Uma decisão importante que restabelece a legitimidade da Defensoria Pública para a propositura da competente ação civil pública [ACP], nos lindes da Lei 7347/85, em seu art. 5º, II (redação dada pela Lei 11448/2007) e da importânciaainda prevalente do princípio da Reserva de Plenário com espeque no art.977 daCarta Maiorr.
A ministra Rosa Maria Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), julgou procedente a Reclamação (RCL) 17744 e cassou decisão proferida pela 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJ-MS), que havia declarado a ilegitimidade da Defensoria Pública para propor ACP em defesa de direitos previstos na Lei de Execução Penal (Lei 7.210/1984), em favor de internos da cadeia pública de Miranda (MS).
No STF, a DP-MS alegou que a câmara do TJ-MS afastou, com base nos artigos 5º, inciso LXXIV, e 134 da Constituição Federal, a aplicação do dispositivo legal que incluiu a Defensoria Pública entre os legitimados para o ajuizamento de ações civis públicas, sem a observância da cláusula de reserva de plenário. O entendimento do órgão do tribunal do Matogrosso do Sul é o de que a Defensoria foi concebida com destinação específica [prestar assistência jurídica integral e gratuita às pessoas que comprovarem insuficiência de recursos], não lhe cabendo promover ação em nome próprio na defesa de interesses difusos, imprecisos e abstratos ou pessoas incertas.
A cláusula de reserva de plenário – apontada como violada na Reclamação – está disposta no artigo 97 da Constituição e é objeto da Súmula Vinculante 10, do STF. O texto do verbete prevê que: “viola a cláusula de reserva de plenário a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte”. De acordo com a relatora da Reclamação, foi o que aconteceu no caso.
“Da leitura da decisão reclamada, resta claro que a 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul, com base em fundamentos extraídos da Constituição Federal, afastou, em parte, a aplicação do artigo 5º, II, da Lei 7.347/85, com redação da Lei 11.448/2007 (...). Desse modo, ao impor, com base na Constituição Republicana, limites à atuação da Defensoria Pública para propor a ação civil pública, o acórdão reclamado contrariou o enunciado da Súmula Vinculante 10”, afirmou a ministra Rosa Weber.
Assim, a relatora cassou a decisão questionada e determinou que outra seja proferida, em estrita obediência à Súmula Vinculante 10.
Alguns pontos devemos discorrer, e o primeiro deles atine a inconstitucionalidade formal do não atendimento do princípio da Reserva de Plenário delineado pelo art. 97 da Carta Maior e corroborado pela Súmula Vinculante nº 10. O órgão fracionário deve levar a questão entendida como inconstitucional a plenário para que se abstenha de aplicá-la. A questão não foi levada a plenário, o que por si só, já revela prática atentatória à Constituição. Interessante notar, entrementes, que há uma Súmula Vinculante [SV. Nº 10] com precisa subsunção ao fato, que ratifica a necessidade de se levar a questão a plenário quando se pretende abdicar da aplicação de norma entendida como inconstitucional em controle difuso de constitucionalidade. Vale lembrar que, as súmulas vinculantes editadas pelo STF, enquanto não canceladas ou revistas por seus termos, vinculam os demais órgãos do Poder Judiciário.
Outro ponto importante é o novo papel, constitucionalmente mais robustecido que a emenda constitucional 80/2014 ofertou a Defensoria Pública, em especial ao art. 134 da CRFB. A definição de “expressão e instrumento do regime democrático” reforça a ideia de que a Defensoria Pública, como instrumento de efetivação de direitos humanos, possibilita que a população marginalizada e vulnerável tome ciência de seus direitos, reivindique-os e exerça, assim, a sua cidadania, participando efetivamente na construção de uma democracia participativa.
O Supremo Tribunal Federal já reconheceu a significativa importância jurídico-constitucional e político-social da Defensoria Pública, com destaque expresso a que, enquanto instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, qualifica-se como instrumento de concretização dos direitos e das liberdades de que são titulares as pessoas carentes e necessitadas (ADI nº 2.903, rel. Min. Celso de Mello, DJ 19.9.2008).
Em resumo, a nova redação destaca, constitucionalmente, a relevância da instituição. Extirpa, por outro lado, quaisquer dúvidas que pairem sobre a abrangência do dever da Defensoria Pública. É nestes termos que se faz fundamental a disponibilidade de todos os instrumentos processuais para que a DP cumpra a sua função constitucional, revelando-se de inapelável importância para efetivação de seu papel o manejo da ação civil pública.
Assim, além do equívoco do TJ-MS haver declarado a ilegitimidade da Defensoria Pública no manejo da ação civil pública, o fez de forma equivocada, sem o atendimento do art. 97 da Constituição Federal na forma ratificada pela Súmula Vinculante nº 10.
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