Pedido de vista do ministro Luís Roberto Barroso suspendeu o julgamento do agravo regimental interposto contra decisão do Ministro Ayres Britto na Petição nº. 3240, na qual foi determinada a baixa para a primeira instância de uma ação por improbidade administrativa contra um parlamentar federal, por suposto delito cometido quando era Ministro de Estado. Único a votar, o atual relator do processo, Ministro Teori Zavascki, manifestou-se no sentido da competência do Supremo Tribunal Federal para julgar o caso. No agravo, a defesa sustenta que existem decisões do Supremo Tribunal Federal no sentido de que os agentes políticos, por estarem regidos por normas especiais de responsabilidade, não respondem por improbidade administrativa com base na Lei nº. 8.429/1992, mas apenas por crime de responsabilidade. De acordo com o relator, o Supremo Tribunal Federal ainda não tem posição firmada sobre o tema, que na verdade envolve duas questões: a possibilidade de submissão de determinados agentes públicos ao duplo regime sancionatório – com relação aos dispositivos e normas que tratam dos atos de improbidade administrativa (Lei nº. 8.429/1992) e dos crimes de responsabilidade (Lei nº. 10.079/1950) –, e a existência de prerrogativa de foro para atos de improbidade administrativa.
Sobre o duplo regime, o Ministro revelou que a única alusão a ato de improbidade como crime de responsabilidade é o art. 85, V da Constituição Federal, que trata dos atos de improbidade praticados pelo presidente da República. Só nesse caso, no âmbito material, haveria concorrência de regimes, entre o que dispõe o artigo 37, parágrafo 4º., da Constituição e o art. 85, V, também da Carta da República. Para o Ministro, exceto nesses casos de atos de improbidade administrativa cometidos pelo Presidente da República, que prevê regime especial, não há na Constituição Federal qualquer dispositivo que imunize os agentes políticos, sujeitos a crime de responsabilidade, a qualquer das sanções previstas para atos de improbidade. Quanto à prerrogativa, Teori Zavascki disse entender que a solução prevista para o problema seria reconhecer para as ações de improbidade a prerrogativa de foro assegurada para as ações penais, da mesma forma como se entende competir ao STF julgar ação de improbidade contra seus próprios membros. Esta solução respeita o sistema de competências estabelecido na Constituição. Para o ministro, não se pode permitir a um juiz de primeira instância processar um ministro do Supremo, ou um agente público de relevo nacional, principalmente se a decisão puder acarretar a perda do cargo.
Além disso, o Ministro disse entender que o ato de improbidade, embora não tenha natureza penal, mantém laços fortes com a seara criminal. Segundo ele, são semelhantes as consequências das reprimendas, sendo que somente a pena privativa de liberdade é característica da ação penal. No mais, as consequências são iguais, garantiu. Mesmo se dizendo não favorável ao regime extensivo de prerrogativa de foro previsto na Constituição, o ministro frisou que, sob o ponto de vista constitucional, é legítima a preservação da prerrogativa de foro para as ações de improbidade administrativa. Não há base para excluir da aplicação das sanções por improbidade os ministros de Estado, concluiu o Ministro. Assim, o Ministro Teori Zavascki votou no sentido de dar provimento ao agravo para reconhecer a competência do Supremo para processar e julgar ação de improbidade contra o requerido, hoje deputado federal, por atos praticados quando era ministro de Estado, determinando o desmembramento quanto aos demais processados, que não detêm prerrogativa.
Pois bem.
Não me parece despiciendo relembrar que os atos de improbidade administrativa não são ilícitos penais, mas infrações de outra natureza (civil, administrativa e política).
Maria Sylvia Zanella di Pietro esclarece que “a natureza das medidas previstas no dispositivo constitucional está a indicar que a improbidade administrativa, embora possa ter conseqüência na esfera criminal, com a concomitante instauração de processo criminal (se for o caso) e na esfera administrativa (com a perda da função pública e a instauração de processo administrativo concomitante) caracteriza um ilícito de natureza civil e política, porque pode implicar a suspensão dos direitos políticos, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento dos danos causados ao erário.”[1]
Aliás, o art. 37, § 4º. da Constituição Federal é expresso no sentido de que “os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível” (grifo nosso). O próprio texto constitucional nitidamente faz a distinção.
Observa-se que o conceito de infração penal (crime e contravenção) é dado pela Lei de Introdução ao Código Penal que define crime como sendo “a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.” (art. 1o. do Decreto-Lei n. 3.914/41).
Estas definições, por se encontrarem na Lei de Introdução ao Código Penal, evidentemente regem e são válidas para todo o sistema jurídico–penal brasileiro, ou seja, do ponto de vista do nosso Direito Positivo quando se quer saber o que seja crime ou contravenção, deve-se ler o disposto no art. 1º. da Lei de Introdução ao Código Penal. O mestre Hungria já se perguntava e ele próprio respondia: “Como se pode, então, identificar o crime ou a contravenção, quando se trate de ilícito penal encontradiço em legislação esparsa, isto é, não contemplado no Código Penal (reservado aos crimes) ou na Lei das Contravenções Penais? O critério prático adotado pelo legislador brasileiro é o da distinctio delictorum ex poena (segundo o sistema dos direitos francês e italiano): a reclusão e a detenção são as penas privativas de liberdade correspondentes ao crime, e a prisão simples a correspondente à contravenção, enquanto a pena de multa não é jamais cominada isoladamente ao crime.”[2]
Por sua vez, Tourinho Filho afirma: “Não cremos, data venia, que o art. 1º. da Lei de Introdução ao Código Penal seja uma lex specialis. Trata-se, no nosso entendimento, de regra elucidativa sobre o critério adotado pelo sistema jurídico brasileiro e que tem sido preferido pelas mais avançadas legislações; (...) Veja-se, no particular, Marcelo Jardim Linhares, Contravenções penais, Saraiva, 1980, v. 3, p. 781: ´Assim, quando a infração eleitoral é apenada com multa, estamos em face de uma contravenção´.”[3] Manoel Carlos da Costa Leite afirma que “no Direito brasileiro, as penas cominadas separam as duas espécies de infração. Pena de reclusão ou detenção: crime. Pena de prisão simples ou de multa ou ambas cumulativamente: contravenção.”[4]
Eis outro ensinamento doutrinário: “Como é sabido, o Brasil adotou o sistema dicotômico de distinção das infrações penais, ou seja, dividem-se elas em crimes e contravenções penais. No Direito pátrio o método diferenciador das duas categorias de infrações é o normativo e não o ontológico, valendo dizer, não se questiona a essência da infração ou a quantidade da sanção cominada, mas sim a espécie de punição.”[5] Luiz Flávio Gomes afirma: “Por força do art. 1o. da Lei de Introdução ao Código Penal, infração punida tão-somente com multa é contravenção penal (não delito).”[6]
Vê-se, às escâncaras, que aqueles tipos elencados na Lei de Improbidade Administrativa, decididamente, não são infrações penais, mas infrações político-administrativas. Logo, sequer sistematicamente seria cabível delas tratar em sede processual penal.
Com efeito, e ainda segundo a lição de Luiz Flávio Gomes, “a competência por prerrogativa de função versa exclusivamente sobre atividades criminais. Não se estende à investigação de natureza civil.”[7]
Mutatis mutandis, veja-se as ações diretas de inconstitucionalidade propostas Confederação Nacional do Ministério Público e pela Associação Nacional dos Magistrados (respectivamente, nºs. 2797 e 2860).
Também anteriormente, a Ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, declarou na sessão do dia 13 de março de 2014, a atribuição do Ministério Público da Paraíba para investigar suposto ato de improbidade administrativa praticado pelo Governador do Estado, e propor eventuais medidas contra os gestores públicos responsáveis. A decisão foi tomada nos autos da Ação Cível Originária nº 2356, ajuizada pelo Ministério Público Federal. Segundo a Ministra Cármen Lúcia, o STF já decidiu que não existe foro por prerrogativa de função em ações de improbidade administrativa. “Ao julgar as Ações Diretas de Inconstitucionalidade 2797 e 2860, da relatoria do ministro Sepúlveda Pertence [aposentado], o Plenário deste Supremo Tribunal declarou inconstitucionais os parágrafos 1º e 2º do artigo 84 do Código de Processo Penal, alterados pela Lei 10.628/2002, concluindo-se pela natureza cível da ação de improbidade administrativa”, afirmou. A relatora reforçou que a circunstância de o investigado ocupar, atualmente, o cargo de governador não determina automaticamente a competência do STJ para julgamento de ação de improbidade. “A competência instituída na alínea ‘a’ do inciso I do artigo 105 da Constituição da República para processar e julgar originariamente os governadores respeita aos crimes comuns e aos de responsabilidade”, salientou. De acordo com a ministra Cármen Lúcia, a ação de improbidade é de natureza cível e, ainda que ao final das investigações possam ser encontradas provas de eventual ilícito, nesse momento processual não há dados suficientes a conduzirem a conclusão que supere a atribuição proposta, que é voltada a indícios tidos como de improbidade administrativa.
Também ela julgou procedentes duas Reclamações (nºs. 13998 e 13999) ajuizadas pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro contra decisões do Tribunal de Justiça do Estado que anularam atos processuais do juízo de primeiro grau e determinaram que duas ações de improbidade movidas contra o Prefeito do Rio de Janeiro. Com isso, foram cassadas decisões proferidas pela 20ª Câmara Cível da corte estadual. A Ministra acolheu a argumentação do MP-RJ de que, ao atrair para si a competência para julgar ação de improbidade contra o prefeito, o TJ-RJ teria desrespeitado a autoridade das decisões proferidas pelo STF nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade nºs. 2797 e 2860. Nos dois casos, o Supremo invalidou normas que pretendiam equiparar a ação por improbidade administrativa, de natureza civil, à ação penal, estendendo a esses casos o foro por prerrogativa de função. “A inviabilidade jurídica dessa pretensão tem sido realçada em inúmeros precedentes do Supremo”, assinalou a relatora, citando diversas decisões no mesmo sentido. Nos dois casos, a ministra já havia deferido medidas liminares para suspender os efeitos das decisões do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e o processamento das ações civis por improbidade. As duas reclamações consideradas procedentes assinalam que as decisões proferidas em ações de controle abstrato produzem efeitos erga omnes e vinculam os demais órgãos do Poder Judiciário e a administração pública direta e indireta (art. 102, parágrafo 2º., da Constituição Federal).
Igualmente, a Ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal negou seguimento à Reclamação 18603, ajuizada por uma parlamentar federal contra decisão do juízo da 6ª. Vara Cível da Comarca de Macapá. O parlamentar alegou que a competência para julgar a ação de improbidade administrativa contra ele seria do Supremo Tribunal Federal, em razão da prerrogativa de foro que detém. Em sua decisão, a Ministra Cármen Lúcia destacou que no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 2797, o Plenário declarou a inconstitucionalidade da Lei nº. 10.628/2002 – que equiparava a ação por improbidade administrativa, de natureza cível, à ação penal e estendia aos casos daquela espécie de ação o foro por prerrogativa de função. “Na espécie, não se demonstra a alegada usurpação, pois a ação de improbidade administrativa, pela natureza não penal, não se inclui na competência do Supremo Tribunal Federal, mesmo quando ajuizada contra autoridade com foro específico neste órgão, incluído o parlamentar federal”, afirmou a Ministra.
Anteriormente, na sessão do dia 12 de dezembro de 2013, o Supremo Tribunal Federal voltou a discutir este assunto tormentoso: quem tem competência para processar e julgar uma ação civil pública por improbidade administrativa quando o agente da infração político-administrativa exerce uma função que lhe dá prerrogativa na área criminal.
Pergunta-se: a prerrogativa de função, própria e ínsita às causas criminais, também importaria na mesma prerrogativa em causas cíveis, especialmente aquelas relativas a ações cíveis públicas por atos de improbidade administrativa praticados por Prefeitos, Parlamentares estaduais e federais, Secretários de Estado, Governadores, Presidente da República, etc.?
Esta questão, ainda sem uma solução definitiva pela Suprema Corte, já foi por ela enfrentada, prevalecendo até então a tese de que, efetivamente, a ele (Supremo) não cabe esta tarefa, nem a nenhum outro tribunal (originariamente), ou seja, a ação civil deve tramitar em primeiro grau, ainda que o réu exerça uma daquelas funções que lhe imponha constitucionalmente ser julgado criminalmente por um tribunal.
Com efeito, no julgamento da Reclamação nº. 15831, o Ministro Marco Aurélio manteve o andamento de uma ação civil pública por ato de improbidade administrativa em que um Senador estava sendo acusado de utilizar a segurança pública de um Estado da Federação para atender a interesses particulares. O Ministro Marco Aurélio negou o pedido de liminar ao explicar que os limites da atuação do Supremo Tribunal Federal estão definidos na Constituição Federal. Com relação a Senadores e Deputados Federais, a Constituição fixa a prerrogativa de foro no caso de processos por infração penal comum: “Descabe potencializar a matéria de fundo quanto à possibilidade de agente político ser submetido aos rigores da Lei 8.429/92 e, a partir daí, suscitar a competência do Supremo para a ação civil pública”.
Em outro julgamento, a Ministra Cármen Lúcia também indeferiu liminar requerida por um Deputado Federal, agora na Reclamação nº. 15825, na qual contesta a tramitação, no Juízo de piso, da ação civil por ato de improbidade administrativa. Em análise preliminar, a Ministra afirmou que no caso “não se demonstra haver a usurpação alegada”, pois, de acordo com ela, a ação de improbidade administrativa, em razão de sua natureza não penal, não se inclui na competência da Suprema Corte, mesmo quando ajuizada contra autoridade que tenha foro específico neste órgão, aí incluído o parlamentar federal. O artigo 102, inciso I, da Constituição Federal enumera as causas que cabe ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar originariamente. Já o inciso II do mesmo artigo especifica os processos que a Corte Constitucional deve julgar, em grau de recurso ordinário. Em sua decisão, a Ministra Cármen Lúcia cita precedente (ADI 2797) do Plenário no qual os Ministros declararam a inconstitucionalidade da Lei nº. 10.628/2002, que equiparava a ação por improbidade administrativa, de natureza cível, à ação penal, e estendia aos casos daquela espécie de ação o foro por prerrogativa de função. Esta lei alterava o artigo 84 do Código de Processo Penal. A Ministra indeferiu a liminar, “sem prejuízo da reapreciação da matéria no julgamento do mérito”.
No mesmo sentido, o Ministro Ricardo Lewandowski devolveu à vara de origem os autos de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público daquele estado contra seis servidores públicos, por improbidade administrativa. O Juiz de primeiro grau se julgou incompetente para julgar o feito, porque à época em que foi iniciado, um dos réus, um ex-senador (também ex-ministro dos Transportes e ex-prefeito de Manaus) tinha foro por prerrogativa da função, ou seja, o direito de ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal, por ser parlamentar. A decisão foi tomada na apreciação da Petição nº. 4497. Ao devolver o processo ao juízo de origem, o Ministro Ricardo Lewandowski lembrou que “entendimento recente do Supremo Tribunal Federal consigna a competência do Juízo de 1º grau para processar e julgar os casos de improbidade administrativa, eis que se trata de questão diversa do crime de responsabilidade, disciplinado pelo Decreto-lei 201/67”. Nesse sentido, o Ministro citou o julgamento, pelo Plenário, da PET 3923, relatada pelo Ministro Joaquim Barbosa. Naquele julgamento, a Corte entendeu que as condutas descritas na lei de improbidade administrativa, quando imputadas a autoridades detentoras de prerrogativa de foro, não se convertem em crimes de responsabilidade.
Outra ação civil pública por improbidade administrativa, esta contra um Ministro dos Transportes, foi devolvida para a primeira instância, também por decisão do Ministro Ricardo Lewandowski. O processo, autuado na Corte como Petição nº 4498, foi encaminhado ao Supremo pelo juiz da vara, que levou em consideração a existência de prerrogativa de foro, uma vez que o Ministro era Senador licenciado pelo Estado do Amazonas. De acordo com o relator, o Supremo é realmente a instância competente para processar e julgar certos agentes políticos – como os integrantes do Congresso Nacional, nos crimes comuns, e ministros de Estado. Mas, segundo o Ministro, a Corte tem mantido o entendimento de que a Constituição não inclui na lista das competências do Supremo o processamento de ações por improbidade administrativa, mesmo havendo prerrogativa de foro, uma vez que estas não são de natureza criminal.
Também no julgamento da Petição nº. 4553 o Ministro do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello determinou o arquivamento da ação lembrando que não cabe à Corte processar e julgar, originariamente, ação de reparação civil proposta contra o Presidente da República, uma vez que a prerrogativa de foro para o cargo só abrange infrações penais. Em outra sessão, o Ministro Menezes Direito determinou a devolução ao Juízo de primeiro grau os autos de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul contra um Deputado Federal; a decisão foi tomada pelo na Petição nº. 4520. Ao decidir, o Ministro Menezes Direito reportou-se a parecer do Procurador-Geral da República pela devolução dos autos à vara de origem. Ele alegou que se trata de ação civil pública por ato de improbidade administrativa e que afetar o caso ao Supremo seria ampliar a competência da Suprema Corte por uma lei ordinária (o que não é possível, tendo em vista que a competência é estabelecida na Constituição Federal). Nesse sentido, ele se reportou ao julgamento da ADI 2797 e da Reclamação 5126.
A questão voltou a ser discutida pela Suprema Corte no julgamento de um agravo regimental na Petição nº. 3067, de relatoria do Ministro Roberto Barroso, que foi suspenso neste dia 12 de dezembro por um pedido de vista do Ministro Teori Zavascki. No processo, o réu pede que ação civil pública por improbidade contra ele e outros acusados tramite no Supremo Tribunal Federal em razão do envolvimento de parlamentares federais. O Ministro Barroso manteve o entendimento do relator original do processo, Ministro Ayres Britto e negou provimento ao agravo por considerar que, no julgamento de ação civil pública por improbidade, não existe foro por prerrogativa de função. A ação civil pública por improbidade tramita atualmente na Justiça estadual em Minas Gerais.
Reputamos absolutamente pertinentes as decisões supratranscritas e, oxalá, sejam confirmadas quando do julgamento do mérito dos respectivos processos.
Como se sabe, um dos critérios determinadores da competência estabelecidos em nosso Código de Processo Penal é exatamente o da prerrogativa de função, conforme está estabelecido nos seus arts. 69, VII, 84, 85, 86 e 87. Evidentemente que estas disposições contidas no código processual têm que ser cotejadas com as normas constitucionais (seja pela Constituição Federal, seja pelas Constituições dos Estados) e pela jurisprudência, especialmente a do Supremo Tribunal Federal.
Desde logo, observa-se que a competência por prerrogativa de função é estabelecida, não em razão da pessoa, mas em virtude do cargo ou da função[8] que ela exerce, razão pela qual não fere qualquer princípio constitucional, como o da igualdade (art. 5º., caput) ou o que proíbe os juízos ou tribunais de exceção (art. 5º., XXXVII). Aqui, ninguém é julgado em razão do que é, mas tendo em vista a função que exerce na sociedade. Como diz Tourinho Filho, enquanto “o privilégio decorre de benefício à pessoa, a prerrogativa envolve a função. Quando a Constituição proíbe o ‘foro privilegiado’, ela está vedando o privilégio em razão das qualidades pessoais, atributos de nascimento... Não é pelo fato de alguém ser filho ou neto de Barão que deva ser julgado por um juízo especial, como acontece na Espanha, em que se leva em conta, muitas vezes, a posição social do agente.”[9] Efetivamente, a Constituição espanhola estabelece expressamente que “la persona del Rey es inviolable y no está sujeta a responsabilidad.” (art. 56-3).
Niceto Alcala-Zamora y Castillo e Ricardo Leveve explicam que “cuando esas leyes o esos enjuiciamentos se instauran no en atención a la persona en si, sino al cargo o función que desempene, pueden satisfacer una doble finalidad de justicia: poner a los enjuiciables amparados por el privilegio a cubierto de persecuciones deducidas a la ligera o impulsadas por móviles bastardos, y, a la par, rodear de especiales garantias su juzgamiento, para protegerlo contra las presiones que los supuestos responsables pudiesen ejercer sobre los órganos jurisdiccionales ordinarios. No se trata, pues, de un privilegio odioso, sino de una elemental precaución para amparar a un tiempo al justiciable y la justicia: si en manos de cualquiera estuviese llevar las más altas magistraturas, sin cortapisa alguna, ante los peldaños inferiores de la organización judicial, colocándolas, de momento al menos, en una situación desairada y difícil, bien cabe imaginar el partido que de esa facilidad excesiva sacarían las malas pasiones.”[10]
Neste sentido, é pacífico o entendimento do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. Por exemplo, no julgamento do Habeas Corpus nº. 91437 o Supremo Tribunal Federal lembrou a lição do Ministro Victor Nunes Leal de que “a jurisdição especial, como prerrogativa de certas funções públicas, é realmente instituída, não no interesse pessoal do ocupante do cargo, mas no interesse público do seu bom exercício, isto é, do seu exercício com alto grau de independência que resulta da certeza de que seus atos venham a ser julgados com plenas garantias e completa imparcialidade. Presume o legislador que os tribunais de maior categoria tenham mais isenção para julgar os ocupantes de determinadas funções públicas, por sua capacidade de resistir, seja à eventual influência do acusado seja às influências que atuarem contra ele. A presumida independência do tribunal de superior hierarquia é, pois uma garantia bilateral – garantia contra e a favor do acusado”. Também no julgamento da Questão de Ordem levantada no Inquérito nº. 2.010-SP, o Ministro Marco Aurélio salientou que “a prerrogativa de foro não visa beneficiar o cidadão, mas proteger o cargo ocupado.”
Também o Superior Tribunal de Justiça já teve oportunidade de afirmar que “o foro especial por prerrogativa funcional não é privilégio pessoal do seu detentor, mas garantia necessária ao pleno exercício de funções públicas, típicas do Estado Democrático de Direito: é técnica de proteção da pessoa que o detém, em face de dispositivo da Carta Magna, significando que o titular se submete a investigação, processo e julgamento por órgão judicial previamente designado, não se confundindo, de forma alguma, com a idéia de impunidade do agente.” (Habeas Corpus nº. 99.773/RJ – 5ª. Turma - Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho).
Portanto, é natural que exista este critério determinador da competência, pois a pessoa que exerce determinado cargo ou função, evidentemente, deve ser preservada ao responder a um processo criminal, evitando-se, inclusive, ilegítimas injunções políticas que poderiam gerar injustiças e perseguições nos respectivos julgamentos (ao menos em tese, óbvio).
É razoável que um Juiz de Direito, um Deputado Estadual ou um Promotor de Justiça seja julgado pelo Tribunal de Justiça do respectivo Estado, e não por um Magistrado de primeira instância, em razão da “necessidade de resguardar a dignidade e a importância para o Estado de determinados cargos públicos”, na lição de Maria Lúcia Karam. Para ela, não há “propriamente uma prerrogativa, operando o exercício da função decorrente do cargo ocupado pela parte como o fator determinante da atribuição da competência aos órgãos jurisdicionais superiores, não em consideração à pessoa, mas ao cargo ocupado.”[11]
Ocorre que ao apagar das luzes do governo Fernando Henrique Cardoso, foi promulgada a Lei nº. 10.628/02 (publicada no Diário Oficial da União do dia 26 de dezembro do ano de 2002), restaurando em parte a Súmula nº. 394, a partir de uma modificação estabelecida no art. 84 do Código de Processo Penal, acrescentando-lhe dois parágrafos, a saber: “§ 1º. - A competência especial por prerrogativa de função, relativa a atos administrativos do agente, prevalece ainda que o inquérito ou a ação judicial sejam iniciados após a cessação do exercício da função pública. § 2º. - A ação de improbidade, de que trata a Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, será proposta perante o tribunal competente para processar e julgar criminalmente o funcionário ou autoridade na hipótese de prerrogativa de foro em razão do exercício de função pública, observado o disposto no § 1º.”
Se o primeiro dos parágrafos já era um despautério, pois quase uma repristinação do famigerado Enunciado 394 da súmula do Supremo Tribunal Federal (que já havia sido cancelado há alguns anos), o segundo deles (que interessa ao presente trabalho) não fica atrás. Esta lei representou um lamentável retrocesso em nossa ordem jurídica, que havia recebido com entusiasmo o cancelamento do referido Enunciado.
Ademais, ampliando a competência dos Tribunais Superiores, a referida lei incidiu em flagrante inconstitucionalidade, pois “a competência expressa determinada pela Constituição Federal não pode ser ampliada ou estendida, uma vez que o poder constituinte originário assim o pretendia”[12], salvo se o respectivo Tribunal, interpretando ampliativamente a competência estabelecida constitucionalmente, ele próprio o admitir, como ocorreu, verbi gratia, quando da edição da Súmula 394 do Supremo Tribunal Federal.
De toda maneira, ainda que tarde, na sessão plenária realizada no dia 15 de setembro do ano de 2005, por maioria de votos (pasmen!), o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade dos §§ 1º. e 2º. do art. 84 do Código de Processo Penal. O relator, Ministro Sepúlveda Pertence, julgou procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 2797 e 2860) proposta pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público e pela Associação Nacional dos Magistrados. Acompanharam esse voto os Ministros Joaquim Barbosa, Carlos Ayres Britto, Cezar Peluso, Marco Aurélio, Carlos Velloso e Celso de Mello.Os Ministros Eros Grau, Gilmar Mendes e Ellen Gracie divergiram do relator. Depois desta histórica decisão, o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu, por maioria, que decidiu preservar a validade de todos os atos processuais que eventualmente tenham sido praticados em processos de improbidade administrativa e ações penais contra ex-detentores de cargos públicos e de mandatos eletivos, julgados anteriormente, ao abrigo dos parágrafos 1º. e 2º. do artigo 84 do Código de Processo Penal, isto é, no período de vigência da Lei 10.628, que foi de 24 de dezembro de 2002 até 15 de setembro de 2005. A decisão foi tomada no julgamento de recurso de embargos de declaração opostos pelo Procurador-Geral da República em relação à decisão de setembro de 2005, nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 2797. O Ministério Público pediu a modulação dos efeitos da decisão a partir da declaração de inconstitucionalidade da lei, preocupado com a segurança jurídica, pois questionava como ficariam os processos julgados na vigência da lei declarada inconstitucional.
A respeito o Superior Tribunal de Justiça já deixava assentado que “conquanto caiba ao Superior Tribunal de Justiça processar e julgar, nos crimes comuns e nos de responsabilidade, os membros dos Tribunais Regionais do Trabalho (art. 105, I, a), não lhe compete, porém, explicitamente, processá-los e julgá-los por atos de improbidade administrativa. Implicitamente, sequer, admite-se tal competência, porquanto, aqui, trata-se de ação civil, em virtude de investigação de natureza civil. Competência, portanto, de juiz de primeiro grau.”[13]
Naquela referida Ação Direta de Inconstitucionalidade interposta pela Confederação Nacional do Ministério Público ficou também consignado na petição inicial que “o rol de competência dos tribunais é de direito estrito e tem fundamento constitucional trata-se de entendimento reiteradamente proclamado por essa excelsa Corte, como se extrai, a título exemplificativo, da ementa do v. acórdão relativo à Petição 693 AgR/SP, Relator o eminente Ministro Ilmar Galvão, assim redigida: A competência do Supremo Tribunal Federal é de direito estrito e decorre da Constituição, que a restringe aos casos enumerados no art. 102 e incisos. A circunstância de o Presidente da República estar sujeito à jurisdição da Corte, para os feitos criminais e mandados de segurança, não desloca para esta o exercício da competência originária em relação às demais ações propostas contra ato da referida autoridade. Agravo regimental improvido.’ Inúmeros são, também, os julgados desse colendo Supremo Tribunal Federal, relativamente à falta de sua competência originária para processo e julgamento de ação popular contra o Presidente da República, por se tratar de matéria não contemplada no exaustivo rol de competência fixado em sede constitucional.”[14]
Concluindo, observamos que o problema é que no Brasil o número de julgamentos proferidos pelos nossos Tribunais Superiores é muito pouco, o que gera uma sensação de impunidade quando se trata de crimes ou infrações político-administrativas cujos acusados são ocupantes de cargos do alto escalão da República.
[1] Ob. cit., p. 678.
[2] Comentários ao Código Penal, Vol. I, Tomo II, Rio de Janeiro: Forense, 4ª ed., p. 39.
[3] Processo penal, Vol. 4, São Paulo: Saraiva, 20ª. ed., p.p. 212-213.
[4] Manual das Contravenções Penais, São Paulo: Saraiva, 1962, p. 03.
[5] Eduardo Reale Ferrari e Christiano Jorge Santos, “As Infrações Penais Previstas na Lei Pelé”, Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCrim, n. 109, dezembro/2001.
[6] Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCrim, n. 110, janeiro/2002.
[7] Ob. cit., p. 162.
[8] Sobre a distinção entre função, cargo e emprego público conferir Di Pietro, Maria Sylvia Zanella, Direito Administrativo, São Paulo: Atlas, 14a. ed., 2001, pp. 437 a 440.
[9] Processo Penal, Vol. II, Saraiva: São Paulo, 24a. ed., 2002, p. 126.
[10] Derecho Procesal Penal, Tomo I, Buenos Aires: Editorial Guillermo Kraft Ltda., 1945, pp. 222/223.
[11] Competência no Processo Penal, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 3a. ed., 2002, pp. 30/31.
[12] Luiz Flávio Gomes, Juizados Criminais Federais, seus reflexos nos Juizados Estaduais e outros estudos, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 157.
[13] STJ, Reclamação591-SP, Rel. Min. Nilson Naves, DJ 15/05/2000, p. 00112.
[14] A propósito, foi ajuizada no Supremo Tribunal Federal ação na qual é questionada a alteração no regimento interno da Corte que transferiu do Plenário para as Turmas a competência para julgar crimes comuns imputados a deputados federais e senadores. Na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 5175, a Mesa da Câmara dos Deputados pede liminarmente a suspensão de dispositivos da Emenda Regimental 49 de 2014, que introduziu a mudança.A ADI sustenta que houve violação aos princípios da isonomia, uma vez que foram mantidos no Plenário o julgamento de crimes imputados aos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado, promovendo assim uma distinção entre detentores de mandatos do mesmo corpo legislativo. Alega a ação que a emenda regimental teria extravasado a competência normativa do STF.A Mesa da Câmara aponta ainda a existência de violação ao princípio da razoabilidade, uma vez que a distinção se dá em nome da rapidez nos julgamentos. “É desarrazoada a alegação de que, em nome da agilização dos julgamentos da Corte, seja possível promover a desigualação entre membros da Câmara dos Deputados, quando a Constituição Federal no caso em tela sempre dispensou o mesmo tratamento”, diz o pedido.A ação pede a suspensão do artigo 5º, inciso I, do Regimento Interno do STF, segundo a redação dada pela Emenda Regimental 49/2014. No mérito, pede a declaração de inconstitucionalidade com efeitos ex tunc – ou seja, retroativos.O relator da ADI é o ministro Gilmar Mendes.Desde a alteração no Regimento Interno, a Primeira e a Segunda Turma do STF analisaram oito ações penais e 26 inquéritos. Entre as ações penais, em quatro julgamentos os ministros decidiram pela absolvição dos réus e em duas houve condenação de parlamentares. Entretanto, em uma das condenações, após a fixação da pena, foi verificada a prescrição e a outra era o julgamento de recurso de apelação e resultou na confirmação de condenação por instância inferior.Dentre os inquéritos, 15 foram recebidos e convertidos em ações penais e 11 foram rejeitados e arquivados.Antes da Emenda Regimental 49 de 2014, todos os membros do Congresso Nacional tinham suas ações penais e inquéritos analisados pelo Plenário do STF, onde 11 ministros discutem o caso e votam no processo. Após a alteração, somente os presidentes da Câmara e do Senado são julgados pelo Plenário, e os demais parlamentares pelas Turmas, compostas, cada uma, por cinco ministros.Desta forma, com a redação atual do regimento, ao Plenário compete julgar o presidente da República e o vice, os ministros do STF, os presidentes da Câmara e do Senado e o procurador-geral da República. As Turmas podem analisar as ações penais e inquéritos que envolvam deputados federais e senadores que não estejam no exercício da Presidência da respectiva Casa Legislativa, bem como os ministros de Estado, os comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, os membros do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente. Observatório Constitucional. Com,entando estada modificação constitucional, no artifo intitulado "Ampliação das competências das Turmas do STF: risco de “superdosagem”?" Comentando esta modificação regimental, na página do Observatório Constitucional, e no artigo intitulado "Ampliação das competências das Turmas do STF: risco de “superdosagem”?", Marco Túlio Reis Magalhães, afirmou: "O redirecionamento de antigas competências do Plenário para as turmas do Supremo Tribunal Federal tem crescido nos últimos anos. Isso se verifica, inclusive, em relação à mais recente alteração do Regimento Interno do STF (RISTF) — ocorrida com a aprovação da Emenda Regimental 49, de 3 de junho de 2014.Ressalte-se que o RISTF prevê as competências do Plenário nos artigos 5º a 8º, já as competências das turmas concentram-se nos artigos 8º e 9º. Trata-se de órgãos decisórios colegiados da Suprema Corte. O Plenário é composto por 11 ministros, sendo presidido pelo Presidente da Casa, enquanto cada uma das duas Turmas da Corte é composta por cinco ministros e há um rodízio no exercício da presidência desses órgãos. O Presidente do STF, por sua vez, não tem assento em nenhuma das Turmas.Pouco a pouco, o que se verifica é a maior disposição e a aposta dos membros da Corte em adotar medidas que desloquem competências decisórias do Plenário do STF para o âmbito das Turmas da Corte, com a esperança de trazer mais oxigenação, ânimo, disposição e agilidade ao trabalho do Tribunal.Contudo, à semelhança de quando se administra um remédio para combater uma doença ou um distúrbio, é preciso indagar: quais são as “interações medicamentosas”, “os efeitos colaterais” possíveis e a “posologia” indicada para uma adequada ampliação das competências das Turmas por meio de deslocamento de competências do Plenário? Há risco de “superdosagem”? Nesse caso, a quem recorrer?Tomemos como mote essa lúdica forma de comparação para pensar o problema aqui enfrentado. Para se ter uma noção concreta das medidas adotadas pelo STF para ampliar as competências das suas Turmas nos últimos anos, menciono duas recentes modificações do RISTF. Em primeiro lugar, os ministros do STF aprovaram, em Sessão Administrativa de 18.05.2011, a Emenda Regimental 45, de 10 de junho de 2011 (DJ de 15/11/2011). Tal medida atribuiu às Turmas as seguintes competências: “Art. 9º (RISTF). Ale?m do disposto no art. 8º, compete a?s Turmas:I – processar e julgar originariamente:(...)d) os mandados de seguranc?a contra atos do Tribunal de Contas da Unia?o, do Procurador-Geral da Repu?blica e do Conselho Nacional do Ministe?rio Pu?blico;e) os mandados de injunc?a?o contra atos do Tribunal de Contas da Unia?o e dos Tribunais Superiores;f) os habeas data contra atos do Tribunal de Contas da Unia?o e do Procurador-Geral da Repu?blica;g) a ac?a?o em que todos os membros da magistratura sejam direta ou indiretamente interessados, e aquela em que mais da metade dos membros do tribunal de origem estejam impedidos ou sejam direta ou indiretamente interessados;h) a extradição requisitada por Estado estrangeiro.”Segundo notícia veiculada na página do Supremo, o objetivo de tal medida seria dar “mais celeridade às ações que tramitam no STF e decorreu da percepção de que, enquanto cresce a pauta do Plenário, diminui sensivelmente a das Turmas, em razão da queda da quantidade de recursos extraordinários e agravos de instrumentos (responsáveis por cerca de 92% dos processos que chegam a esta Corte).”[1]Não se pode esquecer que o “remédio” adotado é associado ao uso de outros “medicamentos” já “prescritos”. Um deles é a aplicação da sistemática da repercussão geral, que tem relação direta com a diminuição de processos julgados pelos órgãos colegiados do STF. É que, via de regra, o Tribunal se vale de um mecanismo “inibidor da absorção” de novos processos (devolução com base em processo-paradigma) até que se encontre um “anticorpo” definitivo para o problema (decisão final pela sistemática de repercussão geral).De todo modo, é intuitivo que o deslocamento de competências do Plenário para as Turmas tem impacto direto na redução de processos que aguardam julgamento pelo Plenário. A resposta a esse estímulo tem funcionado em processos que, por vezes, não apresentavam grande complexidade e que poderiam ser decididos com agilidade, caso fossem logo levados a julgamento. Nesse ponto, pode-se dizer que o “remédio” adotado está surtindo o efeito esperado (“feedback negativo” para a “homeostasia”).Isso pode ser ilustrado, por exemplo, a partir de diversos mandados de segurança da relatoria do ministro Gilmar Mendes, julgados pela 2ª Turma do STF, que tratavam de questões relativas a concurso público do Ministério Público da União (revisão de provas objetivas e subjetivas, nulidade das etapas do certame, impugnação a cadastro de reserva, direito à nomeação no prazo de validade do concurso).[2]O fato de a autoridade coatora ser o Procurador-Geral da República e o fato de se tratar de um concurso de abrangência nacional desencadearam uma gama de ações repetitivas, não necessariamente dotadas de alta complexidade e portadoras de interesses eminentemente subjetivos e individuais.Posteriormente, no decorrer da Sessão Plenária de 4 de dezembro de 2013, houve nova manifestação favorável de ministros da Corte para deslocar mais competências do Plenário para as Turmas, a fim de englobar ações contra todos os atos do CNJ que não fossem emanados pelo seu Presidente. É que, naquela assentada, o Plenário havia dedicado toda a tarde de trabalho para decidir sobre processos de concurso público para provimento de serventias extrajudiciais, que detinham natureza eminentemente subjetiva e ligados a interesses eminentemente individuais.[3]Não tardou muito para que a proposta indicada acima e outras importantes mudanças fossem acolhidas, em Sessão Administração de 28 de maio de 2014, com a aprovação da Emenda Regimental 49, de 3 de junho de 2014 (DJe 05/06/2014). Foram redirecionadas às Turmas as seguintes competências: “Art. 9º (RISTF). Ale?m do disposto no art. 8º, compete a?s Turmas:I – processar e julgar originariamente:(...)c) a reclamac?a?o que vise a preservar a compete?ncia do Tribunal ou a garantir a autoridade de suas deciso?es ou Su?mulas Vinculantes;d) os mandados de seguranc?a contra atos do Tribunal de Contas da Unia?o e do Procurador-Geral da Repu?blica.”(...)i) as ac?o?es contra o Conselho Nacional de Justic?a ou contra o Conselho Nacional do Ministe?rio Pu?blico, ressalvada a compete?ncia do Plena?rio;j) nos crimes comuns, os Deputados e Senadores, ressalvada a compete?ncia do Plena?rio, bem como apreciar pedidos de arquivamento por atipicidade de conduta;k) nos crimes comuns e de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exe?rcito e da Aerona?utica, ressalvado o disposto no art. 52, I, da Constituic?a?o Federal, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da Unia?o e os chefes de missa?o diploma?tica de cara?ter permanente, bem como apreciar pedidos de arquivamento por atipicidade da conduta.”É certo que direcionar às Turmas o processamento e o julgamento de reclamações e de ações contra o CNMP e o CNJ, ressalvada a competência do Plenário para os atos dos Presidentes desses Conselhos, passa a exigir delas uma adaptação e um novo ritmo (“anabólico”), além de acrescer muita importância ao peso dos seus julgamentos.Isso é mais evidente no deslocamento de competências penais para crimes comuns de Parlamentares (“tarjas pretas”) — ressalvadas certas atribuições do Plenário — e para crimes comuns e de responsabilidade de outras autoridades, que reflete mudanças significativas quanto ao peso político e simbólico dado às decisões das Turmas e quanto à importância de uma análise mais aprofundada da dinâmica e da funcionalidade inerentes ao funcionamento de tais colegiados (sua “homeostasia”).Conforme registrado nos debates de aprovação da Emenda Regimental 49/2014, há também interesse manifestado por alguns ministros para estabelecer novas hipóteses de deslocamento de competências do Plenário para as Turmas (“feedback negativo” para a “homeostasia”) para: apreciação de mandados de segurança contra atos dos Presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal e contra atos do Presidente da República em casos de desapropriação de terras (ministro Roberto Barroso); apreciação de mandados de segurança contra atos de Comissões Parlamentares de Inquérito e ações sobre conflitos federativos entre estados e entre estes e a União (ministro Celso de Mello).[4]São relevantes as razões justificadoras de tais medidas, ligadas à celeridade na prestação jurisdicional, à funcionalidade e à otimização do trabalho dos ministros e dos órgãos colegiados, ao descongestionamento da pauta do Plenário, à concentração de casos mais relevantes e de repercussão geral no Plenário (“efeitos” esperados).Trata-se de uma experimentação interessante e que pode gerar mudanças favoráveis ao melhor cumprimento das finalidades constitucionais e da dinâmica de atuação do STF, em sintonia com a exigência constitucional de uma razoável duração dos processos (artigo 5º, inciso LXXVIII, CF/88).Mas há outras questões e desafios a serem considerados. Destaquemos aqui apenas algumas provocações, à guisa de convite para investigações futuras (como um catálogo de “interações medicamentosas” possíveis e que são descobertas aos poucos).Em primeiro lugar, é fato que há um grande aumento de poder decisório das Turmas para a sedimentação da jurisprudência da Corte, em razão das novas competências assumidas. Em suma, os holofotes voltam-se com mais intensidade a elas. E é natural que, entre os ministros de uma Turma ou entre as distintas Turmas, possa haver divergências de entendimento.Nesse sentido, parece salutar (“profilaxia”) um zelo maior por parte dos ministros e um acompanhamento mais próximo por parte dos advogados para que sejam considerados, nos julgamentos, os entendimentos de ambas as Turmas, explicitando-se os posicionamentos existentes sobre os temas em debate, de modo a evitar um excesso de recursos que reclamem a efetiva uniformização da jurisprudência da Corte — sobretudo em casos não pacificados anteriormente pelo Plenário e que eventualmente não tenham tido seu julgamento afetado ao Plenário.Além disso, é curioso que os casos levados a julgamento pelas Turmas deixam de ter a visibilidade que propriamente teriam no Plenário, ao menos em relação à premissa de que somente os julgamentos do Plenário são transmitidos ao vivo (por televisão e rádio) e disponibilizados na internet. Embora aparentemente insignificante tal observação, por existirem outros mecanismos de publicidade, é interessante investigar as suas repercussões quanto à dinâmica do processo decisório das Turmas (que pode variar em relação à dinâmica do Plenário).Até porque não se deve olvidar que tais experimentações acabam servindo de espelho ou molde para a tentativa de outros tribunais adotarem medidas semelhantes.De toda forma, é interessante que tanto o STF quanto estudiosos em geral busquem realizar um acompanhamento aprofundado das consequências jurídicas, jurisprudenciais e extrajurídicas dessas mudanças, que não devem se limitar apenas à constatação numérica de mais ou menos processos julgados (como a continuidade de estudos do “tratamento” adotado).A preocupação com a consideração de outros parâmetros — como grau de recorribilidade, número de casos afetados ao Plenário e comparação da qualidade e profundidade dos debates e das decisões, por exemplo — parece necessária para se enxergar melhor em que medida essas experiências repercutem no curto e médio prazo.Certo é que, em muitas situações, as medidas adotadas podem ter efeitos colaterais extramuros muito mais complexos do que se poderia inicialmente imaginar, capazes de afetar os esperados efeitos da celeridade e da funcionalidade interna do Tribunal (e promover “desequilíbrio homeostático”).Exemplo disso é o que ocorreu nessa última quinta-feira (30/10), quando a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.175 (rel. min. Gilmar Mendes) contra a Emenda Regimental 49/2014, na parte em que deslocou para as Turmas do STF a competência do Plenário para julgar crimes comuns de Deputados e Senadores.[5]Nesse ponto, o “remédio” adotado estaria causando “irritações” e “outras reações indesejadas”. E não por menos. Conforme ressaltou Luciano Fuck, em artigo publicado na Coluna do Observatório da Jurisdição Constitucional em 10 de maio de 2014,[6] o STF já vinha adotando importantes medidas para agilizar a tramitação de processos e inquéritos penais na Corte e para evitar a prescrição, ao adotar a instituição do magistrado instrutor e a criação de seção de processos criminais.Somar a tais medidas a autorização de que processos e inquéritos penais tramitem nas Turmas do STF certamente ligou a luz de alerta de alguns parlamentares não só quanto ao risco de maior celeridade no trâmite e julgamento de processos, mas também quanto a aspectos relevantes da própria dinâmica de julgamento das Turmas (quórum reduzido de votação, possibilidade de divergência de entendimentos entre Turmas, possível dificuldade de levar o caso ao Plenário, que sabidamente tem uma dinâmica decisória distinta). Basta lembrar o problema do cabimento de embargos infringentes nesse novo contexto de julgamento pelas Turmas – o detalhe da exigência de quatro votos pela absolvição em Plenário. Seria o caso de alterar o Regimento Interno ou deixar incabível a hipótese de recurso?Ao se apontar violação dos princípios da isonomia (entre Parlamentares que sejam e não sejam Presidentes das Casas Legislativas) e da razoabilidade (dado o impacto político da medida), visto que se manteve como competência do Plenário do STF apenas o julgamento dos Presidentes das Casas Legislativas, busca-se defender, na ADI 5.175, que, nesses casos, a competência para julgamento de todos deveria permanecer atribuída ao Plenário.Independentemente desse “efeito colateral” específico e interessante, que desafia a própria autorregulação funcional dos órgãos internos do Tribunal, a experimentação atualmente fomentada pelo STF pode produzir mudanças produtivas para o alcance das suas finalidades constitucionais e institucionais.Mas é preciso que acompanhemos esse desenvolvimento com base em dados consistentes (“exames periódicos”), para avaliar se a “dosagem” adotada está adequada para se alcançarem os “efeitos” esperados e se as “reações adversas” justificam eventual mudança de “tratamento”. De todo modo, a suspeita de “superdosagem”, trazida pela Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, deverá ser apreciada pelo próprio “médico” que “prescreveu” a medida.Trata-se, com certeza, de um aspecto interessante e bastante instigante, que não se exaure numa mera redistribuição de tarefas internas de um órgão decisório, devendo ser mais bem acompanhado por todos os interessados pela atuação do Supremo Tribunal Federal!" Fonte: Revista Consultor Jurídico, acesso em 1º. de novembro de 2014, 8h01).
Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor de Direito Processual Penal da UNIFACS. Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela UNIFACS.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MOREIRA, Rômulo de Andrade. A novela mexicana continua: afinal de contas, quem julga o autor de um suposto ato de improbidade admistrativa praticado por quem tem prerrogativa de função junto ao Supremo Trbunal Federal? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 dez 2014, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/1983/a-novela-mexicana-continua-afinal-de-contas-quem-julga-o-autor-de-um-suposto-ato-de-improbidade-admistrativa-praticado-por-quem-tem-prerrogativa-de-funcao-junto-ao-supremo-trbunal-federal. Acesso em: 28 nov 2024.
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