O Ministro Ricardo Lewandowski, ao negar seguimento a dois Habeas Corpus (nºs. 126031 e 126056), afirmou que "em juízo de mera delibação, próprio desta fase processual e sobretudo do período de plantão judiciário em que a faixa de jurisdição se estreita ainda mais diante da momentânea ausência do juiz natural, não é possível aferir, no decisum questionado, situações aptas a justificar a superação do referido verbete.”.
Ainda segundo o Ministro, é inviável a substituição da prisão preventiva por outras medidas cautelares diante da própria realidade dos fatos, “envoltos em um contexto mais abrangente e inacessível em toda a sua complexidade ao juízo de plantão, que, por possuir uma visão segmentada do todo, deve ficar adstrito ao exame de ilegalidade flagrante, o que não ocorreu no caso dos autos”. Segundo ele, todas essas circunstâncias impedem o exame do tema pelo Supremo Tribunal Federal, sob pena de supressão de instância e considerando os limites de competência descritos no artigo 102, da Constituição Federal.
O Ministro observou que até o momento não há excesso de prazo ou demora na prestação jurisdicional, com base na cronologia dos fatos indicados nos pedidos de Habeas Corpus. Assim, entendeu ser recomendável aguardar o pronunciamento definitivo do Superior Tribunal de Justiça, “não sendo a hipótese de se abrir, neste momento, a via de exceção”, e negou seguimento aos Habeas Corpus, ficando prejudicado o exame das medidas liminares. (grifos meus).
Ora, então, repetimos a pergunta: para que serve mesmo o plantão judiciário? E vejam que estamos tratando da garantia constitucional do direito de liberdade de locomoção!
Se o próprio Ministro do Supremo Tribunal Federal faz uma tal afirmação, evidentemente, que está autorizando aos Magistrados brasileiros a fazerem o mesmo.
Em outras palavras: brasileiros e brasileiras, supostamente vítimas de abuso de poder ou de ilegalidade na sua liberdade de locomoção, ainda que potencialmente, aguardem o final do recesso para impetrarem um Habeas Corpus.
Afinal de contas, neste período de plantão judiciário, em que a faixa de jurisdição se estreita ainda mais diante da momentânea ausência do juiz natural, a realidade dos fatos torna-se inacessível em toda a sua complexidade ao juízo de plantão, não sendo, portanto, a hipótese de se abrir, neste momento, a via de exceção.
Pelo menos, Ministro, foi o que eu entendi...
Aliás, uma resolução editada pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro restringiu a concessão de medidas cautelares na esfera penal, como prisões preventivas e temporárias, no plantão noturno.
O Ministério Público do Estado não gostou. E foi ao Conselho Nacional de Justiça pedir a suspensão da nova regra. O caso foi distribuído à conselheira Ana Maria Amarante Brito no Procedimento de Controle Administrativo 0006729-81.2014.2.00.0000.
O Ministério Público pediu ao Conselho Nacional de Justiça a concessão de liminar que suspenda a resolução e permita que “que seja determinado o exame, em sede de plantão, noturno ou diurno, de todo os pedidos que preencham o requisito da urgência, a ser aferido consoante a prudência de cada magistrado. E também que seja excluída a restrição ao exame dos pedidos cautelares penais, devendo ser demonstrada, tão somente a urgência da medida."
A Resolução nº. 33/2014 fixou novas regras para o plantão das 11h às 23h (diurno) e das 23h às 11h do dia seguinte (noturno). No que se refere ao atendimento noturno, o art. 2º. da norma diz que o “plantão se destina exclusivamente ao exame dos pedidos de Habeas Corpus e mandados de segurança em que figurar como coatora autoridade submetida à competência jurisdicional do magistrado plantonista". As outras hipóteses são para os pedidos de autorização para internações que envolvam risco para a vida humana; relativas as medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha; e autorizações para viagem de menor em trânsito, desde que justificada a urgência.
O dispositivo proibiu a apreciação dos pedidos cautelares penais em medida sigilosa, salvo nos casos em que for necessário para a preservação da vida humana. Também restringiu a apreciação das comunicações de prisões em flagrantes.
O art. 3º., por sua vez, fixou quais pedidos podem ser apreciados no plantão diurno. Entre eles, a comunicações de prisão e a conversão ou não de flagrante em prisão preventiva e a representação da autoridade policial ou do Ministério Público com o objetivo de decretar a prisão preventiva ou temporária em caso de urgência surgida fora do horário de expediente.
Para o Ministério Público, a norma separou a lógica do atendimento de urgência prestado nos dois turnos. “A sistemática do plantão diurno foi inexplicavelmente rompida no plantão noturno”, escreveu o Procurador-Geral de Justiça em exercício, Alexandre Araripe Marinho, no requerimento protocolado no Conselho Nacional de Justiça, segundo o qual a orientação do Tribunal de Justiça fere a Constituição.
A orientação gerou protestos também por parte dos Magistrados. Ao se ver obrigado a reconhecer a incompetência do plantão para analisar um caso, na noite do último dia 7 de novembro de 2014, o Juiz Vinicius Marcondes de Araújo, que estava de plantão naquele dia, desabafou: “Extremamente desconfortável não poder conhecer do pedido de prisão temporária no caso em exame, diante das evidencias apresentadas pela autoridade policial em crime de homicídio envolvendo criança de tenra idade”, disse em seu despacho.
“Entretanto, foi publicada ontem a Resolução nº. 33/2014 que impede o acolhimento da prisão temporária e/ou preventiva no plantão noturno, salvo quando servir para preservar vida humana em medida sigilosa, de que é o exemplo a salvaguarda de vítima em cativeiro no crime de extorsão mediante sequestro. Menos mal que o expediente forense ordinário daqui a uma hora e meia quando a autoridade policial poderá encaminhar o pleito na comarca onde os fatos se derem, observando que já existe parecer do Ministério Público nos autos viabilizando a pronta decisão”, completou. Fonte: Revista Consultor Jurídico, acesso dia 24 de novembro de 2014, 7h47.
Pois é, lamentavelmente, mais uma vez a Suprema Corte fecha os olhos para uma (única e eficaz) garantia constitucional que temos para o direito de locomoção.
Pontes de Miranda, se vivo, espernearia! Rui Barbosa, pior! Pedro Lessa ficaria ruborizado... Óbvio que não falarei de João Sem-Terra, nem dos barões ingleses, pois estes, muito possivelmente, não tinham ideia do bem que faziam àquela altura para a liberdade humana (Carta Magna , 1215).
É lamentável como o Habeas Corpus vem sendo achincalhado pelos nossos juízes, tribunais e, incrivelmente, pela Suprema Corte (veja, por exemplo, o esdrúxulo Enunciado 691 da súmula do Supremo Tribunal Federal).
Estamos a todo instante repetindo que se deve atentar para a diferença abissal entre as garantias constitucionais do Mandado de Segurança e do Habeas Corpus, tendo em vista a tutela por ambos visada. Comparar jurisprudência aplicável ao Mandado de Segurança com o Habeas Corpus é olvidar os direitos por elas garantidos.
Como se sabe, o Habeas Corpus deve ser necessariamente conhecido e concedido sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder, pois se visa à tutela da liberdade física, a liberdade de locomoção do homem: ius manendi, ambulandi, eundi ultro citroque. Como já ensinava Pontes de Miranda, em obra clássica, é uma ação preponderantemente mandamental dirigida “contra quem viola ou ameaça violar a liberdade de ir, ficar e vir.”[1]
Para Celso Ribeiro Bastos “o Habeas Corpus é inegavelmente a mais destacada entre as medidas destinadas a garantir a liberdade pessoal. Protege esta no que ela tem de preliminar ao exercício de todos os demais direitos e liberdades. Defende-a na sua manifestação física, isto é, no direito de o indivíduo não poder sofrer constrição na sua liberdade de se locomover em razão de violência ou coação ilegal.”[2]
Aliás, desde a Reforma Constitucional de 1926 que o Habeas Corpus, no Brasil, é ação destinada à tutela da liberdade de locomoção, ao direito de ir, vir e ficar.
Se fosse aqui na Bahia, iriam dizer que era preguiça...
[1] História e Prática do Habeas Corpus, Vol. I, Campinas: Bookseller, 1999, p. 39.
[2] Comentários à Constituição do Brasil, Vol. II, São Paulo: Saraiva, 1989, p. 312.
Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor de Direito Processual Penal da UNIFACS. Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela UNIFACS.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MOREIRA, Rômulo de Andrade. E para que serve mesmo o plantão judiciário? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 jan 2015, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/2020/e-para-que-serve-mesmo-o-plantao-judiciario. Acesso em: 28 nov 2024.
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