No julgamento do Habeas Corpus nº. 2016152-70.2015.8.26.0000 (Registro: 2015.0000319233), na sessão realizada no último dia 12 de maio de 2015, tendo como relator o Desembargador Guilherme de Souza Nucci, a 16ª. Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, denegou a ordem entendendo que a ausência de apresentação imediata ao Juiz de Direito do preso em flagrante não ofende os tratados internacionais de Direitos Humanos.
Assim ficou consignado no voto do relator: "Inicialmente, quanto à afirmada ilegalidade da prisão em flagrante, ante a ausência de imediata apresentação dos pacientes ao Juiz de Direito, entendo inexistir qualquer ofensa aos tratados internacionais de Direitos Humanos. Isto porque, conforme dispõe o art. 7º, 5, da Convenção Americana de Direitos Humanos, toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais. No cenário jurídico brasileiro, embora o Delegado de Polícia não integre o Poder Judiciário, é certo que a Lei atribui a esta autoridade a função de receber e ratificar a ordem de prisão em flagrante (...). Assim, in concreto, os pacientes foram devidamente apresentados ao Delegado, não se havendo falar em relaxamento da prisão. Não bastasse, em 24 horas, o juiz analisa o auto de prisão em flagrante."
O absurdo é flagrante! Desde quando o Delegado de Polícia exerce função judicial?
Como se sabe, o Conselho Nacional de Justiça, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e o Ministério da Justiça lançarão no dia 6 de fevereiro deste ano de 2015 um projeto para garantir que presos em flagrante sejam apresentados a um Juiz de Direito, em 24 horas, no máximo.
Conforme a página do Supremo Tribunal Federal, o “Projeto Audiência de Custódia” consiste na criação de uma estrutura multidisciplinar nos Tribunais de Justiça que receberá presos em flagrante para uma primeira análise sobre o cabimento e a necessidade de manutenção dessa prisão ou a imposição de medidas alternativas ao cárcere.
O projeto teve seu termo de abertura iniciado no dia 15 de janeiro, após ser aprovado pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, Ministro Ricardo Lewandowski.
O projeto conta ainda com a parceria do Presidência e da Corregedoria Geral da Justiça do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que é presidido pelo Desembargador José Renato Nalini e tem como Corregedor-Geral da Justiça o desembargador Hamilton Elliot Akel, além do Ministério da Justiça.
O objetivo do projeto é garantir que, em até 24 horas, o preso seja apresentado e entrevistado pelo Magistrado, em uma audiência em que serão ouvidas também as manifestações do Ministério Público, da Defensoria Pública ou do advogado do preso. Durante a audiência, será analisada a prisão sob o aspecto da legalidade, da necessidade e adequação da continuidade da prisão ou da eventual concessão de liberdade, com ou sem a imposição de outras medidas cautelares, além de eventuais ocorrências de tortura ou de maus-tratos, entre outras irregularidades.
Os detalhes finais de execução do projeto estão sendo fechados entre os três órgãos e o projeto-piloto será lançado no próximo dia 06 de fevereiro de 2015, em São Paulo, com a assinatura de um termo de cooperação. O projeto-piloto será desenvolvido no Fórum Ministro Mário Guimarães, no bairro da Barra Funda, local para onde são encaminhados todos os autos de prisão em flagrante delito lavrados na capital paulista, e realizado pelo Departamento de Inquéritos Policiais e Polícia Judiciária. A previsão é que as primeiras audiências de custódia sejam realizadas a partir do dia 23 de fevereiro.
Com efeito, a implementação das audiências de custódia está prevista em pactos e tratados internacionais assinados pelo Brasil, como o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e a Convenção Interamericana de Direitos Humanos, conhecida como Pacto de San Jose da Costa Rica e já é utilizada em muitos países da América Latina e na Europa, onde a estrutura responsável pelas audiências de custódia recebe o nome de “Juizados de Garantias”.
Além das audiências, o projeto prevê a estruturação de centrais de alternativas penais, centrais de monitoramento eletrônico, centrais de serviços e assistência social e câmaras de mediação penal, responsáveis por representar ao juiz opções ao encarceramento provisório.
No dia 6 de fevereiro de 2015, o Ministro Ricardo Lewandowski participou, em São Paulo, do lançamento do Projeto Audiência de Custódia, oportunidade em que afirmou que pretende levar a iniciativa a outras capitais e comarcas do País, após o desenvolvimento do projeto-piloto no Fórum Criminal da Barra Funda: “Essa é uma meta prioritária do CNJ e São Paulo mais uma vez sai na frente como um importante parceiro. Uma experiência que, se for exitosa – e tenho certeza que será – será depois levada para outras capitais e comarcas do País”, afirmando que o Brasil tem hoje cerca de 600 mil presos, sendo que 40% deles são presos provisórios. “São aqueles que ainda não têm a culpa formada. São presos que não tiveram ainda a chance de se confrontar com o juiz e têm a sua liberdade de ir e vir limitada, contrariando a presunção de inocência”.
O objetivo do projeto é enfrentar esse problema, garantindo a rápida apresentação do preso a um juiz nos casos de prisões em flagrante. A ideia é que o acusado seja apresentado e entrevistado pelo juiz, em uma audiência em que serão ouvidas também as manifestações do Ministério Público, da Defensoria Pública ou do advogado do preso. Durante a audiência, o juiz poderá analisar a prisão sob o aspecto da legalidade, da necessidade e adequação da continuidade da prisão ou da eventual concessão de liberdade, com ou sem a imposição de outras medidas cautelares. “O juiz decide vendo a pessoa à sua frente e não com base em um amontoado de papéis dentro dos autos de um processo”, explicou o Ministro. Inicialmente, o projeto terá como alvo os autos de prisão em flagrante delito lavrados apenas em dois distritos policiais da cidade de São Paulo. Progressivamente, outros distritos policiais serão incorporados ao projeto, segundo o governador do Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin, que também esteve presente à cerimônia.
A iniciativa prevê ainda a estruturação de centrais de alternativas penais, centrais de monitoramento eletrônico, centrais de serviços e assistência social e câmaras de mediação penal, que serão responsáveis por apresentar ao juiz opções ao encarceramento provisório. “Infelizmente hoje a única resposta que a sociedade tem para quem errou é a prisão. A prisão é um mal necessário, entretanto o sistema carcerário, da forma como nós o mantemos, é um fator criminógeno. Quem ingressa sem necessidade sai revoltado, ressentido, pronto para se vingar da sociedade que o trancafiou”, afirmou o Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Desembargador José Renato Nalini. Para o governador Geraldo Alckmin, o lançamento do projeto representa um avanço significativo na luta pela garantia dos direitos fundamentais: “O projeto permitirá a manutenção da prisão nos casos mais graves e uma análise mais cuidadosa das situações consideradas menos graves”. Para o Presidente da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil, Marcos da Costa, o projeto representa um marco na história da defesa dos direitos humanos no País. Também participaram da cerimônia o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, o corregedor-geral de Justiça de São Paulo, desembargador Hamilton Elliot Akel, o procurador-geral de Justiça do estado, Márcio Elias Rosa, o diretor do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), Renato Campos De Vitto, e membros da Defensoria Pública do Estado de São Paulo e do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), entre outras autoridades. Fonte: CNJ.
Antes tarde do que nunca!
Vejamos o que nos impõe, como norma supralegal, o art. 7º., 5, do Pacto de São Jose da Costa Rica ou a Convenção Americana sobre Direitos Humanos:
"Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo." (grifamos).
Igualmente, o art. 9º., 3 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de Nova York:
"Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade. A prisão preventiva de pessoas que aguardam julgamento não deverá constituir a regra geral, mas a soltura poderá estar condicionada a garantias que assegurem o comparecimento da pessoa em questão à audiência, a todos os atos do processo e, se necessário for, para a execução da sentença." (também).
Tais normas internacionais estão incorporadas em nosso ordenamento jurídico desde o ano de 1992. Aliás, a propósito, tramita no Congresso o Projeto de Lei do Senado nº. 554/2011, dando a seguinte redação ao art. 306 do Código de Processo Penal:
"(...)"§ 1º No prazo máximo de vinte e quatro horas após a prisão em flagrante, o preso será conduzido à presença do juiz para ser ouvido, com vistas às medidas previstas no art. 310 e para que se verifique se estão sendo respeitados seus direitos fundamentais, devendo a autoridade judicial tomar as medidas cabíveis para preservá-los e para apurar eventual violação. § 2º Na audiência de custódia de que trata o parágrafo 1º, o Juiz ouvirá o Ministério Público, que poderá, caso entenda necessária, requerer a prisão preventiva ou outra medida cautelar alternativa à prisão, em seguida ouvirá o preso e, após manifestação da defesa técnica, decidirá fundamentadamente, nos termos art. 310. § 3º A oitiva a que se refere parágrafo anterior será registrada em autos apartados, não poderá ser utilizada como meio de prova contra o depoente e versará, exclusivamente, sobre a legalidade e necessidade da prisão; a prevenção da ocorrência de tortura ou de maus-tratos; e os direitos assegurados ao preso e ao acusado. § 4º A apresentação do preso em juízo deverá ser acompanhada do auto de prisão em flagrante e da nota de culpa que lhe foi entregue, mediante recibo, assinada pela autoridade policial, com o motivo da prisão, o nome do condutor e os nomes das testemunhas. § 5º A oitiva do preso em juízo sempre se dará na presença de seu advogado, ou, se não o tiver ou não o indicar, na de Defensor Público, e na do membro do Ministério Público, que poderão inquirir o preso sobre os temas previstos no parágrafo 3º, bem como se manifestar previamente à decisão judicial de que trata o art. 310 deste Código.” (grifamos).
Não esqueçamos, outrossim, do Projeto de Lei nº 156, de 2009, em tramitação no Senado Federal que prevê a figura do Juiz das Garantias. De acordo com o texto projetado seria ele o "responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário", competindo-lhe:
"I – receber a comunicação imediata da prisão, nos termos do inciso LXII do art. 5º da Constituição da Republica Federativa do Brasil;II – receber o auto da prisão em flagrante, para efeito do disposto no art. 553;III – zelar pela observância dos direitos do preso, podendo determinar que este seja conduzido a sua presença;IV – ser informado da abertura de qualquer inquérito policial;V – decidir sobre o pedido de prisão provisória ou outra medida cautelar;VI – prorrogar a prisão provisória ou outra medida cautelar, bem como substituí-las ou revogá-las;VII – decidir sobre o pedido de produção antecipada de provas consideradas urgentes e não repetíveis, assegurados o contraditório e a ampla defesa;VIII – prorrogar o prazo de duração do inquérito, estando o investigado preso, em vista das razões apresentadas pelo delegado de polícia e observado o disposto no parágrafo único deste artigo;IX – determinar o trancamento do inquérito policial quando não houver fundamento razoável para sua instauração ou prosseguimento;X – requisitar documentos, laudos e informações ao delegado de polícia sobre o andamento da investigação;XI – decidir sobre os pedidos de: a) interceptação telefônica, do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática ou de outras formas de comunicação; b) quebra dos sigilos fiscal, bancário e telefônico; c) busca e apreensão domiciliar; d) acesso a informações sigilosas; e) outros meios de obtenção da prova que restrinjam direitos fundamentais do investigado. XII – julgar o habeas corpus impetrado antes do oferecimento da denúncia;XIII – determinar a realização de exame médico de sanidade mental, nos termos do art. 447, § 1º;XIV – arquivar o inquérito policial;XV – outras matérias inerentes às atribuições definidas no caput deste artigo." (grifo nosso).
Evidentemente, não há falar-se em suposta inconstitucionalidade da iniciativa do Conselho Nacional de Justiça, pois não se fere, em absoluto, o princípio constitucional da reserva legal previsto no texto constitucional, visto que não se está legislando sobre matéria processual, não havendo invasão de reserva constitucional atribuída, com exclusividade, ao Poder Legislativo da União, fonte única de normas processuais.
Esta campanha liderada por órgãos do Judiciário para possibilitar a apresentação dos presos em flagrante a um juiz em até 24 horas depois da prisão começa a surtir efeito. A 6ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro determinou a soltura de um homem por ele não ter sido submetido à audiência de custódia no prazo previsto. A determinação foi proferida pelo desembargador Luiz Noronha Dantas no pedido de Habeas Corpus proposto pela Defensoria Pública em favor do réu, cujo processo tramita na 3ª Vara Criminal de São Gonçalo. A decisão reconhece a necessidade da audiência de custódia, na qual deve ser aferida a legalidade e a necessidade da prisão, assim como se o preso sofreu tortura ou violação à integridade por parte de autoridades públicas. Segundo a decisão, a ausência de previsão no Código de Processo Penal não pode impedir a audiência de custódia, assim como eventuais dificuldades na sua implementação não podem servir de justificativa para a omissão estatal. Fonte: Assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (http://www.conjur.com.br/2015-jan-26/tj-rj-solta-preso-nao-foi-apresentado-juiz-24-horas).
A propósito, o Presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, Ministro Ricardo Lewandowski, o Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e o Presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa, Augusto de Arruda Botelho, assinaram no dia 09 de abril de 2015 três acordos de cooperação técnica para facilitar a implantação do projeto “Audiência de Custódia” em todo o Brasil e para viabilizar a aplicação de medidas alternativas cautelares, como o uso de tornozeleiras eletrônicas. Durante a cerimônia, o Presidente do Supremo Tribunal Federal disse que um dos principais objetivos desses acordos é acabar com a cultura do encarceramento existente no país, assegurando a todos as garantias fundamentais previstas na Constituição Federal e nos pactos de Direitos Humanos assinados pelo país. O Ministro revelou que o Brasil tem hoje cerca de 600 mil presos, dos quais 40% são presos provisórios – o segundo país que mais encarcera cidadãos em todo o mundo. Segundo o Ministro, não existem estabelecimentos adequados e nem suficientes para abrigar essa superpopulação de presos, que cresce em escala geométrica, revelou Lewandowski. De acordo com o Ministro José Eduardo Cardozo, as audiências de custódia podem reduzir o número de detentos encarcerados, o que, no seu entender, contribui para resolver o problema do sistema penitenciário brasileiro, que é deficiente, anacrônico, gerador de violência e de violação de direitos humanos, segundo afirmou o Ministro. Algumas unidades prisionais podem ser comparadas a "masmorras medievais, verdadeiras escolas do crime", concluiu o Ministro da Justiça. O primeiro acordo visa incrementar o programa de audiências de custódia. A ideia é que qualquer pessoa presa em flagrante seja apresentada imediatamente a um juiz. O programa já está em fase de implantação na capital do estado de São Paulo e deve, até o meio do ano, começar a funcionar nas capitais de outros 14 entes da Federação. O segundo acordo assinado, explicou o Ministro Lewandowski, visa tornar viáveis as medidas alternativas à prisão preventiva, que é aquela feita em casos excepcionais, quando o detido representa algum perigo para a sociedade. O Código de Processo Penal já prevê essas medidas alternativas, que podem ser as tornozeleiras eletrônicas, o comparecimento periódico em juízo, a proibição de acesso a determinados lugares ou de contato com pessoas indicadas, a proibição de ausentar-se da comarca, entre outras. O último acordo assinado visa à construção de centros de monitoramento eletrônico para difusão do uso das tornozeleiras eletrônicas. Hoje, os juízes não podem aplicar essa medida alternativa de controle porque ainda não existe esse equipamento nem meios para controlar a deambulação dos presos, conforme ressaltou o ministro Lewandowski. Pelo acordo, o Ministério da Justiça fica responsável, em parceira com os Estados, pela compra das tornozeleiras e pela montagem dos centros.
A Associação dos Delegados de Polícia do Brasil entrou com a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 5240, tendo como relator o Ministro Luiz Fux, sustentando que a audiência de custódia é uma inovação no ordenamento jurídico paulista, não prevista no Código de Processo Penal, e somente poderia ter sido criada por lei federal e jamais por intermédio de tal provimento autônomo, já que o poder de legislar sobre a matéria é do Congresso Nacional. Além disso, segundo a entidade, a norma repercutiu diretamente nos interesses institucionais dos Delegados de Polícia, cujas atribuições são determinadas pela Constituição (artigo 144, parágrafos 4º e 6º): “Este [Provimento Conjunto nº 3/2015], sim, foi inovador no ordenamento jurídico, entretanto, muito embora possa parecer um ato legítimo em sua aparência, é ilegítimo no exame de fundo. Trata-se, na espécie, inequivocamente, de ato normativo editado que configura uma inconstitucionalidade direta, imediata e formal, com abuso de poder”, afirma-se na Ação.
Segundo notícia veiculada pela imprensa, "a Justiça paulista deu início no dia 24 de fevereiro de 2015 às audiências de custódia, O projeto piloto começou no Fórum Ministro Mário Guimarães, no bairro paulistano da Barra Funda, com presos encaminhados por duas delegacias seccionais. Nas 25 audiências promovidas, 17 pessoas foram liberadas. A revista Consultor Jurídico apurou que Elias Rosa e o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, estudam entrar com medidas judiciais contra as audiências de custódia. A Defensoria Pública deve atuar na grande maioria dos casos — nesta terça, só um preso contou com advogado. A instituição é favorável à nova iniciativa. Defensores apontam que o Brasil já havia se comprometido em tratados internacionais a evitar que o preso demore a ser ouvido. Além disso, entendem que o contato entre o preso e o juiz torna o processo “mais vivo”, permitindo a análise de informações e a apuração de problemas, como acusações de tortura. Já o MP avalia que reunir tantos representantes com o juiz transforma um momento pré-processual em uma fase de prova. Um representante do órgão afirma que a polícia já era obrigada a informar prisões em flagrante em 24 horas, e a validade dessas medidas já era analisada por todos os órgãos nos gabinetes, sem a obrigação do encontro pessoal. Enquanto, pela manhã, havia circulação de pessoas e câmeras por todos os lados, no período da tarde as salas de audiências estavam mais tranquilas. A ConJur acompanhou o caso de um suspeito de tráfico de drogas, em uma das seis salas localizadas nos fundos do último andar do fórum. Servidores não sabiam informar se o público externo poderia participar, mas a juíza responsável pelo caso autorizou a entrada das quatro pessoas que bateram à porta. Negro e com 29 anos, o homem chegou algemado e ficou numa cadeira, entre um defensor público e uma promotora de Justiça e à frente de um policial militar. A juíza disse que o preso poderia ficar em silêncio, mas ele concordou em falar. O homem foi questionado se já tinha passagem na polícia, se toma alguma medicação, onde mora, se é casado e tem filhos, por exemplo. No final, a magistrada atendeu solicitação do MP e converteu a prisão em flagrante em preventiva, pois o homem já tinha duas condenações anteriores e poderia trazer risco à ordem pública. A audiência durou 30 minutos e foi gravada em vídeo. O homem foi ouvido em menos de dez, e boa parte do tempo restante foi gasto com problemas de quem ainda está se adaptando, como uma impressora sem configuração que impediu a impressão de documentos. No total, foram destacados dez juízes do Departamento de Inquéritos Policiais e Polícia Judiciária (Dipo) e dois promotores para atuar nas audiências de custódia, enquanto a Defensoria separou sete defensores por dia para trabalhar especificamente com esses casos. O CNJ divulgou que o horário de funcionamento será de 9 às 19 horas, de segunda a sexta-feira. Ao menos na estreia, servidores informaram que a polícia poderia entrar no fórum até as 16h30. Meia hora antes, porém, já foi avisado que as audiências do dia haviam terminado." Fonte: http://www.conjur.com.br/2015-fev-24/audiencia-custodia-comeca-resistencia-ministério-público, acessado dia 25 de fevereiro de 2015.
A 3ª. Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª. Região determinou que um Juiz de Mato Grosso ouça dois homens presos em flagrante sob a suspeita de roubar uma agência dos Correios, sob o argumento de que já entraram no ordenamento jurídico brasileiro as normas de tratados internacionais em que o país compromete-se a impedir a demora na análise da situação de presos. Esse foi o entendimento da Desembargadora Federal Mônica Sifuentes. A decisão contraria entendimento anterior da própria 3ª. Turma e atende pedido da Defensoria Pública da União. A Defensoria alegou que esse direito foi fixado em ao menos dois tratados assinados pelo Brasil: a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, e o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, inseridos na legislação por decretos.
Ao analisar o caso, a relatora apontou que a 3ª. Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª. Região já considerou que as audiências de custódia não estão contempladas no nosso ordenamento jurídico. Em 2014, o colegiado avaliou que “nenhum dispositivo prevê a apresentação pessoal do preso ao juiz como um dos requisitos para a legalidade da prisão”. Segundo o acórdão, a lei brasileira determina apenas que autos de prisão em flagrante sejam levados sem demora ao juiz competente.
Mesmo assim, a Desembargadora afirmou que deixaria de considerar essa tese porque o Conselho Nacional de Justiça fixou como “meta prioritária” universalizar o uso dessas audiências. Ela apontou que o Pacto de San José foi formalmente reconhecido pelo Brasil em 1992, com o Decreto 678, e determinou que os suspeitos sejam ouvidos “o quanto antes”. (Processo 0006708-76.2015.4.01.0000).
Interessante esta decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro:
"Direito processual penal. Prisão em flagrante. Audiência de custódia. Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica). Hierarquia constitucional dos Tratados sobre Direitos Humanos. 6.ª Câm. Crim. HC 0064910-46.2014.8.19.0000 j. 25.01.2015 – public. 03.02.2015. Solicitadas informações, veio a ser nestas esclarecido que o pedido defensivo vertido nos autos principais e que aqui anima o universo impetracional foi finalmente apreciado e indeferido, nos seguintes termos: “Quanto ao requerimento de relaxamento da prisão, com fundamento na audiência de custódia, não assiste a razão à defesa ante ausência de previsão no CPP e na lei especial. Ressalte-se que o Pacto São José da Costa Rica exige que o preso seja apresentado à autoridade judicial sem qualquer fixação de prazo para esta ocorrência. Ademais, o mencionado Pacto não dispõe acerca de qualquer ilegalidade relativa a não apresentação do preso no momento pretendido pela defesa, o que se coaduna com a realidade, eis que absolutamente inviável a realização da audiência imediatamente após a prisão de cada réu. Por todo o exposto, indefiro o pedido de relaxamento da prisão preventiva dos acusados Ueslei e Rafael”. Concessa maxima venia, ressoa absurdo e teratológico o decisum em questão. Em primeiro lugar, porque a ausência de expressa previsão legal deste imprescindível ato procedimental no C. P. P. Não pode ser manejado para inviabilizar a sua ocorrência, uma vez que, figurando o Brasil como signatário destes acordos e tendo ratificado, por seu Legislativo, os respectivos conteúdos, as normas daí advindas não são inexistentes, como quer fazer crer a nobre Autoridade coatora, mas sim, presentes e de hierarquia equivalente a dos primados constitucionais. Aliás e a esse respeito, mas seguindo o equivocado raciocínio desenvolvido pelo Juízo de piso, caberia a lembrança de que vários são os princípios constitucionais que não receberam assento formal no Código de Processo Penal e, nem por isso, a existência ou eficácia destes pode ser discutida ou questionada. Pois, no caso vertente, acontece exatamente a mesma coisa! Em segundo lugar, ofende a sensatez e a razoabilidade a argumentação sustentada pelo Juízo de piso a partir da qual não foi realizada a Audiência de Custódia porque inexiste prazo fixado para tanto. Relembre-se que tanto a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art. 7º, 5) — “Toda a pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo”, como o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (art. 9º, 3) - “Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgado em prazo razoável ou de ser posta em liberdade. A prisão preventiva de pessoas que aguardam julgamento não deverá constituir a regra geral, mas a soltura poderá ser condicionada a garantias que assegurem o comparecimento da pessoa em questão à audiência, a todos os atos do processo e, se necessário for, para a execução da sentença”, estabelecem que tal imprescindível iniciativa para se assegurar o resguardo à integridade física e psíquica do preso determinam que isto se dê sem demora, a significar, de imediato, ou seja, num prazo de até 24 (vinte e quatro) horas, já que qualquer outra metrificação de tempo ofenderá a mens legis. Outro não é o entendimento contido no Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade (item 44) que trata especificamente da necessidade de realização da audiência de custódia: “Criação da audiência de custódia no ordenamento jurídico brasileiro para garantia da apresentação pessoal do preso à autoridade judiciária em até 24 horas após o ato da prisão em flagrante, em consonância com o artigo 7º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José de Costa Rica), à qual o Brasil se vinculou em 1992”. Também seguiu este norte o Projeto de Lei nº 554/2011 do Senado Federal, que trata de alteração ao texto vigente do art. 306 do C. P. P., visando combater e prevenir a tortura e outros tratamentos cruéis, quando alinha que: “... O Pacto de Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana de Direitos Humanos trazem obrigações internacionais para o Estado brasileiro, de reconhecimento, respeito e proteção às garantias dos cidadãos, que podem invoca-las a qualquer instante. Seja qual for o motivo de uma prisão, há o direto da pessoa presa exigir ser levada à presença de um juiz, ou de uma autoridade judicial ‘sem demora’ (...) O estabelecimento de 24 (vinte e quatro) horas para apresentar ao Juiz competente a pessoa privada de liberdade constitui prazo razoável, considerando que a própria lei processual penal já determina que o auto de prisão em flagrante seja enviado à autoridade judicial dentro deste espaço de tempo, após a efetivação da prisão... “E como se tudo isto não bastasse, ainda consta do Boletim Informativo Eletrônico da Diretoria-Geral de Comunicação e de Difusão de Conhecimento deste Pretório, Edição nº 07 deste ano, do dia 16.01.2015, na sua principal matéria de destaque que: “O Conselho Nacional de Justiça, o Tribunal de Justiça de São Paulo e o Ministério da Justiça lançarão no dia 6 de fevereiro um projeto para garantir que presos em flagrante sejam apresentados a um juiz num prazo máximo de 24 horas. O ‘Projeto Audiência de Custódia’ consiste na criação de uma estrutura multidisciplinar nos Tribunais de Justiça que receberá presos em flagrante para uma primeira análise sobre o cabimento e a necessidade de manutenção desta prisão ou a imposição de medidas alternativas ao cárcere. O projeto teve o seu termo de abertura iniciado na quinta-feira (15), após ser aprovado pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal e do CNJ, Ministro Ricardo Lewandowski”. Em terceiro lugar e que também não pode ser chancelada está a mais do que absurda linha argumentativa, desenvolvida pelo Juízo de piso, segundo a qual “o mencionado Pacto não dispõe acerca de qualquer ilegalidade relativa a não apresentação do preso no momento pretendido pela defesa” (?!). Ora, o descumprimento de um primado afeto à garantia dos direitos humanos, contido em acordo internacional e cujo teor foi ratificado pelo Brasil, repise-se, ostenta hierarquia equivalente àquela concernente aos princípios constitucionais, parecendo incabível ingenuidade crer-se que o seu descumprimento restará impune e sem gerar consequências processuais imediatas. Por último, mas não menos importante, cabe descartar o argumento final e metajurídico, sustentado pelo primitivo Juízo, a partir do qual, considerou que a realização deste imprescindível ato não “se coaduna com a realidade, eis que absolutamente inviável a realização da audiência imediatamente após a prisão de cada réu” (?!). Este, permissa venia, é o absurdo dos absurdos! Isto porque não só não pode um Magistrado deixar de aplicar uma norma de status constitucional porque não tem meios materiais para tanto - como, por exemplo, seguir no julgamento de um feito, sem realizar a Instrução deste, porque, simplesmente, não possui meios de transportar réus presos e/ou intimar e requisitar a apresentação de testemunhas - como também tal avaliação não é da sua competência, mas sim, da Administração Superior deste Tribunal de Justiça, cabendo ao Juiz cumprir a lei e os primados constitucionais próprios, e, caso não possua condições concretas de realizar o seu mister, que acione a Colenda Presidência e a Egrégia Corregedoria-Geral deste Pretório, solicitando ajuda e demonstrando a imprescindibilidade da medida que precisa ser adotada. Por derradeiro e para sepultar o impróprio, indevido e equivocado juízo de infactibilidade material de condições à realização da Audiência de Custódia, segue-se na transcrição de outros dois parágrafos daquela matéria contida no Boletim Informativo Eletrônico deste Pretório, mencionado quatro parágrafos acima: “... O objetivo do projeto é garantir que, em até 24 horas, o preso seja apresentado e entrevistado pelo juiz, em uma audiência em que serão ouvidas também as manifestações do Ministério Público e da Defensoria Pública ou do advogado do preso. Durante a audiência, o juiz analisará a prisão sob o aspecto da legalidade, da necessidade e adequação da continuidade da prisão ou da eventual concessão de liberdade, com ou sem a imposição de outras medidas cautelares. O juiz poderá avaliar também eventuais ocorrências de tortura ou de maus-tratos, entre outras irregularidades...”. Assim e diante da mais do que flagrante ilegalidade advinda da opção de ignorar e de negar a validade e necessidade da realização da Audiência de Custódia, DEFIRO a liminar pretendida e determino a expedição de Alvará de Soltura condicionado em favor do Paciente, U. H. A.. Deixo de impor aos mesmos o cumprimento das cautelares alternativas à prisional, em face da ilegalidade ora sanada na medida segregacional. Comunique-se o inteiro teor da presente ao Juízo originário. Após, à douta Procuradoria de Justiça. Luiz Noronha Dantas - Relator."
A propósito, e apesar de longo, vale transcrever o artigo de Cláudio do Prado Amaral ("Da audiência de custódia em São Paulo"), publicado no Boletim - 269 – ABRIL/2015 do INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS:
"Na primeira página do Diário da Justiça de 27.01.2015 foi publicado o Provimento conjunto 03/2015, da Presidência e da Corregedoria do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). O provimento determina a implementação gradativa da audiência de custódia, em todo o Estado de São Paulo, conforme cronograma. Assim, com 23 anos de atraso, finalmente o Brasil começa a dar efetividade ao disposto no art. 7.º, item 5, da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH ou Pacto de San Jose da Costa Rica), o qual determina que “toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais”. Embora já estivesse sedimentado na doutrina e na jurisprudência do STF (1) que a CADH é direito interno, de grau supralegal e infraconstitucional, o art. 7.º, item 5 jamais foi aplicado no solo brasileiro em caráter vinculante. Nunca foram anuladas as prisões preventivas originárias de prisão em flagrante cujo preso não foi apresentado sem demora ao juiz para audiência de custódia. Ante a iniciativa do TJSP, surgem justas expectativas de avanços e dúvidas naturais. Direitos Humanos e Direito Processual Penal dialogam estreitamente entre si e são extremamente sensíveis um ao outro, tendo em vista as consequências recíprocas de seus âmbitos de ação. Diversos direitos humanos afirmados em tratados internacionais dos quais o Brasil faz parte, todavia, ainda carecem de efetividade. Quando esses direitos carentes de efetividade se imbricam com o processo penal, o resultado é a falta de efetividade do próprio direito processual. Logo, a palavra de ordem na atualidade é efetividade. A fase afirmativa de direitos humanos já se encontra consideravelmente consolidada. Não é por outra razão que os movimentos sociais têm se interessado mais pela efetividade que pela afirmação desses direitos, em busca de mecanismos que possibilitem a almejada concretude. O Provimento 03/2015 surge como mola propulsora para a efetivação de promessas que existiam apenas no papel e nas mentes mais bem intencionadas. A inversão hierárquica pode causar surpresa: embora a CADH já fosse direito interno, foi necessária a edição de uma norma jurídica de nível hierárquico muito inferior (uma portaria), para dar vida à audiência de apresentação prevista no Pacto de San Jose. Apesar da inversão, o fenômeno espelha uma situação que não é rara. Muitos países, como o Brasil, aderem e assinam, com relativa facilidade, diversos acordos ou tratados internacionais, nos quais reconhecem e afirmam direitos humanos. Todavia, o fazem já sabendo que a efetivação desses direitos representa um demorado e custoso processo social de concretização. Por vezes essa concretização é alcançada por meio de mecanismos que representam argumentos de autoridade. Isso já ocorreu, entre nós por exemplo, em tema de execução penal, quando em 2007 a presidência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) promulgou a Resolução 47, obrigando ao juízes de execução penal a cumprir o art. 66, VII, da LEP. O argumento de autoridadeadmiteuso pragmático. Nesses casos, funciona como um dispositivo de estratégia de “redução de complexidade”, economizando tempo e esforço para a efetivação de uma verdade que os movimentos sociais não conseguiriam realizar sozinhos ou somente ao custo de muito tempo e esforço. A apresentação do imputado preso diante de um magistrado é um procedimento reconhecido em diversos ordenamentos jurídicos. Chamada de first appearence no direito estadunidense, tem como principais finalidades informar ao preso sobre a acusação que lhe é feita, sobre seu direito ao aconselhamento/assistência por um profissional, bem como o exame sobre a possibilidade de fixação de fiança ou outros vínculos que possibilitem o imputado responder ao processo em liberdade. Seguindo a regra de que essa audiência deve ocorrer “sem demora” (without unnecessary delay), não costuma demorar mais que 72 horas. No direito italiano está prevista a udienza di convalida; na hipótese de prisão em flagrante, a polícia coloca o preso à disposição do Ministério Público, em até 24 horas. Este, por sua vez, caso entenda que a prisão em flagrante é devida, pede ao juiz a sua convalidação. Tal pedido deve ser feito no prazo de 48 horas a partir do momento da efetiva privação de liberdade da pessoa. Segue-se o dever de o juiz realizar a audiência de convalidação em até 48 horas, tendo por fins verificar: (a) a “legitimidade” da prisão em flagrante; e (b) a possibilidade de aplicação de medidas cautelares diversas da prisão. Na Alemanha, todo aquele que for detido por iniciativa da polícia deve ser levado à presença do juiz no máximo um dia após o encarceramento. O provimento do TJSP fixa o prazo de 24 horas, contado desde o momento da prisão em flagrante, para a autoridade policial apresentar o preso – juntamente com cópia do auto de prisão em flagrante – perante o juiz, para participar da audiência denominada “de custódia” (arts. 1.º e 3.º). A apresentação do preso em 24 horas, contudo, nem sempre ocorrerá. Estão previstas exceções transitórias, pois válidas somente até melhor estruturação das rotinas de transferências de presos. Assim, inicialmente, não se realizará audiência de custódia aos sábados, domingos, feriados, nos dias úteis (fora do expediente forense normal), nem aos finais de semana que incidirem no período de recesso, que vai de 20 de dezembro a 6 de janeiro. Embora o Provimento 03/2015 nada mencione, é evidente que o horário da apresentação do preso em juízo deverá ser certificado nos autos. A normativa também não diz qual é o prazo para a realização da audiência após a apresentação do preso. Cumprindo-se a letra e o espírito da CADH, referida audiência deverá ser realizada “sem demora”. Isso significa que deverá receber encaixe na pauta de audiência do mesmo dia da apresentação. Pode ocorrer que um auto de prisão em flagrante seja realizado pela manhã, às 11 horas, sendo a audiência realizada no mesmo dia, às 16 horas. Caso essa audiência seja anulada (por exemplo, por não ter se assegurado que o preso se entrevistasse com seu defensor previamente), a audiência poderá ser renovada, desde que até as 11 horas do dia seguinte, respeitando-se, assim, o prazo de 24 horas para a apresentação em juízo. E se tais marcos temporais não forem cumpridos? A normativa também não diz qual é a consequência. Todavia, outra não pode ser, senão a colocação do preso em liberdade.(5) De um lado ocorre violação da garantia da necessidade de ordem motivada do juiz para o aprisionamento. De outro lado, desrespeita-se o princípio da duração razoável do processo (rectius do aprisionamento pré-cautelar), por constrangimento ilegal decorrente de excesso de prazo. A audiência de custódia é um ato pré-processual, judicializado, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa estabelecido em favor do preso. Trata-se, portanto, de uma garantia do cidadão contra o Estado. Em diversos julgados, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) afirmou que a apresentação sem demora do preso ao juiz para audiência “é essencial para a proteção do direito à liberdade pessoal (...) e a outros direitos, como a vida e a integridade pessoal”, “evitar capturas arbitrárias ou ilegais”, bem como para autorizar a adoção de medidas cautelares diversas da prisão, a fim de que a prisão provisória somente seja aplicada “quando for estritamente necessária”, “objetivando-se de modo geral que o imputado seja tratado de modo condizente com a presunção de inocência”. Podem ser extraídas quatro finalidades do Provimento 03/2015, que são ao mesmo tempo técnicas e de política criminal, todas adequadas à CADH e às orientações da CIDH. A primeira é garantir que o preso se entreviste com seu defensor “por tempo razoável” antes da audiência. A segunda consiste em reforçar a obrigação que cabe a todo magistrado de exercer a função de garantidor do processo penal constitucional, examinando detidamente o contexto do aprisionamento, e, assim, relaxando a prisão em flagrante ilegal, ou caso seja legal, velando pelo princípio da excepcionalidade da prisão preventiva, seja pelo zelo no exame da possibilidade de concessão de liberdade provisória destrelada de qualquer medida cautelar, ou não sendo isso possível, concedendo liberdade provisória atrelada às medidas cautelares que forem suficientes e necessárias. Também é claro o objetivo do provimento consistente em reafirmar o dever judicial de primeiro guardião dos direitos humanos do preso. Por isso, consta do art. 7.º que, diante das informações colhidas na audiência de custódia, caberá ao magistrado requisitar os exames clínico e de corpo de delito da pessoa presa, caso conclua sejam necessários para “apurar possível abuso cometido durante a prisão em flagrante, ou a lavratura do auto”, “determinar o encaminhamento assistencial, que repute devido”, sem prejuízo de outras medidas para a apuração de violação e de resguardo dos direitos humanos do detido. A quarta finalidade do provimento citado, extraída de seus consideranda, consiste em contribuir de modo significativo para a redução da quantidade de presos provisórios no sistema prisional paulista, e, consequentemente, cooperar para diminuir a hiperlotação nas unidades prisionais. A audiência de custódia realiza-se somente após assegurado o direito de o preso se entrevistar com seu advogado ou defensor público por tempo razoável, isto é, que lhe permita adequadamente expor o que ocorreu e ser devidamente orientado. Uma vez iniciada a audiência, o juiz informará o detido sobre seu direito de se manter em silêncio e não responder às perguntas que lhe forem feitas. Caso o preso se mantenha em silêncio, nenhum prejuízo deverá sofrer, pois se trata de um direito fundamental estabelecido na Constituição Federal em favor do indivíduo e contra o Estado. A seguir, o juiz o indagará sobre sua qualificação, condições pessoais, “tais como estado civil, grau de alfabetização, meios de vida ou profissão, local da residência, lugar onde exerce sua atividade, e, ainda, sobre as circunstâncias objetivas da sua prisão”. Não estão previstas reperguntas por parte do Ministério Público (MP) ou da defesa. Todavia, nada impede, antes é salutar, que sejam permitidas. Finalizada a entrevista, o juiz ouvirá o MP, o advogado ou o Defensor Público, sobre a legalidade da prisão e sobre a cautelaridade, devendo decidir nos termos do art. 310 do CPP. Na hipótese extrema de prisão preventiva, o juiz deverá (não é uma faculdade) examinar se cabe o disposto no art. 318 do CPP, a fim de substituí-la pela prisão domiciliar. A audiência de custódia será gravada em mídia. Deve ser lavrado termo escrito e sucinto contendo “o inteiro teor da decisão proferida pelo juiz”. Todavia, faculta-se ao juiz determinar que tudo o que se passou na audiência seja integralmente reduzido a escrito, explicitando-se todos os atos praticados. De todo modo, “a gravação original será depositada na unidade judicial e uma cópia instruirá o auto de prisão em flagrante”. Portanto, trata-se de ato permeado pelo direitos constitucionais à informação, ao silêncio, à ampla defesa, ao contraditório e à publicidade. A violação a quaisquer desses direitos acarretará a anulação do ato, e caso sua renovação não seja possível no mesmo dia ou após 24 horas contadas desde a detenção efetiva, o preso deverá ser colocado em liberdade. O disposto na parte final do caput do art. 6.º e do § 1.º merece especial atenção, pois impõe interditos cognitivos. Desse modo, em suas perguntas, o juiz limitar-se-á a indagar sobre “as circunstâncias objetivas da sua prisão”, sendo que “não serão feitas ou admitidas perguntas que antecipem instrução própria de eventual processo de conhecimento”. Tais limites são devidos porque o momento processual é de cognição limitada à verificação da legalidade da prisão em flagrante e à empenhada tentativa de concessão de liberdade provisória. Qualquer outra consideração implicaria indevida antecipação de elementos de convicção sobre o mérito, e, dessa forma, acarretaria a contaminação psicológica do julgador, o qual se tornaria debilitado em equidistância, imparcialidade e equilíbrio para apreciar o caso em momentos futuros de maior espaço cognitivo. Não se trata de um “interrogatório”, mas, sim, de uma “entrevista”. Por isso, o julgador não deve fazer perguntas ao preso sobre ter ele cometido ou não o fato. E se o fizer MP e defesa deverão protestar. Não se busca saber quem foi o autor do fato, mas, sim, de que modo foi feita a prisão do suposto autor. É vedado indagar: “o sr. Praticou o crime?”. Em lugar disso, deve-se perguntar: “como, onde e quando o sr. Foi preso?”. Certamente, haverá casos nos quais forçosamente serão examinados aspectos objetivos tendentes ao mérito, porque indissociáveis do exame da legalidade do estado de flagrância. Assim, por exemplo, será difícil não ocorrer alguma cognição mais ampla nos casos de flagrante presumido, pois cabe ao juiz examinar situações cuja legalidade está vinculada à proposição de que a pessoa presa foi perseguida ou encontrada em um contexto que a fizesse presumidamente autora da infração (art. 302, III e IV, do CPP). Em tais casos, a prudência deve ser redobrada, a fim de que não se promova um interrogatório antecipado. E ademais, o julgador e as partes deverão ter sempre em mente que: (a) a entrevista feita na audiência de custódia existe para preservar direitos do preso e não para prejudicá-lo; e (b) o âmbito de cognição sobre a “presunção de autoria” é sumário e limitado ao exame de aspectos objetivos óbvios, cristalinos e evidentes, os quais permitam presumir com a mesma tranquilidade que se presume que durante o dia há claridade. O advento formal da audiência de custódia revela verdadeiro e louvável esforço institucional do TJSP para dar efetividade a um processo penal orientado por princípios constitucionais. O fato de se criar um momento no qual a pessoa recém detida e o juiz colocam-se frente a frente dá ensejo a um ato processual que permite o aguçamento dos sentidos e da humanidade do julgador. A medida, contudo, depende em sua maior parte da direção que os magistrados darão ao procedimento, ou dito de outro modo, dependerá da política criminal que cada juiz vier a aplicar ao velho-novo instituto."
Lembre-nos que há lei, aliás "supra-lei" a autorizar a audiência de custódia! Oxalá, a iniciativa espalhe-se pelos demais Tribunais de Justiça do País, assegurando-se a integridade física do presos em flagrante, ora "flagrantemente" ignorada, inclusive pelo Ministério Público, órgão responsável pelo controle externo da atividade policial. Ou não?
O Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil assinaram termo de cooperação técnica no dia 27 de abril de 2015 para estimular a instalação das chamadas audiências de custódia pelo país. A proposta é fazer com que presos em flagrante sejam ouvidos em 24 horas por juízes, em encontros presenciais com a participação de defensores e de membros do Ministério Público. A Ordem dos Advogados do Brasil comprometeu-se a criar núcleos voluntários de advocacia para atuar em comarcas onde a Defensoria Pública não atue, assumindo a defesa quando o preso estiver sem representante particular. Também planeja criar diretrizes para suas seccionais orientarem e capacitarem advogados sobre como participar da iniciativa. O Conselho Nacional de Justiça, por sua vez, diz que vai dar suporte aos tribunais de Justiça e tribunais regionais federais que adotarem as audiências de custódia, além de incentivar que as cortes escalem número suficiente de magistrados e servidores para trabalhar no projeto. A assinatura foi feita durante a abertura da VI Conferência Internacional de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, em Belém (PA). Em até 30 dias, o Conselho Nacional de Justiça e a Ordem devem apresentar um plano de trabalho para implementar as ações previstas no termo.
Em outra oportunidade, o então Presidente do Conselho Nacional de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, Ministro Ricardo Lewandowski, reuniu-se com presidentes de Tribunais de Justiça de todo o País (dia 05 de maio de 2015) para incentivar o combate à cultura do encarceramento por meio da concretização do projeto Audiências de Custódia. A reunião ocorreu momentos antes do lançamento do projeto Cidadania nos Presídios, em Brasília. Com referência especial aos dirigentes de tribunais que já foram visitados pela equipe do Conselho Nacional de Justiça e tiveram conhecimento do projeto, o Ministro Lewandowski ganhou o apoio de mais estados e obteve o compromisso de novas execuções do projeto até o final do primeiro semestre de 2015. Lançado experimentalmente em São Paulo em fevereiro, o programa já reduziu em 45% o número de prisões provisórias no estado desde então. “Ao desenvolvermos esse projeto, vamos conseguir mudar completamente a realidade horrorosa das prisões no Brasil. Faço um apelo para partirmos na frente, mostrando que o Judiciário tem condições de fazer coisas novas”, disse o Ministro. Segundo Lewandowski, a proposta de apresentar os presos ao juiz no prazo de 24 horas dá um tratamento revolucionário e eficaz às determinações do Pacto de San Jose da Costa Rica, internalizado pelo Brasil em 1992. Ele destacou que os 600 mil presos do Brasil representam a quarta maior população carcerária no mundo. “Hoje a situação está insustentável”, ponderou. O ministro incentivou os presidentes a fortalecerem as discussões nos grupos de trabalho constituídos para a implementação do projeto, dialogando com os respectivos magistrados e com os demais atores do Judiciário e dos Executivos estaduais. Segundo o ministro, mesmo com os eventuais desafios, a transformação da realidade carcerária interessa a todos. Além da redução no número de prisões provisórias desnecessárias, o Ministro Lewandowski destacou que o projeto coíbe a prática de tortura policial e acaba facilitando o trabalho de todos os atores de Justiça com a antecipação de fases processuais, reforçando a pauta dos direitos individuais no processo penal. “Precisamos nos conscientizar sobre a importância da audiência de custódia, pois resolver o problema da superlotação é dever de todos e isso não é algo conquistado do dia para a noite. É importante que façamos esse esforço para que nos tornemos exemplo para o mundo”, apontou o Ministro. O êxito do projeto foi confirmado pelos Presidentes dos tribunais do Maranhão, Cleonice Freire, e de Minas Gerais, Pedro Bitencourt Marcondes. Com exceção do Maranhão, que já vem praticando um modelo local das audiências de custódia, Minas Gerais, Amazonas, Tocantins, Mato Grosso, Paraíba, Piauí, Ceará, Pernambuco, Paraná, Rio de Janeiro e Distrito Federal estão em vias de institucionalização do projeto. Em São Paulo, as audiências de custódia estão em vigor desde fevereiro de 2015. O presidente do CNJ e do STF sugeriu que detalhes sobre o programa Audiências de Custódia sejam discutidos nas próximas reuniões do Colégio de Presidentes das cortes estaduais. “A ideia é que a experiência de cada tribunal possa aperfeiçoar o projeto”, concluiu.
Desde fevereiro do ano de 2015, quando teve início o projeto piloto de audiência de custódia em São Paulo, as alternativas penais têm sido apontadas como uma importante estratégia para combater a superlotação dos presídios. Com o argumento de dar alternativas para que o juiz não mantenha encarcerada toda pessoa presa em flagrante, o modelo do projeto piloto previu que seriam criadas estruturas para a aplicação de alternativas penais. Apesar de órgãos como o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Departamento Penitenciário Nacional (Depen/MJ) falarem cada vez mais em alternativas penais, este é um tema ainda pouco compreendido e bastante carente da produção de dados que comprovem o potencial de as alternativas previstas realmente enfrentarem o cenário de presídios superlotados. Nesse sentido, a iniciativa do Depen e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) de pesquisar a aplicac?a?o e a execuc?a?o das penas e medidas alternativas pelo sistema de justic?a brasileiro foi muito bem recebida pela sociedade civil interessada no fortalecimento de políticas públicas que enfrentem a alta taxa de encarceramento atual. A pesquisa foi iniciada em 2011 e elaborou diagno?sticos de natureza quantitativa e qualitativa sobre o fluxo da justiça criminal, incluiu a observação de audiências e a realização de entrevistas com magistrados e funcionários do sistema de justiça criminal. Parte dos resultados dessa pesquisa veio a público no dia 26 de novembro de 2014, durante o Seminário Nacional de Alternativas Penais, realizado em Brasília pelo Depen/MJ. Na ocasião, foi distribuído o sumário executivo da pesquisa e realizada uma mesa de debate sobre os resultados, da qual o ITTC participou. No dia 25 de março, a versão completa do relatório finalmente foi divulgada. De modo geral, as conclusões mais contundentes da pesquisa desvelam os mecanismos pelos quais opera nosso massivo sistema de aprisionamento. Em primeiro lugar, temos que a principal porta de entrada no sistema penitenciário é a prisão em flagrante. De acordo com o IPEA, 59,2% das denúncias criminais recebidas pelos tribunais referiam-se a inquéritos policiais abertos somente depois da prisão em flagrante, isto é, que não se baseavam em investigações prévias. Essa problemática da desvinculação entre prisão e investigação prévia é reforçada pelo fato de a maioria dos inquéritos instaurados e concluídos terem sido conduzidos por delegacias circunscricionais (77,3%), responsáveis por determinada região, e não por delegacias especializadas. Ou seja, em geral os inquéritos foram feitos por delegacias cuja competência abrange um número muito grande de responsabilidades, nas quais, em função da escassez de efetivos e de recursos, o trabalho é essencialmente reativo às ocorrências relatadas pela população. Nessas unidades, boa parte do que é feito consiste na busca das pessoas já conhecidas dos policiais. A predominância do chamado “policiamento por suspeição” é ainda fundamental para problematizar os dados sobre reincidência, geralmente divulgados com bastante alarde para denunciar o fracasso da missão ressocializadora do sistema prisional. Sendo a maioria dos inquéritos conduzidos por delegacias para as quais investigação é sinônimo de relacionar as ocorrências relatadas às pessoas com registros criminais, não é difícil concluir que o fato de uma pessoa (ou um familiar seu) já ter tido contato com o sistema de justiça a torna uma fortíssima candidata a passar por novo processo penal, independentemente de sua conduta individual. Assim, essa pesquisa do IPEA sugere que elevadas taxas de reincidência dizem menos sobre a capacidade de a prisão modificar comportamentos e muito mais sobre as engrenagens viciadas do sistema de justiça criminal. A prisão em flagrante é tão explicativa sobre o funcionamento da justiça criminal pelo motivo de a postura dominante do Judiciário ser a de chancelar a atuação da polícia, convertendo em prisão preventiva as prisões feitas em flagrante. Apesar de muitos juízes alegarem que têm soltado acusados por crimes apenados com penas baixas, a análise dos processos criminais feita pela equipe do IPEA revelou que há processos envolvendo furtos de valores insignificantes cometidos por réus primários em que se manteve a prisão preventiva, principalmente quando o réu estava em situação de rua. A atuação seletiva da justiça criminal que privilegia o ponto de vista da repressão policial foi notada pelos pesquisadores do IPEA também em razão da presença massiva de policiais como testemunhas nas mais diferentes localidades. Para os juízes, os policiais, tanto civis quanto militares, devem ser ouvidos porque são os profissionais que estão na ponta enquanto que os juízes, na “linha de produção” da justiça criminal, se veem como a última parte da esteira. A prisão como pena move-se pela lógica da comprovação jurídica de que uma pessoa é responsável por um determinado crime, ao passo que a prisão cautelar dirige-se principalmente à proteção de uma ordem pública abstrata, para a qual as figuras mais ameaçadoras são pessoas jovens, negras ou pardas, e socialmente vulneráveis. O modo como o Judiciário apenas carimba a escolha política da polícia sobre quem reprimir é nítido nos dados do IPEA que demonstram que a conduta de praticamente quatro em cada dez pessoas mantidas presas cautelarmente não foi considerada passível de receber uma condenação à prisão ao final do processo. Projetando este número para a quantidade de presos provisórios em dezembro de 2013 (Infopen), isso significa dizer que são cerca de 90 mil homens e mulheres mantidos encarcerados apesar de até mesmo um Judiciário conservador ser capaz de concluir que falta fundamento para aplicar pena de prisão para essas pessoas. A despeito do sucesso para demonstrar a forma abusiva como a prisão cautelar vem sendo aplicada, os resultados da pesquisa são insuficientes para problematizar especificamente o desenvolvimento da política nacional de alternativas penais. Ao contrário da pesquisa realizada pelo Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente (ILANUD) em 2006, os dados produzidos pelo IPEA partiram do pressuposto da validade da ampliação do recurso às alternativas penais, deixando de lado o questionamento sobre a aptidão das alternativas para reduzir as taxas de encarceramento. Para o ITTC, a defesa das alternativas penais como ferramenta de política criminal está condicionada à sua capacidade de reduzir o encarceramento sem, por meio disso, gerar expansão de outros mecanismos de controle penal. Fonte: http://canalcienciascriminais.com.br/artigo/as-engrenagens-do-carcere/
O Conselho Nacional de Justiça arquivou no dia 05 de maio de 2015manifestação da Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (Anamages) que criticava a implantação das audiências de custódia. A entidade apontava várias dificuldades para efetivar do projeto. Para a associação de magistrados, a iniciativa pode afetar a segurança pública, sob a alegação que a medida iria "retirar policiais das ruas e delegacias". Também iria aumentar a judicialização e encargos administrativos dos juízes e o número de reclamações disciplinares advindas dos advogados contra juízes que decidirem manter a custódia, além de fazer com que o preso se sinta forçado a negar agressões sofridas entre o momento da detenção e sua apresentação ao juiz. Conselheiro Fabiano Silveira aponta que projeto tem o condão de inibir a prática de tortura e tratamento cruel aos presos. O conselheiro do CNJ Fabiano Silveira, relator do caso, afirmou que as argumentações da Anamages não prosperam. Para ele, o atual sistema — sem as audiências de custódia — não assegura a adequada proteção aos presos, o que é mostrado nos projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional com o objetivo de aperfeiçoar a questão. Segundo Silveira, as audiências de custódia vão ao encontro das convenções internacionais, como a Corte Interamericana de Direitos Humanos, que ressalta que o controle judicial imediato é meio para evitar prisões arbitrárias e ilegais.“Nessa linha, o artigo 306 do Código do Processo Penal, que estabelece apenas a imediata comunicação ao juiz de que alguém foi detido, bem como a posterior remessa do auto de prisão em flagrante para homologação ou relaxamento, não é suficiente para dar conta do nível de exigência estabelecido nas convenções internacionais”, diz o relatório do conselheiro. No que tange ao argumento de que os presos poderiam ser constrangidos a negar maus-tratos e violências, Silveira é categórico em afirmar que o projeto é um “marco no sentido da evolução civilizatória do processo penal brasileiro e humanização do sistema jurídico-penal”.“Ao contrário do mencionado pelo Requerente no ponto 7 da petição inicial, a referida audiência tem, sim, o condão de inibir a prática de atos de tortura, tratamento cruel, desumano e degradante”, completa. Outras questões apontadas pela Anamages são as dificuldades logísticas e geográficas que podem ocorrer em comarcar do interior de cada estado e da região Norte do país. O relator refutou tal argumentação, alegando que o projeto está em fase piloto. “A adoção do projeto é progressiva e escalonada, e leva em consideração a necessidade de disponibilização de recursos humanos e estrutura física necessária para sua implantação”, afirmou Silveira. Fonte: http://www.conjur.com.br/2015-mai-06/cnj-arquiva-manifestacao-anamages-audiencia-custodia
Só uma pessoa, de um total de 77 que foram autuadas, teve relaxamento de prisão no primeiro fim de semana de funcionamento do programa Audiência de Custódia no Espírito Santo. A prisão preventiva foi decretada para 32 pessoas. Outras 26 receberam a liberdade provisória sem o monitoramento eletrônico e 18 liberados, mas com a determinação de usar a tornozeleira eletrônica. Segundo a coordenadora do programa no estado, juíza Gisele Souza de Oliveira, a maior parte dos registros foram de roubo e comercialização de drogas, mas foram registrados também delitos referentes à Lei Maria da Penha, acidentes de trânsito e furto. “O movimento foi maior do que o esperado, sendo que na sexta-feira um número maior de prisões é registrado devido ao alto consumo de álcool e drogas”, disse. “Neste primeiro momento, estamos analisando o programa. Vamos realizar mudanças em algumas rotinas e avaliar o que funcionou e o que não deu certo, para ajustarmos”, acrescentou a juíza. O Judiciário do Espírito Santo começou a promover na sexta-feira (22/5) as audiências, que fixam prazo de 24 horas para juízes ouvirem presos em flagrante. O modelo foi desenhado pelo Conselho Nacional de Justiça. A ideia é que o juiz avalie se pode conceder liberdade ou aplicar medidas cautelares. A avaliação é feita no centro de triagem do Complexo Penitenciário de Viana, que recebe todas as pessoas autuadas em delito na Grande Vitória. O Espírito Santo é a segunda unidade da Federação a adotar o projeto, que funciona em São Paulo desde fevereiro deste ano. Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-ES. http://www.conjur.com.br/2015-mai-25/estreia-audiencias-custodia-es-mantem-41-prisoe
Por fim, atente-se que tramita no Senado o Projeto de Lei nº. 554 de 2011, de autoria do Senador Antonio Carlos Valadares que visa a alterar o § 1º do art. 306 do Código de Processo Penal, para determinar o prazo de vinte e quatro horas para a apresentação do preso à autoridade judicial, após efetivada sua prisão em flagrante.
Comentando este projeto de lei, Caio Paiva afirma:
"O Projeto de Lei do Senado nº 156/2009, responsável por estatuir o novo Código de Processo Penal brasileiro, foi aprovado naquela Casa no dia 08/12/2010, sendo posteriormente encaminhado à Câmara dos Deputados para revisão, em conformidade com o que dispõe o art. 65, caput, da Constituição Federal: “O projeto de lei aprovado por uma Casa será revisto pela outra, em um só turno de discussão e votação, e enviado à sanção ou promulgação, se a Casa revisora o aprovar, ou arquivado, se o rejeitar”. O art. 14, caput, do texto aprovado no Senado prevê o denominado “juiz das garantias”, responsável “pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário”, competindo-lhe, entre outras funções, a de “zelar pela observância dos direitos do preso, podendo determinar que este seja conduzido a sua presença” (inciso III). Tal dispositivo atende aos fins da CADH? Obviamente que não, pois, além de estabelecer que a condução do preso à presença da autoridade judicial consistirá numa faculdade do “juiz das garantias”, o Projeto do NCPP (Novo Código de Processo Penal) mantém o sistema cartorial quando regula o procedimento da análise do auto de prisão em flagrante. Vejamos:“Art. 553. Observado o disposto no art. 545, em até 24 (vinte e quatro) horas depois da prisão, será encaminhado ao juiz competente o auto de prisão em flagrante acompanhado de todas as oitivas colhidas.1º Cópia integral do auto de prisão em flagrante será encaminhada à Defensoria Pública no mesmo prazo de 24 (vinte e quatro) horas, salvo se o advogado ou defensor público que acompanhou o interrogatório já a tiver recebido.2º Também no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, será entregue ao preso, mediante recibo, a nota de culpa, assinada pelo delegado de polícia, com o motivo da prisão, o nome do condutor e o das testemunhas. Art. 554. Na ausência de autoridade no lugar em que se tiver efetuado a prisão, o preso será logo apresentado à da comarca mais próxima. Art. 555. Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, deverá:I – relaxar a prisão ilegal; ouII – converter, fundamentadamente, a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os seus pressupostos legais; ouIII – arbitrar fiança ou aplicar outras medidas cautelares mais adequadas às circunstâncias do caso;IV – conceder liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a todos os atos do processo, sob pena de revogação. Parágrafo único. A concessão de liberdade provisória na forma do inciso IV do caput deste artigo somente será permitida se o preso for pobre e não tiver condições de efetuar o pagamento da fiança”. O NCPP não avança, portanto, em nada na matéria, mantendo a legislação processual penal do Brasil refratária aos Tratados Internacionais de Direitos Humanos. A possibilidade/faculdade de o juiz determinar que o preso lhe seja apresentado não veicula nenhuma novidade, pois, além de tal expediente decorrer – de forma implícita – do CPP de 1941, a Lei nº 7960/89, que dispõe sobre a prisão temporária, já estabelece há bastante tempo que “O Juiz poderá, de ofício, ou a requerimento do Ministério Público e do Advogado, determinar que o preso lhe seja apresentado, solicitar informações e esclarecimentos da autoridade policial e submetê-lo a exame de corpo de delito” (art. 2º, § 3º). Importante ressaltar, porém, que a realização da audiência de custódia foi objeto de debate (e rejeição) quando da tramitação do PLS 156/2009. Vejamos as duas emendas apresentadas pelo então Senador José Sarney a respeito do tema:“Emenda nº 170Dá-se a seguinte redação ao art. 551:Art. 551. Observado o disposto no art. 533, dentro em 24 (vinte e quatro) horas depois da prisão, será apresentado ao juiz competente o preso em flagrante, juntamente com o auto de prisão em flagrante acompanhado de todas as oitivas colhidas. Parágrafo único. Nas comarcas em que a autoridade judiciária não estiver presente todos os dias, o preso será apresentado na primeira oportunidade em que o juiz comparecer na comarca”A justificativa apresentada pelo Senador:“Há mais de uma década, desde a ratificação e promulgação internas, pelo Brasil, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de Nova Iorque, existe, em nosso ordenamento legal, o dever das autoridades policias rapidamente apresentarem a um juiz de direito, o preso em flagrante. Não é sem motivo que essa disposição consta dos diplomas internacionais, tratando-se de importantíssimo instrumento de combate à tortura policial. Além disso, o novo Código de Processo Penal deverá estar em sintonia com os referidos Diplomas Internacionais”. E a segunda emenda, de nº 171:“Dê-se a seguinte redação ao art. 553, que passa a ter a seguinte redação:Art. 553. Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz, na presença do preso e após ouvi-lo, deverá:(…) A justificativa:“Em consonância com o artigo 9º.3 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, e com o artigo 7º.5, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de Nova Iorque[4], deve o juiz (no caso do projeto, o ‘juiz das garantias’) decidir na presença do acusado, de seu defensor e do membro do Ministério Público sobre o relaxamento ou não do flagrante (na hipótese de haver nulidade), a sua manutenção ou revogação com a concessão de liberdade provisória mediante fiança ou sem fiança, ou ainda sobre a imposição de outra medida cautelar pessoal que seja substitutiva da prisão, que não somente o monitoramento eletrônico, mas qualquer outra medida menos intensa e invasiva”. Ambas as emendas apresentadas pelo então Senador José Sarney foram rejeitadas no relatório final do Senador (relator) Renato Casagrande, que assim se manifestou:“Não vemos em que a redação do art. 551 do projeto do novo CPP possa ferir tratados internacionais de que o Brasil é signatário. São as próprias normativas internacionais citadas na justificativa que abrem a possibilidade de que o preso seja conduzido à presença de ‘outra autoridade habilitada/autorizada por lei a exercer funções judiciais’, papel que em nosso ordenamento é exercido pelo delegado de polícia judiciária”. O citado relatório/parecer foi aprovado pelo Plenário do Senado Federal em 08/12/2010, rejeitando-se de vez, então, as emendas 170 e 171 propostas por José Sarney. A fundamentação utilizada pelo relator, no sentido de considerar o delegado de polícia “autoridade judicial” para fins de cumprimento da normativa internacional prevista na CADH, conforme já adverti aqui nesta Série, no texto “A quem o preso deve ser apresentado?”, é claramente equivocada e contradiz a jurisprudência da Corte Interamericana. Para que a audiência de custódia seja garantida no NCPP, resta aguardarmos que a Câmara dos Deputados suscite novamente a matéria." Fonte: http://justificando.com/2015/05/14/na-serie-de-audiencia-de-custodiaaprimeira-tentativa-no-novo-cpp
Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor de Direito Processual Penal da UNIFACS. Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela UNIFACS.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MOREIRA, Rômulo de Andrade. O Tribunal de Justiça de São Paulo acaba de rasgar o Pacto de São José da Costa Rica e o Pacto Internacional Sobre Direitos Civis e Políticos de Nova York e a desautorizar o Conselho Nacional de Justiça Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 jun 2015, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/2129/o-tribunal-de-justica-de-sao-paulo-acaba-de-rasgar-o-pacto-de-sao-jose-da-costa-rica-e-o-pacto-internacional-sobre-direitos-civis-e-politicos-de-nova-york-e-a-desautorizar-o-conselho-nacional-de-justica. Acesso em: 27 nov 2024.
Por: Adel El Tasse
Por: Eduardo Luiz Santos Cabette
Por: Eduardo Luiz Santos Cabette
Por: RICARDO NOGUEIRA VIANA
Por: Eduardo Luiz Santos Cabette
Precisa estar logado para fazer comentários.