GUSTAVO C. DE ANDRADE (“Revista de Direito Renovar”, vol. 24/78-79, set/dez 02), que também recusa, ao Poder Legislativo, a possibilidade de, mediante verdadeira “sentença legislativa”, explicitar, em texto de lei ordinária, o significado da Constituição. Diz esse ilustre autor: ´Na direção inversa – da harmonização do texto constitucional com a lei – haveria a denominada interpretação da Constituição conforme as leis, mencionada por Canotilho como método hermenêutico pelo qual o intérprete se valeria das normas infraconstitucionais para determinar o sentido dos textos constitucionais, principalmente daqueles que contivessem fórmulas imprecisas ou indeterminadas. Essa interpretação de mão trocada se justificaria pela maior proximidade da lei ordinária com a realidade e com os problemas concretos. O renomado constitucionalista português aponta várias críticas que a doutrina tece em relação a esse método hermenêutico, que engendra como que uma ‘legalidade da Constituição a sobrepor-se à constitucionalidade das leis’. Tal concepção leva ao paroxismo a idéia de que o legislador exercia uma preferência como concretizador da Constituição. Todavia, o legislador, como destinatário e concretizador da Constituição, não tem o poder de fixar a interpretação ‘correta’ do texto constitucional. Com efeito, uma lei ordinária interpretativa não tem força jurídica para impor um sentido ao texto constitucional, razão pela qual deve ser reconhecida como inconstitucional quando contiver uma interpretação que entre em testilha com este.”
Diante do exposto, este dispositivo da nova lei não deve ser aplicado pelo Juiz, pois, como se sabe, o controle de constitucionalidade judiciário no Brasil tem o caráter difuso[37], podendo “perante qualquer juiz ser levantada a alegação de inconstitucionalidade e qualquer magistrado pode reconhecer essa inconstitucionalidade e em conseqüência deixar de aplicar o ato inquinado”, na lição do constitucionalista Manoel Gonçalves Ferreira Filho.[38]
Diante destas considerações, entendemos que o art. 41 da Lei nº. 11.340/2006 não deve ser aplicados pois, apesar de normas vigentes formalmente (porque aprovadas pelo Poder Legislativo e promulgadas pelo Poder Executivo), são substancialmente inválidas, tendo em vista a incompatibilidade material com a Constituição Federal[39]. Relembremos que “não se pode interpretar a Constituição conforme a lei ordinária (gesetzeskonformen Verfassunsinterpretation). O contrário é que se faz.”[40] Uma coisa é lei vigente, outra é lei válida.
Vejamos a lição de Miguel Reale:“Validade formal ou vigência é, em suma, uma propriedade que diz respeito à competência dos órgãos e aos processos de produção e reconhecimento do Direito no plano normativo.”[41]
Nem toda lei vigente é válida e só a lei válida e que esteja em vigor deve ser observada pelos cidadãos e operadores de Direito.[42] Como afirma Enrique Bacigalupo, “la validez de los textos y de las interpretaciones de los mismos dependerá de su compatibilidad con principios superiores. De esta manera, la interpretación de la ley penal depende de la interpretación de la Constitución.”[43]
A propósito, Ferrajoli: “Para que una norma exista o esté en vigor es suficiente que satisfaga las condiciones de validez formal, condiciones que hacen referencia a las formas y los procedimientos de acto normativo, así como a la competência del órgano de que emana. Para que sea válida se necesita por el contrario que satisfaga también las condiciones de validez sustancial, que se refieren a su contenido, o sea, a su significado.” Para o autor, “las condiciones sustanciales de la validez, y de manera especial las de la validez constitucional, consisten normalmente en el respeto de valores – como la igualdad, la libertad, las garantias de los derechos de los ciudadanos.”[44] (Grifos no original).
Segundo o jornal Folha de São Paulo, edição on line do dia 07 de agosto de 2008, “o número de denúncias de agressões a mulheres no país mais do que dobrou no comparativo do primeiro semestre deste ano em relação a igual período de 2007. Números apresentados nesta quinta-feira pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres com base no número de serviço 180 --a central de atendimento à mulher-- apontam que de janeiro a junho de 2008 foram feitos 121.891 contra 58.417 em igual período de 2007, num incremento de 107,9%. A lei Maria da Penha, que pune com mais rigidez os agressores de mulheres, completa dois anos hoje. Os dados mostram ainda um crescimento quase três vezes e meio superior na quantidade de pessoas que pretendem se informar sobre a lei. Enquanto no primeiro semestre do ano passado 11.020 ligações foram atendidas com o intuito de prestar esclarecimentos sobre a lei, no primeiro semestre de 2008 os atendimentos foram de 49.025. Distrito Federal, São Paulo, Pará e Goiás lideram o ranking das denúncias. Na outra ponta estão Acre, Maranhão e Amazonas. O levantamento mostra que 61,5% das mulheres informaram sofrer agressões diariamente e outras 17,8% são alvo toda semana de destratos. A maior parte das agressões (63,9%) são praticadas pelos próprios companheiros. Em 58,4% dos casos relatados, os agressores estavam bêbados ou eram usuários de drogas. Segundo a subsecretária Aparecida Gonçalves, da área de Enfrentamento à Violência da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, a maior incidência de denúncias na região Centro-Oeste do país se deve ao que ela considera um maior nível de informação a respeito da legislação que estabelece maior rigor nas punições aos agressores de mulheres. Isso relativiza o fato de Estados do extremo do país apareçam nas últimas colocações. "A cada ano temos uma maior divulgação da lei, e a medida que ela passa a ter uma maior efetividade, isso reflete nas denúncias. Só as respostas efetivas aos casos de agressões virão a fortalecer esses números", afirma Gonçalves. Apesar de a maior parcela das agressões ser cometida quando o parceiro está drogado ou bêbado, ela afirma que a questão é cultural. "Se fosse só a agressão em si, ele [agressor] bateria num amigo do bar, não na mulher, ao chegar em casa", afirma. Durante cerimônia ocorrida no Palácio do Planalto, foram mostrados também os resultados de uma pesquisa a respeito da lei Maria da Penha. A pesquisa Ibope/Themis (Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero) --esta última uma ONG gaúcha-- revelou que 68% da população brasileira já ouviu falar da lei. Outros 82% conhecem a sua eficácia. A consulta foi realizada entre os dias 17 e 21 de julho, com 2.002 entrevistados em 142 municípios brasileiros. A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou para menos. A pesquisa mostra que 32% não conhece e nem ouviu falar da lei. Um quinto dos pesquisados (20%) respondeu acreditar que a lei Maria da Penha coloca o agressor na cadeia e 33% afirmaram que ela inibe a violência doméstica. Após ser agredida, segundo os respondentes, 38% das mulheres procuram as delegacias especializadas de atendimento à mulher e 19% outras delegacias. Para 42% dos entrevistados, as mulheres não procuram serviço de apoio.”
A título de conclusão, e para refletirmos, oportuna também a transcrição da lição de Roberta Toledo Campos:
“O homem exalta a violência. Virou o grande monstro que ameaça a família. O povo grita por socorro. E o Estado, num ato salvacionista, edita a Lei Maria da Penha. Lógico! Como é inadimplente na implementação dos direitos fundamentais, como educação, saúde, moradia, cultura, emprego etc., e, assim, gerador de muitas das mazelas humanas, faz uso de uma de suas atribuições a mais viável economicamente: o processo legislativo e o sistema penal. Ao criar leis, o Estado transmite ao povo carente de direitos fundamentais a sensação de dever cumprido, já que as leis entram em vigor imediatamente e induzem a ilusão de que agora temos leis fortes, que não deixam mais brechas para a impunidade. (...) Não nos escapa que é momento de refletir sobre a crise da masculinidade e da feminilidade. Há dúvida de que a natureza determina de modo tão sumário a diferença entre masculino e feminino. Homem, mulher, masculino e feminino são construções. Efetivamente, muitos de nós criticamos o modelo masculino ou feminino sob o qual fomos criados. Já se sabe atualmente que é possível ser homem sem ser macho e opressor. O desmoronamento dos modelos tradicionais de gênero é mais uma possibilidade do que uma perda. É a possibilidade de mudança. E é esta crise que nos leva à auto-reflexão para a construção de um novo ser humano. Ser humano este não determinado por sua biologia, mas capaz de encontrar livremente a sua própria identidade, o seu ser, tomando o cuidado para não cometer o erro de supor a possibilidade de uma nova síntese, de uma nova identidade estereotipada. (...) Não é possível diante da principiologia democrática constitucionalizada estabelecer modelos de identidade masculina ou feminina. Estereotipar a identidade em masculino e feminino é, no mínimo, discriminatório. Falar em encontrar uma nova identidade masculina ou feminina é um equívoco. É possível apenas refletir sobre a construção da nova identidade do sujeito constitucional no atual Estado Democrático de Direito.”[45]
[1] Janaína Paschoal, “Mulher e Direito Penal”, Coordenadores: Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal, Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 3.
[2] Sobre o assunto, além de vários artigos já publicados na internet, indicamos: “Comentários à Lei de Violência Doméstica e Familiar contra Mulher”, obra coletiva publicada pela Editora Lumen Juris (2008) e organizada por Adriana Ramos de Mello; “Violência Doméstica”, de Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007; “Violência Doméstica”, de Stela Valéria Soares de Farias Cavalcanti, Salvador: Editora JusPodivm, 2007 e “Estudos sobre as novas leis de violência doméstica contra a mulher e de tóxicos”, obra coletiva coordenada por André Guilherme Tavares de Freitas, Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007.
[3] “O declínio primitivo e que deu azo ao presente conflito afirmou não se tratar de violência de gênero, uma vez que as envolvidas são do sexo feminino. Na esteira do vem decidindo o STJ, o sujeito passivo da violência doméstica, objeto da Lei 11.340/06 é a mulher, sendo certo que o sujeito ativo pode ser tanto o homem quanto a mulher, desde que fique caracterizado o vínculo de relação doméstica, familiar ou de afetividade, o que restou cabalmente demonstrado neste autos, de onde exsurge a hipótese contemplada no inciso II, do art. 5º, da Lei da regência. Ademais a condição peculiar da mulher (vítima) prevista no art. 4º, da Lei Especial, está perfeitamente delineada com o fim social a que se destina a legislação em comento. A Lei Maria da Penha é um exemplo de implementação para a tutela do gênero feminino, justificando-se pela situação de vulnerabilidade e hipossuficiência em que se encontram as mulheres vítimas da violência doméstica e familiar” (TJRJ – 8ª C. CC 2009.055.00401 – rel. Gilmar Augusto Teixeira – j.30.09.2009).
[4] “Lesão corporal cometido por sogra à nora. I – Conflito suscitado no juízo criminal comum em face de Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher da Comarca da Capital, para julgamento de delito praticado na vigência da Lei 11.340/06. II – O artigo 129, § 9º do Código Penal é aplicável às hipóteses de violência doméstica, nas quais a lesão corporal é praticada contra pessoas que integram estrutura familiar, in casu sogra e nora, ligadas, portanto, por laços de afinidade, não importando se entre pessoas do mesmo sexo, amoldando-se os fatos, em consequência, ao disposto 5º e 14 da Lei 11.340/06. Conflito Procedente” (TJRJ – 2ª C. CC 2009.055.00320 – rel. Kátia Jangutta – j.03.09.2009).
[5] O namoro é uma relação íntima de afeto sujeita à aplicação da Lei 11.340/06. Quando a agressão é praticada em decorrência dessa relação, o Ministério Público pode requerer medidas para proteger a vítima e seus familiares. O entendimento é da 6ª. Turma do Superior Tribunal de Justiça e foi firmado no julgamento do pedido de Habeas Corpus de um agressor que tentava suspender a proibição de chegar a menos de 50 metros da ex-namorada e do filho dela. A restrição foi imposta pela Justiça do Rio Grande do Sul em ação proposta pelo Ministério Público com base na Lei Maria da Penha. A defesa do agressor alegou a inconstitucionalidade da lei por privilegiar a mulher em detrimento do homem, a ilegitimidade do Ministério Público e disse que não havia relação doméstica entre o casal, pois namoraram por pouco tempo, sem a intenção de constituir família. De acordo com o inquérito policial, a vítima trabalhava com o agressor e os dois namoraram por quatro anos. Após o término do relacionamento, o agressor passou a espalhar panfletos difamatórios contra a ex-namorada, pichou o muro de sua residência e é suspeito de ter provocado um incêndio na garagem da casa dela. Seguindo o voto da relatora no STJ, desembargadora convocada Jane Silva, a 6ª Turma negou o pedido. Para a relatora, um namoro de quatro anos configura, para os efeitos da Lei Maria da Penha, relação doméstica ou de família, não simplesmente pela duração, mas porque o namoro é um relacionamento íntimo. A própria lei afasta a necessidade de coabitação para caracterizar a relação íntima de afeto. Assim, o Ministério Público tem legitimidade para propor medidas de proteção. A decisão ressalta ainda que declarar a constitucionalidade ou não da lei é atribuição do Supremo Tribunal Federal. A relatora ainda esclareceu que a 3ª Seção do STJ, no julgamento dos conflitos de competência 91.980 e 94.447, não decidiu se a relação de namoro é ou não alcançada pela Lei Maria da Penha. O entendimento da Corte Superior naqueles casos específicos foi de que a violência praticada contra a mulher não decorria da relação de namoro. De acordo com Jane Silva, quando há a comprovação de que a violência praticada contra a mulher, vítima de violência doméstica por sua vulnerabilidade e hipossuficiência, decorre do namoro e que esta relação, independentemente de coabitação, pode ser considerada íntima, aplica-se a Lei Maria da Penha. (HC 92.875).
[6] Aprovada pela Organização das Nações Unidas em 1979 e ratificada pelo Brasil em 1984.
[7] Firmada em 1994 na cidade brasileira de Belém do Pará, adotada pela Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos em 6 de junho de 1994 e ratificada pelo Brasil em 27 de novembro de 1995.
[8] Pedagogia da Autonomia, São Paulo: Paz e Terra, 35ª. ed., 2007, p. 28.
[9] Como se sabe, a antijuridicidade de um comportamento é composta pelo chamado desvalor da ação e pelo desvalor do resultado; o primeiro, segundo Cezar Roberto Bitencourt, é a “forma ou modalidade de concretizar a ofensa”, enquanto que o segundo é “a lesão ou exposição a perigo do bem ou interesse juridicamente protegido.” Este mesmo autor, citando agora Jescheck, ensina que modernamente a “antijuridicidade do fato não se esgota na desaprovação do resultado, mas que ‘a forma de produção’ desse resultado, juridicamente desaprovado, também deve ser incluído no juízo de desvalor.” (Teoria Geral do Delito, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 121/124). Segundo Luiz Flávio Gomes, deve-se a Welzel “o enfoque do delito como desvalor da ação (negação de um valor pela ação) mais desvalor do resultado. (...) O delito não é fruto exclusivamente do desvalor do resultado, senão sobretudo (na visão de Welzel) do desvalor da ação, que, no seu sistema, goza de primazia. O desvalor da ação, de qualquer modo, passa a constituir requisito obrigatório de todo delito.” (Estudos de Direito Penal e Processo Penal, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, pp. 220/221). Assim, é inegável que o estudo da antijuridicidade leva à conclusão de que esta se perfaz não apenas com a valoração do resultado como também (e tanto quanto) com o juízo de valor a respeito da ação (ou omissão). Munõz Conde, na sua Teoria Geral do Delito, explica bem esta dicotomia e a imprescindibilidade da conjunção entre estes dois elementos: “Nem toda lesão ou colocação em perigo de um bem jurídico (desvalor do resultado) é antijurídica, mas apenas aquela que deriva de uma ação desaprovada pelo ordenamento jurídico (desvalor da ação).” Em vista dessa percepção, diz o mesmo autor que o Direito Penal “não sanciona toda lesão ou colocação em perigo de um bem jurídico, mas só aquelas que são conseqüências de ações especialmente intoleráveis.” E continua o mestre espanhol: “Ambos os conceitos, desvalor da ação e desvalor do resultado, são igualmente importantes na configuração da antijuridicidade, de vez que estão perfeitamente entrelaçados e são inimagináveis separados (...), contribuindo ambos, no mesmo nível, para constituir a antijuridicidade de um comportamento.”. (...) “O que sucede é que, por razões de política criminal, o legislador na hora de configurar os tipos delitivos pode destacar ou fazer recair acento em um ou em outro tipo de desvalor.” ((Teoria Geral do Delito, Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1988, tradução de Juarez Tavares e Luiz Régis Prado, p. 88/89).
[10] O Princípio da Igualdade no Direito Penal Brasileiro – Uma Abordagem de Gênero, Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2001, p. 174.
[11] Introdução ao Direito Processual Constitucional, Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 46.
[12] Sobre a sucessão das leis processuais no tempo, conferir o nosso “Juizados Especiais Criminais”, Salvador: JusPodivm, 2007, págs. 101 a 107.
[13] Processo Penal Brasileiro, Vol. I, p. 169.
[14] Ação Penal nos Crimes Contra os Costumes, de Geraldo Batista de Siqueira, p. 24.
[15] É cediço que o princípio da proporcionalidade está implícito na Constituição Federal. Os princípios implícitos, como se sabe, “podem ser apreendidos a partir de uma pluralidade, mais ou menos vasta, de normas explícitas, ou ainda ser extraídos não mais de uma pluralidade de disposições, mas de uma única disposição. Isso se dá toda vez que de uma única disposição se extrai, além da norma expressa que constitui seu significado, também uma norma ulterior implícita. Finalmente, restam aqueles princípios totalmente implícitos, que são deduzidos não de uma disposição, mas da ´natureza das coisas`, da ´Constituição material`, do sistema jurídico como um todo, de outros princípios implícitos à sua volta, e assim por diante.” Quanto à proporcionalidade, “sua natureza de princípio jurídico é evidenciada quando, à parte da generalidade e do aspecto vago do que impõe (...), é possível também verificar que se encontra entre as normas superiores do ordenamento jurídico, de nível constitucional, razão pela qual norteia toda a atividade penal, seja no âmbito legislativo, seja na aplicação da lei aos casos concretos.” (Mariângela Gama de Magalhães Gomes, “O Princípio da Proporcionalidade no Direito Penal”, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 58, com grifo nosso).
[16] Apud José Frederico Marques, Elementos de Direito Processual Penal, Campinas: Bookseller, 1998, Vol. I, p. 79.
[17] Elementos de Direito Processual Penal, Vol. I, Campinas: Bookseller, 1998, p. 79.
[18] O Princípio da Proporcionalidade no Direito Penal, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 59.
[19] Apud Mariângela Gama de Magalhães Gomes, “O Princípio da Proporcionalidade no Direito Penal”, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 60.
[20] Obra citada, p. 67.
[21] “Reflexiones sobre el significado del principio constitucional de igualdad”, artigo que compõe a obra coletiva denominada “El Principio de Igualdad”, coordenada por Luis García San Miguel, Madri: Dykinson, 2000, p. 206.
[22] Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, São Paulo: Malheiros, 1999, 3ª. ed., 6ª. tiragem, p. 47.
[23] Valores Constitucionais e Direito Penal, Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1989, p. 117.
[24] Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra: Almedina, 6ª. ed., p. 1.151.
[25] Juizados Especiais Criminais, São Paulo: Atlas, 1997, p. 28.
[26] Juizados Especiais Criminais, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2ª. ed., p. 69.
[27] Juizados Especiais Criminais e Alternativas à Pena de Prisão, Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 3ª. ed., p. 59.
[28] Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - IBCCrim, n.º 57, agosto/1997.
[29] Fernando da Costa Tourinho Filho, Processo Penal, São Paulo: Saraiva, Vol. II, 12ª. ed. p. 503.
[30] “TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS - SEÇÃO CRIMINAL - CONFLITO DE COMPETÊNCIA N. 590-9/194 (200603891424) - Relator: Des. Elcy Santos de Melo - EMENTA: Processual Penal. Conflito negativo de competência. Juizado Especial Criminal. Citação pessoal. Autor do fato não encontrado. Deslocamento da competência. Justiça Comum. Art.66, parágrafo único, da Lei n. 9.099/95. Encontrando-se o autor do fato em local incerto e não sabido e, portanto, inadmissível a sua citação pessoal, correta a postura do juiz do Juizado Especial Criminal em determinar a remessa dos autos para a Justiça Comum, a teor do que determina o art. 66, parágrafo único, da Lei n.9.099/95, ali firmando a sua competência, ainda que presente nos autos o endereço atualizado do acusado ou sendo este encontrado após o deslocamento processual.Conflito provido.” Idem: “TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS - Ementa: Processual Penal. Conflito negativo de jurisdição. Juizado Especial Criminal. Citação pessoal. Paciente não encontrado. Modificação da competência para o juízo comum: artigo 66, parágrafo único, da Lei n. 9.099/95. Conflito procedente. Não localizado o autor do fato delituoso para a citação na forma pessoal perante o juizado especial criminal, dá-se o deslocamento da competência para o juízo criminal comum julgar e processar o feito, nos termos do artigo 66, parágrafo único, da Lei n. 9.099/95. Conflito conhecido e provido. Competência do juiz suscitado.” (Conflito de Competência nº. 520-4/194 - 200400741029 – Rel. Des. Floriano Gomes).
[31] Lei dos Juizados Especiais Criminais (com Geraldo Prado), Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 15.
[32] Teoria Geral do Procedimento e o Procedimento no Processo Penal, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, pp. 67/69.
[33] Luciana Russo, “Devido processo legal e direito ao procedimento adequado”, artigo publicado no jornal “O Estado do Paraná”, na edição do dia 26 de agosto de 2007.
[34] E também dos Juizados Especiais Criminais, cuja competência encontra sede igualmente na Carta Magna.
[35] Repetimos: e também dos Juizados Especiais Criminais.
[36] Idem.
[37] Segundo José Afonso da Silva, entre nós, este “sistema foi originariamente instituído com a Constituição de 1891 que, sob a influência do constitucionalismo norte-americano, acolhera o critério de controle difuso por via de exceção, que perdurou nas constituições sucessivas até a vigente.” (Curso de Direito Constitucional Positivo, São Paulo: Malheiros, 10ª. ed., 1995).
[38] Curso de Direito Constitucional, São Paulo: Saraiva, 17ª. ed., 1989, p. 34.
[39] O recurso nº 2007.023422-4, apresentado pelo Ministério Público Estadual contra decisão do juiz de Itaporã (MS), o qual reconheceu a inconstitucionalidade da Lei nº. 11.340/06, denominada "Lei Maria da Penha", foi julgado pela 2ª. Turma Criminal do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, que manteve a decisão de primeira instância. O Magistrado de primeiro grau alegou que a referida lei "criou discriminação, pois coíbe a violência contra a mulher e não a que porventura exista contra homens". Em sede recursal, na última sessão de julgamentos da 2ª Turma Criminal, ocorrida no dia 19//2007, o relator do processo, Desembargador Romero Osme Dias Lopes, já havia manifestado seu voto, mantendo a decisão do juiz singular e sustentando que a "Lei Maria da Penha" desrespeita os objetivos da República Federativa do Brasil, pois fere os princípios da proporcionalidade e da igualdade. Na seqüência, o Desembargador Carlos Eduardo Contar pediu vista dos autos para melhor embasar seu voto e, assim, a sessão foi adiada. Na pauta de julgamentos desta quarta-feira (26/9/2007), Des. Contar apresentou seu voto, acompanhando o relator; mantendo a decisão de primeiro grau; negando, portanto, provimento ao recurso do Ministério Público; e, também, reconhecendo, neste caso específico, a inconstitucionalidade da Lei nº 11.340/06, "Lei Maria da Penha". O Des. Contar, em seu voto, reafirma os direitos fundamentais garantidos, igualmente, aos homens e às mulheres, e que qualquer medida protetiva de cunho infraconstitucional configura-se em afronta à isonomia entre os gêneros prevista na Constituição. "(...) Quando a Carta Magna, dentre o rol de direitos fundamentais, consagrou igualdade entre homem e mulher, estabeleceu uma isonomia plena entre os gêneros masculino e feminino, de modo que a legislação infraconstitucional não pode - sob qualquer pretexto - promover discriminação entre os sexos, em se tratando de direitos fundamentais, eis que estes já lhes são igualmente assegurados", afirmou o Desembargador. Assim, ao concluir seu voto, Des. Contar sustenta que a "Lei Maria da Penha" "viola o direito fundamental à igualdade entre homens e mulheres", razão pela qual reconhece, para este caso concreto, a inconstitucionalidade da referida norma jurídica. O desembargador Claudionor Miguel Abss Duarte também votou como o relator, de modo que a decisão da 2ª Turma Criminal do TJMS foi unânime. Fonte: Secretaria de Comunicação Social do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul.
[40] STJ, Rel. Min. ADEMAR MACIEL, DJU 3.4.95, p.8.149.
[41] Lições Preliminares de Direito, São Paulo: Saraiva, 19ª. ed., 1991, p. 114.
[42] Como ensina Gilberto Thums, “não basta que existam leis com vigência, é necessário que sejam válidas e somente possuem validade as leis que se harmonizam com os princípios fundamentais da Constituição. (...) Portanto, todas as normas infraconstitucionais que não correspondem, quanto ao seu conteúdo, aos princípios constitucionais, embora formalmente vigentes (validade formal), seriam materialmente inconstitucionais, podendo o juiz negar sua aplicação.” (Sistemas Processuais Penais, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 172, com grifo nosso).
[43] “Principios Constitucionales de Derecho Penal”, Buenos Aires: Editorial Hamurabi, 1999, p. 232.
[44] Derecho y Razón – Teoria del Garantismo Penal, Madri: Editorial Trotta S.A., 3ª. ed., 1998, p. 874.
[45] CAMPOS, Roberta Toledo. Aspectos constitucionais e penais significativos da Lei Maria da Penha. Disponível na internet www.ibccrim.org.br 04.09.2007.
Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor de Direito Processual Penal da UNIFACS. Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela UNIFACS.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MOREIRA, Rômulo de Andrade. O Supremo Tribunal Federal, a lesão corporal leve, e a retratação da vítima (oportuno tempore) como causa de impedimento para o exercício da ação penal pública Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 ago 2014, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/1876/o-supremo-tribunal-federal-a-lesao-corporal-leve-e-a-retratacao-da-vitima-oportuno-tempore-como-causa-de-impedimento-para-o-exercicio-da-acao-penal-publica. Acesso em: 28 nov 2024.
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