Para entender o que significa adotar uma postura 'neo' diante das novas normas processuais civis é fundamental permitir-se abrir a mente. Ampliá-la, e aos poucos (mas não muito lentamente para não perder o bonde da história!), ir aceitando a mudança paradigmática que precisa ser empreendida com vistas à verdadeira alteração do sistema. Fazer a leitura de um novo texto a partir de premissas antigas, arruinará a intenção legislativa do NCPC, e não avançaremos em sentido algum. O pessimismo irrazoável também. Exemplifico.
Muito ainda se reclama da utilização de um procedimento variável nos Juizados Especiais. Esse é, sem dúvida, um ponto de grande insatisfação, especialmente entre os advogados, - confesso que, inclusive, por muito tempo, gerou em mim! Alguns juízes, envergonhados de assumir, talvez prefeririam não estar por ali. E por que?
Entre inúmeras concausas, mas para o propósito desta reflexão, podemos destacar que operadores da Lei 9.099/95 foram forjados sob a égide de um sistema onde a decisão só se legitimava se produzida no seio de um procedimento único, de caráter publicista, formal e de observância obrigatória. Fomos ensinados que a norma processual, de caráter cogente, é razão inafastável para legitimar a justiça da decisão, pelo devido processo legal. O incrível é que tenhamos permanecido tão reacionários ao novo rito em detrimento da principiologia trazida expressamente pela própria lei, cujo intuito sempre foi, justamente, excepcionar o rigor protocolar de outrora. Apesar disso, a maioria dos profissionais manteve o pensamento conservador e, excessivamente, crítico. Mas há que se questionar: qual é o prejuízo que tal volatividade cerimonial trouxe ao jurisdicionado? De que modo a flexibilização de prazos ou momentos para prática de atos gerou ofensa ao direito material em discussão? Será que isso realmente ocorre? Já me parece que não.
Com o NCPC, evidenciou-se essa percepção. Precisaremos, em futuro brevíssimo, nos alinhar ao ideal de devido processo legal justo, sem cometer o mesmo equívoco reacionário de ler novo texto com principiologia ultrapassada. Não poderemos mais encarar o processo do modo como fomos talhados no passado. É preciso fazer a transição ideológica, paradigmática, de modo a dar sentido à nova regulamentação (ao que chamamos modernamente de formalismo valorativo). Sem essa mudança de mentalidade, de nada adiantarão as previsões legislativas vindouras. Entristece muito ouvir de alguns: "- você viu que x será alterado no NCPC?" E a criatura responde: "- ah, sei! E o que muda com isso? No dia a dia, nada, né?!" Ora, prezado(a) colega, se você continuar pensando assim.....nada mudará mesmo!!!!!
Para os que esperam - como eu disse - não perder o bonde da história, explicarei melhor. O novo texto pretende afastar o caráter exclusivamente publicista do processo e propõe uma relação processual comparticipativa, colaborativa, policêntrica. Para isso, advogados deverão estar muito mais preparados para seu mister (dentro e fora do Tribunal); muito mais capacitados a argumentar com qualidade, com fundamentos embasados, sem o tradicional blá blá blá protelatório e, por tantas vezes, temerário; deverão estar verdadeiramente capacitados para realizar audiências com eficiência, sem improviso, desonerar-se com lealdade de seu ‘ônus probandi’; que vivam a ética e a boa-fé e sejam exemplarmente punidos em seus desvios. Magistrados precisarão assumir sua renovada e fortificada missão de prestadores de jurisdição, e não senhores de pequenos reinos; tutelas entregues em tempo razoável sim, e com mínima ordem democrática de solução, com respostas motivadas na lei e não no seu livre sentir, sem ativismos; em decisões que não sejam impessoais, generalistas; a apresentar respostas de piso que estejam em sintonia com os precedentes dos tribunais e com a satisfação particularizada que merece o cidadão a quem é vedada a autotutela; com tribunais que mantenham íntegra e coerente sua jurisprudência, fazendo cessar sua odiosa jurisprudência defensiva para o não conhecimento de recursos – expressamente repudiada pelo NCPC. Precisaremos também de auxiliares capacitados e com verdadeiro espírito de serviço público – aptos a operar a automação (PJe) que se aproxima, e a verdadeiramente colaborar com o Juízo para a prestação jurisdicional qualificada e tão ansiada pela população brasileira: com eficiência, qualidade e celeridade.
O novo texto propõe a implantação de uma Justiça mais democrática, menos centrada no poder estatal com ar ‘superior’, a motivar - pelo novo procedimento - que as partes promovam a sua própria reconciliação, longe dos olhos do eventual futuro julgador, caso aquela se mostre infrutífera. Para isso principalmente os advogados deverão compreender melhor sua função - de buscadores da justiça, de compositores e partícipes nas soluções, e não de combatentes de guerra.
Precisamos rapidamente perceber que as eventuais variações procedimentais trazidas pela nova lei poderão ser contornadas se parecerem ser a melhor forma para a solução da controvérsia, sem que isso afete a legitimidade da decisão ou a segurança jurídica da prestação jurisdicional. O mais importante para o êxito do novo regramento, contudo, é compreender que a mudança no comportamento dos operadores será parte fundamental dessa renovação. Para ser 'novo', o processo precisa de reforma legislativa, mas principalmente, exige renovação da mentalidade das pessoas que irão operá-lo.
Nada de medo ou pessimismo: vamos dar uma chance ao novo, afinal, mais do mesmo não há de mudar o estado das coisas!
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