O Supremo Tribunal Federal (STF) reafirmou jurisprudência no sentido de que não é necessária a comprovação de prejuízo material aos cofres públicos como condição para a propositura de ação popular. A decisão foi tomada pelo Plenário Virtual da Corte na análise do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 824781, que teve repercussão geral reconhecida.
Na origem, a ação popular (AP) foi ajuizada por um cidadão de Cuiabá (MT) contra o Decreto municipal 4.399/2006, que autorizou o aumento da tarifa de transporte público. Sustentou que o reajuste foi instituído em desacordo com as normas previstas na Lei Orgânica do município. Alegou, também, que o reajuste da tarifa resultou em aumento de gastos com subsídios às passagens de estudantes e outros beneficiários.
Na primeira instância, o processo foi extinto sem resolução do mérito sob o fundamento de que não havia prova da existência de lesividade ao patrimônio público, que seria, no entendimento do juiz, requisito essencial para a propositura da ação popular. Em grau de apelação, a sentença foi mantida pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJ-MT). Ambas as decisões, salientemos, contrárias ao que vinha entendendo o Supremo Tribunal Federal em suas últimas intervenções jurisdicionais. Assim, contra o acórdão da Corte estadual, o cidadão interpôs recurso junto ao STF.
Ao se pronunciar pela existência repercussão geral na matéria, o relator do processo, o ministro Dias Toffoli, observou que o tema ultrapassa os interesses subjetivos das partes, pois se trata de definir quais as condições para o exercício da ação popular, “importantíssimo instrumento de exercício da cidadania”.
Medidas ou requisitos restritivos que venham a acarretar a limitação do acesso da sociedade ao presente instrumento democrático de controle da atividade política (ação popular), representaria odioso retrocesso em tema que ainda precisamos avançar e muito, à nosso sentir. A participação da sociedade no processo politico deve ser incentivada pelo ordenamento e pela jurisprudência, precipuamente em um momento de profunda crise moral e de credibilidade das instituições de Poder.
“Embora divirjam as partes quanto ao conteúdo do próprio texto constitucional, o qual cuidou de disciplinar os requisitos para a propositura da mencionada ação constitucional, o tema retratado não é novo para esta Corte, como assentamos. O mérito da tese proposta nos autos foi decidido, em oportunidades diversas, pelas duas Turmas do Supremo Tribunal Federal no mesmo sentido, não havendo qualquer divergência sobre a interpretação da matéria por esta Corte”, destacou o ministro Dias Toffoli ao reafirmar a jurisprudência.
Impelir ao cidadão a comprovação de prejuízo aos cofres públicos como requisito para propositura da ação popular é o mesmo que inutilizar o instrumento constitucional pela dificuldade da preliminar obtenção da prova pelo cidadão comum. A ilegalidade do ato e a ofensa ao princípio da moralidade administrativa já se mostram suficientes para amparar a propositura da presente ação popular. A ação constitucionalmente prevista visa à defesa não apenas dos cofres públicos, mas também de princípios, como a moralidade administrativa. Entender de forma diversa significaria ignorar os requisitos estabelecidos no art. 5º, inciso LXXIII, daConstituição da República.
Pois bem, em sede de Ação Popular, protege-se, em suma, o interesse difuso (patrimônio histórico, cultural e meio ambiente) bem como o interesse geral (patrimônio público e moralidade administrativa). Portanto, os benefícios dessa ação é a comunidade, o povo enquanto titular do direito subjetivo que se pretende proteger.
AÇÃO POPULAR. ABERTURA DE CONTA EM NOME DE PARTICULAR PARA MOVIMENTAR RECURSOS PÚBLICOS. PATRIMÔNIO MATERIAL DO PODER PÚBLICO. MORALIDADE ADMINISTRATIVA. ART. 5º, INC. LXXIII, DACONSTITUIÇÃO FEDERAL. O entendimento sufragado pelo acórdão recorrido no sentido de que, para o cabimento da ação popular, basta a ilegalidade do ato administrativo a invalidar, por contrariar normas específicas que regem a sua prática ou por se desviar dos princípios que norteiam a Administração Pública, dispensável a demonstração de prejuízo material aos cofres públicos, não é ofensivo ao inc. LXXIIIdo art. 5º da Constituição Federal, norma esta que abarca não só o patrimônio material do Poder Público, como também o patrimônio moral, o cultural e o histórico. As premissas fáticas assentadas pelo acórdão recorrido não cabem ser apreciadas nesta instância extraordinária à vista dos limites do apelo, que não admite o exame de fatos e provas e nem, tampouco, o de legislação infraconstitucional. Recurso não conhecido (RE nº 170.768/SP, Primeira Turma, Relator o Ministro Ilmar Galvão, DJ de 26/3/99).
Da mesma forma, a Primeira Turma, no julgamento do RE nº 170.768, Relator o Ministro Ilmar Galvão, assentou que, para cabimento da ação popular, basta a ilegalidade do ato administrativo a invalidar, por contrariar normas específicas que regem a sua prática ou por se desviar dos princípios que norteiam da Administração Pública, dispensável a demonstração de prejuízo material aos cofres públicos, não é ofensivo ao inc. LXXIII do art. 5º da Constituição Federal, norma esta que abarca não só o patrimônio material da entidade pública, como também o patrimônio moral, o cultural e o histórico (DJ de 7/4/99).
Assim, o ministro se manifestou no sentido de conhecer do agravo e prover o recurso extraordinário para reformar o acórdão do TJ-MT, determinando o retorno dos autos à primeira instância para que seja processado e julgado o mérito da demanda.
A manifestação do relator quanto ao reconhecimento da repercussão geral foi seguida, por maioria, no Plenário Virtual, vencido o ministro Marco Aurélio como de costume, mas nesta oportunidade acompanhado pelo ministro Teori, que optaram por não acompanhara jurisprudência dominante sobre a matéria.
Sobre ação popular acrescemos:
Trata-se de um remédio constitucional pelo qual qualquer cidadão fica investido de legitimidade para o exercício de um poder de natureza essencialmente política, e constitui manifestação direta da soberania popular consubstanciada no art. 1º,parágrafo único, da Constituição: todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente. Sob esse aspecto é uma garantia constitucional política. Revela-se como uma forma de participação do cidadão na vida pública, no exercício de uma função que lhe pertence primariamente. Ela dá a oportunidade de o cidadão exercer diretamente a função fiscalizadora, que, por regra, é feita por meio de seus representantes nas Casas Legislativas. Mas ela é também uma ação judicial porquanto consiste num meio de invocar a atividade jurisdicional visando a correção de nulidade de ato lesivo; (a) ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe; (b) à moralidade administrativa; (c) ao meio ambiente; e (d) ao patrimônio histórico e cultural.
Será mais difícil a compreensão da moralidade administrativa, como fundamento para anular ato que a lese. A moralidade é definida como um dos princípios da Administração Pública (art. 37). Todo ato lesivo ao patrimônio agride a moralidade administrativa. Mas o texto constitucional não se conteve nesse aspecto apenas da moralidade. Quer que a moralidade administrativa em si seja fundamento de nulidade do ato lesivo. Deve-se partir da ideia de que moralidade administrativa não é moralidade comum, mas moralidade jurídica. Lembramos que nosso entendimento quanto aos termos da ilegalidade e/ou imoralidade a Constituição erigiu a moralidade administrativa em fundamento autônomo para a ação popular e numa categoria jurídica passível de controle jurisdicional, per se. A lei pode ser cumprida moralmente ou imoralmente. Quando sua execução é feita, p. Ex., com intuito de prejudicar alguém deliberadamente, ou com o intuito de favorecer alguém, por certo que se está produzindo um ato formalmente legal, mas materialmente comprometido com a moralidade administrativa.
Assim, não é condição da ação popular a menção na exordial e a prova de prejuízo material aos cofres públicos, posto que o art. 5º, inciso LXXIII, da Constituição Federal, estabelece que qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular e impugnar, ainda que separadamente, ato lesivo ao patrimônio material público ou de entidade de que o Estado participe, ao patrimônio moral, ao cultural e ao histórico.
Assim o processo deverá retornar à primeira instância, a fim de que seja devidamente processado e julgado, apreciando-se, caso inexistentes outros óbices de natureza processual, o mérito da demanda.
Advogado. Professor constitucionalista, consultor jurídico, palestrante, parecerista, colunista do jornal Brasil 247 e de diversas revistas e portais jurídicos. Pós graduado em Direito Público, Direito Processual Civil, Direito Empresarial e com MBA em Direito e Processo do Trabalho pela FGV.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SARMENTO, Leonardo. Supremo reafirma desnecessidade de comprovação de prejuízo aos cofres como requisito para ação popular Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 set 2015, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/2212/supremo-reafirma-desnecessidade-de-comprovacao-de-prejuizo-aos-cofres-como-requisito-para-acao-popular. Acesso em: 27 nov 2024.
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