RESUMO: O presente artigo visa analisar os desdobramentos provocados pela edição da Lei n.º 12.736, de 30 de novembro de 2012, que introduziu o parágrafo 2º ao artigo 387 do Código de Processo Penal, atribuindo ao juiz do conhecimento a competência para realizar a detração penal para fins de fixação do regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade. Serão examinados os desdobramentos provocados pela novel lei quanto à alteração de competência para análise da detração penal, à introdução de um novo capítulo na sentença penal condenatória, à inovação da disciplina da detração penal, como também a eventuais reflexos na prescrição penal.
PALAVRAS-CHAVE: Sentença penal condenatória; Detração penal; Prisão provisória; Prisão administrativa; Internação; Competência; Capítulo da sentença; Juízo do Conhecimento; Juízo da Execução; Fixação regime inicial de cumprimento; Princípio da Isonomia.
INTRODUÇÃO
No direito penal brasileiro, evita-se o bis in idem no cumprimento da sanção penal por intermédio do instituto da detração penal.
Prevê o artigo 42 do Código Penal que se computem “na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação em qualquer dos estabelecimentos referidos no artigo anterior”.
Para GUILHERME DE SOUZA NUCCI, detração penal “é a contagem no tempo da pena privativa de liberdade e da medida de segurança do período em que ficou detido o condenado em prisão provisória, no Brasil ou no exterior, de prisão administrativa ou mesmo de internação em hospital de custódia”.
Verifica-se, assim, que a finalidade da norma, segundo CLEBER MASSON, é evitar “o bis in idem na execução da pena privativa de liberdade”.
Desse modo, se alguém, for preso em flagrante pela prática de um crime, permanecendo segregado provisoriamente por dois anos até o trânsito em julgado da sentença condenatória, adquire o direito de ser descontado da pena definitiva o período em que ficou preso provisoriamente, a fim de cumprir apenas o restante da pena.
Esse importante instituto do direito penal recebeu novo regramento pela Lei n.o 12.736/12, o que se passa a analisar.
A REDAÇÃO DADA PELA LEI N° 12.736/12 AO ARTIGO 387 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
O artigo 387 do Código de Processo Penal prevê uma série de providências que o juiz do conhecimento deve tomar por ocasião da prolação de uma sentença condenatória. Antes do advento da Lei n.o 12.736/12, o dispositivo legal determinava que o juiz, na sentença, mencionasse todas as circunstâncias que influíssem na aplicação da pena (incisos I e II); aplicasse a pena de acordo com essas conclusões (inciso III); fixasse um valor mínimo para a reparação dos danos causados à vítima (inciso IV); atendesse os requisitos para eventual aplicação provisória de interdições de direitos e medidas de segurança (inciso V); por fim, determinasse a publicação integral ou parcial da sentença.
A Lei n.o 12.736/12, alterando o artigo 387, introduziu-lhe dois parágrafos, dentre eles o parágrafo 2º com a seguinte redação: “o tempo de prisão provisória, de prisão administrativa ou de internação, no Brasil ou no estrangeiro, será computado para fins de determinação do regime inicial de pena privativa de liberdade”.
A inovação legal ensejou uma série de mudanças, notadamente quanto à competência para apreciação da detração penal, bem como dos efeitos da detração na fixação do regime inicial de cumprimento da pena.
ALTERAÇÃO DA COMPETÊNCIA
Conforme esclarece RENATO BRASILEIRO DE LIMA, “antes da Lei n° 12.736/12, a detração era realizada apenas no momento da execução da pena, recaindo a competência sobre o juízo das execuções penais”, diante do quanto disposto no artigo 66, III, "c", da Lei n.° 7.210/84 – Lei de Execuções Penais.
MÁRCIO ANDRÉ LOPES CAVALCANTE ensina que, na sistemática anterior, após a condenação, a Secretaria do Juízo de Conhecimento expedia um documento chamado guia de execução, contendo diversas informações sobre o condenado, dentre elas o total da pena imposta e o tempo em que ficou preso cautelarmente, antes da condenação transitada em julgado. Essa guia de execução, juntamente com outros documentos, era encaminhada ao Juízo das Execuções Penais, onde se iniciava o processo de execução. Competia, então, exclusivamente ao magistrado desse Juízo analisar eventual detração penal, competindo também a apreciação da situação jurídica do reeducando, notadamente sobre progressão e regressão de regime, livramento condicional, detração e remissão da pena.
Com o advento da lei, foi criada uma competência concorrente entre o Juízo do Conhecimento e da Execução, retirando a exclusividade deste.
Tendo em vista a nova competência conferida ao juiz do conhecimento, defende REJANE JUNGBLUTH que a inovação legislativa seja interpretada de modo a criar um novo capítulo da sentença penal condenatória, posterior à fase da dosimetria da pena.
Assim, após o juiz de conhecimento discorrer sobre a materialidade e a autoria do crime, indicar a incursão da conduta criminosa, dosar a pena a ele aplicada, deverá computar o tempo de prisão provisória ou internação, descontando-o da pena definitiva encontrada.
EFEITOS DA NOVA DETRAÇÃO PENAL
Além de inovar quanto à competência do juiz do conhecimento, o novo parágrafo dá novo tratamento à detração penal, conferindo novos efeitos ao clássico instituto, na medida em que passa a determinar que seja aplicada a detração para fins de fixação do regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade.
Consta na exposição de motivos da novel lei que a alteração foi promovida para evitar situações em que o apenado tivesse “que aguardar a decisão do juiz da execução penal, permanecendo nessa espera em regime mais gravoso ao que pela lei faz jus”.
Diante da falta de clareza técnica do novo parágrafo, diversos entendimentos quanto aos efeitos da detração foram formulados.
A DETRAÇÃO PARA FINS DE FIXAÇÃO REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO
O Secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça MARIVALDO PEREIRA elucida que a Lei n.º 12.736/12 é resultado de um esforço do Governo no sentido de reduzir a quantidade de presos provisórios. Segundo ele, a medida tem como propósito “racionalizar o sistema de execução penal, fornecendo mecanismos eficazes ao reconhecimento célere de direitos e benefícios, e evitar o encarceramento desnecessário de pessoas cuja situação jurídica já lhes permite maior aproximação da liberdade”.
Segundo ele, a lei fundamenta-se no princípio da equidade e na vedação ao bis in idem, na medida em que “autoriza o juiz do conhecimento a efetuar o desconto já na sentença penal condenatória e ajustar o regime inicial de cumprimento da pena”.
Defende ainda que a lei apenas “antecipa o reconhecimento de direito legalmente assegurado sem a necessidade de esperar a burocracia do sistema de justiça, porquanto do sentenciado será, forçosamente, descontado o tempo de prisão provisória ou de internação”, não se tratando de “ampliação de qualquer benefício, mas de viabilização do reconhecimento de direito que será concedido em momento posterior”.
Para ilustrar a situação, MARIVALDO dá o seguinte exemplo: “se o indivíduo estiver preso provisoriamente há um ano e for condenado a seis anos em regime semiaberto, bastará ao juiz descontar o tempo de pena já cumprido e estabelecer o regime inicial adequado, qual seja, cinco anos em regime aberto”.
Além de o exemplo contar com um equívoco, já que o artigo 33, § 2o, “c”, do Código Penal define como parâmetro para a fixação de regime aberto a pena igual ou inferior a quatro anos, reafirma que a intenção do Governo Federal era mesmo a de fazer com que a fixação do regime inicial se desse a partir do desconto do período de prisão provisória da pena definitiva, de forma ainda mais benéfica do que uma progressão automática de regime.
Anteriormente, após o juiz do conhecimento aferir a materialidade e a autoria do crime, condenando o acusado como incurso em determinado tipo penal, procedia à dosimetria da pena privativa de liberdade. Com a pena fixada definitivamente, o juiz fixava o regime para o cumprimento da pena corporal utilizando exclusivamente os parâmetros previstos no artigo 33, § 2º, alíneas “a”, “b” e “c”, do Código Penal, conforme previsto pela Lei de Execuções Penais em seu artigo 110: “o Juiz, na sentença, estabelecerá o regime no qual o condenado iniciará o cumprimento da pena privativa de liberdade, observado o disposto no artigo 33 e seus parágrafos do Código Penal”. Observe-se que o supracitado artigo restringe-se a fixar como parâmetros para a escolha do regime inicial de cumprimento da pena o artigo 33 do Código Penal, não fazendo qualquer menção a artigo prevendo a aplicação da detração para esse desiderato. Ademais, o artigo 111 da Lei de Execuções Penais não determina a aplicação da detração para fins de fixação do regime inicial, apenas prevê que a determinação do regime de cumprimento será feito pela soma ou unificação das penas, considerando-se a detração e a remissão. De modo que a verificação da detração ou da remissão prestam-se não para a fixação do regime inicial de cumprimento, mas para eventual cumprimento do requisito temporal previsto no artigo 112 da Lei de Execuções Penais para a progressão de regime.
Antes da entrada em vigor da novel lei, não havia dúvidas quanto à utilização exclusiva da detração penal pelo Juízo da Execução fins de progressão do regime.
Em razão de tudo isso, perceba-se que descontar o tempo de prisão provisória, de prisão administrativa e de internação da pena definitiva para fins de fixação do regime inicial com fulcro no artigo 33 do Código Penal não é uma mera antecipação de um direito do condenado, mas é um tratamento inteiramente novo à detração, na medida em que criaria um instituto descarcerizador inédito.
Embora a isso, esse entendimento vem sido defendido também por doutrinadores de peso, tais como CEZAR ROBERTO BITENCOURT, para quem “a vantagem do novo texto legal reside no reconhecimento de que esse tempo “cumprido”, provisoriamente, deve ser, necessariamente, considerado na hora de fixar o crime de cumprimento de pena. Elogiável, no particular, essa previsão legal, que, no entanto, a praxis insistia em ignorar essa obviedade”.
É também favorável a esse entendimento NOBERTO CLÁUDIO PÂNCARO AVENA, para quem, “na atual sistemática processual, já ao proferir a sentença condenatória, cabe ao juiz, após a dosimetria da pena, incluir o tempo em que o condenado esteve recolhido em razão de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, de prisão administrativa ou de internação, determinando, a partir do quantum de pena obtido, o regime prisional em acordo com as regras do art. 33, §§ 2º e 3º, do CP.”
DA INCONSTITUCIONALIDADE DESSA INTERPRETAÇÃO
Acerca da progressão de regime, assevera o Promotor de Justiça CÉSAR DARIO MARIANO DA SILVA que “não é automática e depende do mérito do condenado (conduta carcerária e exame criminológico, se necessário)”.
Em razão disso, CÉSAR DARIO tece severas críticas à inovação, aduzindo que a lei “visa ao esvaziamento das prisões sem o menor compromisso com a ressocialização do condenado e muito menos com a segurança da sociedade, que terá de conviver com criminosos precocemente soltos”.
Defende o mencionado Promotor de Justiça que a Lei de Execuções Penais é especial em relação ao Código de Processo Penal, sendo de sua alçada o regramento legal concernente ao cumprimento da pena privativa de liberdade. Segundo ele, a lei prevê que o condenado cumpra a pena privativa de liberdade em etapas cada vez menos rigorosas até alcançar a liberdade, exigindo-se para cada progressão a análise do mérito do reeducando. Para ele, a eventual progressão de regime sem a aferição do merecimento do apenado viola diretamente a Constituição Federal, em seu artigo 5o, XLVI, que dispõe sobre a individualização da pena, já que somente com o preenchimento dos requisitos previstos no artigo 112 da Lei de Execuções Penais pode ser deferida a progressão de regime.
Defende CÉSAR DARIO que a lei não seja aplicada pelos juízes, sob a alegação de a lei ser inconstitucional, seja por violar o princípio do juiz natural, sob a alegação de ser a Lei de Execuções Penais especial em relação ao Código de Processo Penal, seja por violar o princípio da isonomia.
Esclarece a violação ao princípio constitucional da isonomia da seguinte maneira: “aquela pessoa condenada à pena privativa de liberdade e que tenha sido presa provisoriamente terá abatido o período pelo próprio Juiz da Condenação para fins de progressão, podendo ser diretamente promovida de regime sem a observância do mérito; ao passo que o condenado, que não tenha cumprido prisão provisória, deverá obter a progressão com o preenchimento dos requisitos do artigo 112 da Lei das Execuções Penais a serem analisados pelo Juiz das Execuções Criminais. Há, portanto, dois pesos e duas medidas, ou seja, pessoas sendo tratadas de forma totalmente diferente em situações iguais, violando, assim, o princípio constitucional da isonomia (art. 5º, “caput”, da CF)”.
A fim de tornar a situação ainda mais emblemática, tome-se por exemplo a situação de dois agentes não reincidentes, que, atuando com unidade de desígnios – concurso de agentes –, praticaram um estupro de vulnerável.
Como a pena mínima pelo mencionado crime é de 8 (oito) anos, caso ambos sejam condenados à pena de 8 (oito) anos e 1 (um) dia, o regime inicial para cumprimento inicial da pena deveria ser fixado no fechado.
Ocorre que, aplicada a detração para fins de fixação do regime inicial de cumprimento da pena, como quer o Ministério da Justiça, o tratamento dispensado aos comparsas será totalmente diferente, na hipótese de um deles ser preso temporariamente por haver fugido do distrito da culpa, o que enseja grave violação ao princípio constitucional da isonomia, previsto no artigo 5o, caput, da Constituição Federal.
Observe-se que, se este indivíduo ficasse segregado temporariamente por apenas 2 (dois) dias – ainda que o tempo máximo de prisão temporária por crime de estupro de vulnerável seja de 30 (trinta) dias, prorrogável por mais 30 (trinta) dias (Lei n.º 8.072/90, art. 2º, § 4º) –, teria direito à detração desse período, totalizando uma pena definitiva de 7 (sete) anos, 11 (onze) meses e 29 (vinte e nove dias) de reclusão, em razão do que deveria ser fixado o regime inicial semiaberto, nos termos do artigo 33, § 2º, “b”, do Código Penal.
De outro lado, aquele agente que não fugiu do distrito da culpa, não atrapalhando as investigações, sendo condenado a pena de 8 (oito) anos e 1 (um) dia de reclusão, a ser cumprida no regime inicial fechado (CP, art. 33, § 2º, “a”), de modo que, para progredir ao regime semiaberto, deveria cumprir 3/5 (três quintos) da pena de 8 (oito) anos e 1 (um) dia de reclusão, o que corresponderia a 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses, nos termos do artigo 2º, § 2º, da Lei n.º 8.072/90.
A violação ao princípio da isonomia é flagrante: aquele que atrapalhou as investigações a ponto de ser decretada a sua prisão temporária, por ter ficado apenas 2 (dois) dias preso temporariamente já iniciaria o cumprimento de sua pena privativa de liberdade no regime semiaberto, enquanto aquele que não atrapalhou as investigações e, por isso, não teve sua temporária decretada, teria de iniciar o cumprimento da sua pena no regime fechado, precisando cumprir 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses de reclusão para alcançar o direito de progredir para o regime semiaberto, desde que também cumprido o requisito subjetivo referente ao bom comportamento carcerário.
Diante de tudo isso, entendo que não pode o § 2º do artigo 387 do Código de Processo Penal ser aplicado de modo literal, sob risco de criar grave situação de tratamento não isonômico, bem como recompensar o agente preso cautelarmente, tornando-se um verdadeiro estímulo a todo tipo de torpeza, uma vez que bastaria ao agente prejudicar as investigações, seja ameaçando testemunhas, seja destruindo provas, para ser decretada qualquer uma das hipóteses de prisão provisória.
DETRAÇÃO PENAL PARA FINS DE PROGRESSÃO ANTECIPADA DE REGIME
De outro modo, a Juíza de Direito REJANE JUNGBLUTH defende que o § 2º do artigo 387 do Código Processo Penal seja interpretado de modo a atribuir ao juiz do conhecimento o dever de aferir eventual cumprimento do requisito temporal previsto no artigo 112 da Lei de Execuções Penais ou no artigo 2º, § 2º, da Lei dos Crimes Hediondos.
Segundo ela, deve o juiz dosar a pena do condenado, fixar o regime inicial de cumprimento da pena exclusivamente com base no artigo 33 do Código Penal, para tão só analisar se o tempo de pena provisória correspondeu à exigência prevista nos artigos acima mencionados. Seria, assim, uma hipótese de antecipação do direito de progressão de regime, e não um instituto novo.
Defende então que nas hipóteses em que “a detração não é hábil a modificar o regime, não haverá cômputo inferior de pena a ser realizado, sob pena de o juízo de conhecimento invadir a competência do juízo da execução, pois o art. 66, III, ”c”, da LEP, não restou alterado pela Lei 12.736/12 nesse particular”.
Assim, caso esse desconto não seja suficiente para alterar o regime de prisão, o juiz não deve diminuir a reprimenda do tempo de prisão provisória, deixando de aplicar a detração prevista no § 2o do artigo 387 do Código de Processo Penal.
Ocorre que, embora tenha vantagens, esse posicionamento apresenta alguns problemas. Entre os principais, seria o de criar uma progressão de pena diferenciada, na qual apenas seria aferido o requisito temporal previsto no artigo 112 da LEP, o que também ensejaria um tratamento não isonômico, consistente em aferir apenas o requisito temporal dos condenados que cumpriram prisão provisória.
DETRAÇÃO PENAL COMO UM CRITÉRIO EXTRA PARA A FIXAÇÃO DO REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DA PENA
Por outro lado, LUIZ FLÁVIO GOMES esclarece que “o tempo de prisão provisória deve ser computado na penal final não há dúvida (CP, art. 42)”, mas entende problemático a detração ser considerada para fins de fixação do regime inicial de cumprimento da pena.
Segundo o reputado jurista, o artigo 33, § 2o, do Código Penal, fixa os parâmetros que o juiz deve levar para fixar o regime inicial de cumprimento da pena, mencionando serem três os fatores considerados: 1) tempo total da pena; 2) ser primário ou reincidente; e 3) circunstâncias do artigo 59 do Código Penal.
Com inovação legal, foi criado um novo parâmetro para a fixação do regime inicial de cumprimento da pena: tempo de prisão provisória ou administrativa ou de internação.
Defende, assim, que o novo dispositivo “não quis que a detração funcionasse como alavanca automática de progressão de regime, que conta com requisitos legais objetivos (tempo de prisão) e subjetivos (bom comportamento)”.
Para o Juiz aposentado, para a progressão de regime são necessários vários fatores, de modo a não autorizar a progressão do regime o cumprimento qualquer tempo de pena provisória ou internação. Nessa toada, lembra que, nos crimes contra a administração pública há, inclusive, exigência específica: que a progressão de regime do cumprimento da pena imposta a condenado por crime contra a administração pública seja condicionada à reparação do dano que causou ou à devolução do produto do ilícito praticado, com os acréscimos legais.
Sustenta LUIZ FLÁVIO GOMES que, “antes da nova lei o juiz, para fixar o regime inicial, levava em conta três fatores: (a) tempo total da pena; (b) ser primário ou reincidente; e (c) circunstâncias do art. 59. Agora, depois da nova lei, surgiu mais um fator: (d) tempo de prisão provisória ou administrativa ou de internação”.
Aponta que continua sendo o critério prioritário o do tempo total da pena, com sua tabela clássica prevista no art. 33, § 2º, do CPP: (a) mais de 8 anos, regime fechado; (b) mais de 4 e até 8 anos, regime semiaberto; (c) igual ou inferior a 4 anos, regime aberto.
Assim, os demais critérios – a reincidência ou primariedade, as circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do CP e o tempo de prisão provisória – seriam suplementares. Fixa-se primeiro a pena, após isso, o regime, com base nos critérios de tempo da pena, reincidência, circunstâncias judiciais e, por fim, tempo de prisão provisória.
Ilustra o jurista a situação da seguinte forma: “réu condenado a 8 anos e 1 mês de prisão. Cumpriu 6 meses em prisão provisória. Com a detração, a pena cai para 7 anos e 7 meses. Teoricamente, isso significa regime semiaberto. Mas só teoricamente, porque agora, feita a detração, compete ao juiz valorar todos os demais requisitos legais: reincidência ou primariedade + todas as circunstâncias do art. 59 + a forma de cumprimento da prisão provisória. Não se pode esquecer, para o juízo de ponderação e de razoabilidade, que as penas são cumpridas em presídios cruéis e desumanos. É da ponderação de todos os requisitos que sai o regime inicial. De qualquer modo, a pena de 7 anos e 7 meses pode iniciar no regime semiaberto ou fechado, tudo dependendo das circunstâncias de cada caso concreto”.
Assim, o cômputo da detração serviria como mais um critério para a aferição da fixação do regime inicial de cumprimento, não se tratando, assim, de uma antecipação da progressão de regime a partir da valoração dos requisitos previstos no artigo 112 da LEP ou ainda de uma progressão automática, como pretendia o Ministério da Justiça.
Esse entendimento também é defendido por GUILHERME DE SOUZA NUCCI, para quem “essa modificação tem por finalidade atender a expectativa de contornar os graves entraves ocorridos pelo lento trâmite processual, porém, não obriga o julgador a fixar, sempre, o regime mais favorável”.
Para o famoso Desembargador, a alteração no Código de Processo Penal prestou-se apenas a permitir a consideração da detração penal para a escolha de regime. Ilustra seu posicionamento da seguinte forma: “se o réu é condenado a 8 anos e seis meses de reclusão e já estiver preso cautelarmente há um ano, para a eleição do regime inicial, deve o magistrado descontar, de pronto, o período de um ano, o que resulta 7 anos e seis meses. Portanto, torna-se cabível o semiaberto (art. 33, § 2.°, b, CP).”
Não se trata, pois, de um dever do magistrado de fixar o regime necessariamente mais benéfico, sendo possível a ele escolher, no exemplo mencionado, entre os regimes fechado ou semiaberto, a partir da aferição das condições concretas previstas no artigo 59 do Código Penal, nos termos do artigo 33, § 3°, do Código.
CONCLUSÃO
Observa-se, por todo o exposto, que a alteração promovida pela Lei n° 12.736/12, introduzindo o § 2o ao artigo 387 do Código de Processo Penal, causou uma série de questionamentos por toda parte.
Embora pretendesse ser uma singela alteração legislativa, a modificação promovida pela mencionada lei é capaz, a depender de como aplicada, de alterar drasticamente o regime da execução penal, a ponto de gerar uma total redefinição do instituto clássico da detração penal.
Essa nova detração penal não deve ser aplicada da forma imaginada pelo Ministério da Justiça, sob o risco de causar uma série de problemas. Tais como premiar condenados mais perigosos que, por isso, cumpriram alguma espécie de prisão provisória, incentivando-os a praticar, propositadamente, condutas que levem a decretação de sua prisão provisória, exclusivamente para facilitar eventual fixação de regime mais benéfico e, por conseguinte, burlar o regime de progressão de pena previsto no ordenamento jurídico.
Inaceitável que o Estado simplesmente crie variadas medidas descarcerizadoras sem uma reflexão detida e aprofundada de suas consequências, as vezes, capazes de abalar todo o sistema penal brasileiro, como a presente.
Não restam dúvidas de que o sentimento de impunidade e a falta de temor quanto ao rigor das sanções penais vêm levando pessoas a imiscuírem na seara criminosa, a partir de um simples cálculo de custo de oportunidade. Infelizmente, o crime vem compensando no Brasil. A título de exemplo, podem ser indicados os casos de explosões de caixas eletrônicos, cujos lucros giram em torno de R$ 30.000,00, enquanto as penas aplicadas, por raramente passarem de 3 anos (furto qualificado mediante destruição de obstáculo), são normalmente cumpridas no máximo no regime inicial semiaberto.
No outro lado dessa moeda, o Estado também não pode permitir que as penas sejam cumpridas indefinidamente em regimes prisionais mais gravosos simplesmente em razão do congestionamento e do excesso de processos tramitando no Juízo da Execução. Desse modo, deve ser recebido com braços abertos qualquer tentativa de fazer com que seja reduzido o tempo de espera para a realização de um direito, notadamente quando relacionado à liberdade. Tendo direito o apenado a detrair do tempo de pena aquele cumprido provisoriamente, não se pode permitir que ele permaneça injustamente encarcerado. Esse cálculo deve ser realizado oportunamente, tão logo possível. Ocorre que não é isso que pretendeu a lei em análise: ao que tudo indica foi mais uma medida do Governo Federal para simplesmente esvaziar os presídios, em detrimento de maiores investimentos na área. É mais fácil retirar presidiários do que investir na melhoria das condições de cumprimento da pena dos apenados.
Diante de todo o exposto, ao analisar as possíveis aplicações do novo § 2o do artigo 387 do Código de Processo Penal, tenho que a mais técnica é aquela que defende que a detração penal seja considerada como mais um critério a ser considerado no momento de fixação do regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade. Assim, pode o juiz, a depender das circunstâncias concretas, considerar a detração penal para fins de aplicação ou não do regime mais benéfico. Não de forma automática, como pretende o Ministério da Justiça, CEZAR BITENCOURT e NOBERTO AVENA, tampouco como uma espécie de progressão de regime fundada exclusivamente no cumprimento do requisito temporal, como defendido por REJANE JUNGBLUTH. Também não se mostra necessária a declaração incidental da inconstitucionalidade do dispositivo legal, como sustentado por CÉSAR DARIO DA SILVA.
REFERÊNCIAS
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BRASILEIRO, Renato de Lima. Manual de Processo Penal. 3ª ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2015.
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Comentários à Lei 12.736/2012, que antecipa, para a sentença condenatória, o momento adequado para realizar a detração da pena. Disponível em: www.dizerodireito.com.br. Acesso em: 12/09/2015.
GOMES, Luiz Flávio. Detração (Lei 12.736) e suas Complicações. Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal . 52 Fev-Mar/2013.
JUNGBLUTH, Rejane. Lei 12.736/12 e a nova detração penal. Correio Braziliense, Brasília, 25 fev. 2016. Caderno Direito & Justiça, p. 3.
MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado – Parte Geral – vol. 1. 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
PEREIRA, Marivaldo de Castro. A nova lei de detração na sentença penal condenatória. Disponível em: www.conjur.com.br. Acesso em: 12/09/2015.
PINTO, Ronaldo Batista. Provisória deve ser contada na progressão de regime. Disponível em: www.conjur.com.br. Acesso em: 12/09/2015.
SILVA, César Mariano da. A nova disciplina da detração penal. Disponível em: www.conamp.org.br/pt/biblioteca/artigos/item/547-a-nova-disciplina-da-detracao-penal.html. Acesso em: 12/09/2015.
Bacharel em Direito pela Universidade de Brasília. Especialista em Processo Civil pelo Instituto Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro. Analista Judiciário do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PINTO, Esdras Silva. Aspectos controversos da nova detração penal prevista no Art. 387, § 2º, do Código de Processo Penal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 dez 2015, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/2262/aspectos-controversos-da-nova-detracao-penal-prevista-no-art-387-2o-do-codigo-de-processo-penal. Acesso em: 27 nov 2024.
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