1.Considerações iniciais
Em princípio, o tributo deverá ser cobrado da pessoa que pratica o fato gerador. Nessas condições surge o sujeito passivo direto (contribuinte). Posteriormente, um evento pode provocar a transferência da sujeição passiva, de modo que o Estado possa a cobrar o tributo de outra pessoa, que passará a ser o sujeito passivo indireto (responsável tributário). [1]
A respeito do responsável tributário, o CTN prevê o seguinte:
CTN. Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.
Existem duas modalidades de responsabilidade tributária, a saber: a responsabilidade tributária por substituição e a responsabilidade tributária por transferência.
Em apertada síntese, podemos dizer que “na responsabilidade por substituição, a sujeição passiva do responsável surge contemporaneamente à ocorrência do fato gerador. Já na responsabilidade por transferência, no momento do surgimento da obrigação, determinada pessoa figura como sujeito passivo, contudo, num momento posterior, um evento definido em lei causa a modificação da pessoa que ocupa o polo passivo da obrigação, surgindo, assim, assim, a figura do responsável, conforme definida em lei”. [2]
De acordo com o CTN, a responsabilidade tributária por transferência comporta três espécies: a) responsabilidade de terceiros (art. 134 e 135); b) responsabilidade por infrações (art. 136 à 138); e c) responsabilidade por sucessão (arts. 129 à 133).
Aqui, importa examinarmos a responsabilidade por sucessão, também chamada de “responsabilidade dos devedores sucessores”, disciplinada nos arts. 129 à 133 do CTN. Aqui, a obrigação é transferida para outro devedor em razão do “desaparecimento” do devedor original, que pode ser por morte do primeiro devedor (recaindo o ônus sobre os herdeiros), ou por venda do imóvel ou estabelecimento (incidindo o ônus sobre o comprador). [3] Em outras palavras: a responsabilidade por sucessão ocorre em casos de sucessão causa mortis ou sucessão inter vivos, a saber:
a) Sucessão imobiliária (transmissão de imóveis – art. 130, CTN)
b) Sucessão inter vivos (transmissão de bens móveis – art. 131, I, CTN)
c) Sucessão empresarial, que pode ser de dois tipos: i) Responsabilidade da pessoa jurídica que surgiu a partir de uma fusão, transformação ou incorporação ou cisão[4] (art. 132, CTN); ii) Responsabilidade da pessoa que adquiriu o estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e continuou a respectiva exploração (art. 133 do CTN).
2. Alcance da responsabilidade tributária na sucessão empresarial
Aqui trataremos da responsabilidade tributária na sucessão empresarial, mais especificamente da seguinte questão: a sucessora é responsável pelo pagamento apenas dos eventuais tributos não pagos, ou sua responsabilidade tributária também alcança as multas que a sucedida possuía?
As empresas sucessoras alegavam que sua responsabilidade na sucessão empresarial estaria limitada aos tributos, não alcançando o pagamento das multas, dado que os arts. 132 e 133, que tratam da responsabilidade tributária na sucessão empresarial, mencionam apenas tributos.
CTN. Art. 132. A pessoa jurídica de direito privado que resultar de fusão, transformação ou incorporação de outra ou em outra é responsável pelos tributos devidos até à data do ato pelas pessoas jurídicas de direito privado fusionadas, transformadas ou incorporadas. (...) (grifo nosso)
CTN. Art. 133. A pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome individual, responde pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até à data do ato: (...) (grifo nosso)
Instado a se manifestar, o STJ fixou o entendimento de que “nada obstante os art. 132 e 133 apenas refiram-se aos tributos devidos pelo sucedido, o art. 129 dispõe que o disposto na Seção II do Código Tributário Nacional [Responsabilidade dos Sucessores] aplica-se por igual aos créditos tributários definitivamente constituídos ou em curso de constituição, compreendendo o crédito tributário não apenas as dívidas decorrentes de tributos, mas também de penalidades pecuniárias (art. 139 c/c § 1º do art. 113 do CTN)”.[5]
Dito de outra forma: o art. 129 do CTN estabelece que a transferência da responsabilidade por sucessão aplica-se, por igual, aos créditos tributários já definitivamente constituídos, ou em curso de constituição à data dos atos nela referidos, e aos constituídos posteriormente aos mesmos atos, desde que relativos a obrigações tributárias surgidas até a referida data. [6]
Cumpre então indagar: qual é o alcance da expressão crédito tributário?
O CTN, em seu art. 139, define crédito tributário nos seguintes termos:
CTN. Art. 139. O crédito tributário decorre da obrigação principal e tem a mesma natureza desta.
Já a obrigação principal é definida no art. 113 e no § 1º. Veja-se:
CTN. Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória. § 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente.
Como se vê, o crédito e a obrigação tributária são compostos pelo tributo devido e pelas penalidades eventualmente exigíveis.
Assim, os créditos tributários mencionados no aludido art. 129 compreendem não apenas aqueles decorrentes de tributos, mas também os oriundos de penalidades pecuniárias. Como explicou o ilustre Ministro Humberto Martins, “a expressão "crédito tributário" é mais ampla do que o conceito de tributo, pois abrange também as penalidades decorrentes do descumprimento das obrigações acessórias”.[7] Vale dizer: na expressão créditos tributários estão incluídas também as multas.
Com base nessa linha de raciocínio, o STJ fixou o entendimento de que os arts. 132 e 133, do CTN impõem ao sucessor a responsabilidade integral. Assim, a responsabilidade tributária alcança tanto os eventuais tributos devidos como também as multas, sejam elas de caráter moratório ou punitivo, pois integram o patrimônio jurídico-material da sociedade empresarial sucedida. Numa palavra: os encargos incidentes sobre o tributo (multa, juros, etc.) integram o passivo patrimonial da empresa sucedida, por isso a sucessora deverá responde por eles.
Assim, "a multa aplicada antes da sucessão se incorpora ao patrimônio do contribuinte, podendo ser exigida do sucessor, sendo que, em qualquer hipótese, o sucedido permanece como responsável. É devida, pois, a multa, sem se fazer distinção se é de caráter moratório ou punitivo; é ela imposição decorrente do não-pagamento do tributo na época do vencimento"
Este entendimento culminou na criação da Súmula 554, em dezembro de 2015, verbis:
Súmula 554: Na hipótese de sucessão empresarial, a responsabilidade da sucessora abrange não apenas os tributos devidos pela sucedida, mas também as multas moratórias ou punitivas referentes a fatos geradores ocorridos até a data da sucessão.
Nessa linha, como explica Sacha Calmon Navarro: [8]
“(...) Aqui comparece ainda uma razão de política fiscal. Se as multas não fossem transferíveis em casos que tais, seria muito fácil apagar multas pelo simples subterfúgio da alteração do tipo societário. Num passe de mágica, pela utilização das "formas" de Direito societário, seriam elididas as sanções fiscais garantidoras do cumprimento dos deveres tributários, o principal e os instrumentais. Ora, o Direito Tributário, na espécie, encontra escora no axioma societas distat a singulis, preferindo-o ao "formalismo jurídico". Importa-lhe mais conferir o ativo e o passivo da pessoa sucedida para verificar se entre as contas de débito existem multas fiscais passíveis de serem assumidas pelos sucessores. Torna-se imprescindível, todavia, fixar um ponto: a multa transferível é só aquela que integra o passivo da pessoa jurídica no momento da sucessão empresarial ou está em discussão (suspensa). Insistimos em que nossas razões são axiológicas. É dizer, fundam-se em valores que julgamos superiores aos do Fisco em tema de penalidades. Nada têm a ver com as teorias objetivistas ou subjetivistas do ilícito fiscal.
Não faz sentido apurar-se uma infração ocorrida no pretérito e imputá-la a uma nova pessoa jurídica formal e institucionalmente diversa da que praticou a infração sob a direção de outras pessoas naturais. Essa regra só não deve prevalecer nas hipóteses de sucessão por alteração do tipo societário (aqui muda apenas a roupa societal). Afinal, para ocorrer a sucessão empresarial, os Fiscos são consultados, e são exigidas dezenas de certidões negativas.
Por fim, trazemos à colação os seguintes julgados:
“(...) A responsabilidade tributária do sucessor abrange, além dos tributos devidos pelo sucedido, as multas moratórias ou punitivas, que, por representarem dívida de valor, acompanham o passivo do patrimônio adquirido pelo sucessor, desde que seu fato gerador tenha ocorrido até a data da sucessão. (..)” STJ - REsp 923012 MG , Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Seção, 24/06/2010
“(...) 2. A multa aplicada antes da sucessão se incorpora ao patrimônio do contribuinte, podendo ser exigida do sucessor, sendo que, em qualquer hipótese, o sucedido permanece como responsável. É devida, pois, a multa, sem se fazer distinção se é de caráter moratório ou punitivo; é ela imposição decorrente do não-pagamento do tributo na época do vencimento. (...)” STJ - REsp 592007 RS, Rel. Min. José Delgado, DJ 22/3/2004; STJ - REsp. 1085071 SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, 1ª Turma, DJe 08/06/2009
CONCLUSÃO
O art. 129 do CTN, que trata da responsabilidade dos sucessores, estabelece que a transferência da responsabilidade tributária por sucessão aplica-se, por igual, aos créditos tributários já definitivamente constituídos, ou em curso de constituição à data dos atos nela referidos, e aos constituídos posteriormente aos mesmos atos, desde que relativos a obrigações tributárias surgidas até a referida data.
Segundo o STJ, na expressão créditos tributários estão incluídos não só os tributos, mas também as multas. Daí se infere que a responsabilidade tributária dos sucessores alcança os tributos devidos pelo sucedido e também as multas (moratórias ou punitivas), desde que relativos a fatos geradores ocorridos até a data da sucessão.
Cumpre ressaltar que os encargos incidentes sobre o tributo (multa, juros, etc.) fazem parte do passivo do patrimônio adquirido pelo sucessor, por isso a sucessora deverá responde por eles.
[1] Como explica Hugo de Brito Machado: “no Direito Tributário a palavra responsabilidade tem um sentido amplo e outro estrito. (...) Em sentido amplo, é a submissão de determinada pessoa, contribuinte ou não, ao direito do Fisco de exigir a prestação da obrigação tributária. (...) Em sentido estrito, é a submissão, em virtude de disposição legal expressa, de determinada pessoa que não é contribuinte, mas está vinculada ao fato gerador da obrigação tributária, ao direito do Fisco de exigir a prestação respectiva.” MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 29ª ed., São Paulo: Malheiros, 2008, p. 150.
[2] Cf. ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado, 7ª ed., Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013, p. 295.
[3] Cf., sobre o tema: SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013, 727.
[4] Aqui, cumpre registrar que, embora o art. 132 do CTN não mencione expressamente a cisão, sua disciplina também se aplica nesse caso. Nessa linha: “(...) Embora não conste expressamente do rol do art. 132 do CTN, a cisão da sociedade é modalidade de mutação empresarial sujeita, para efeito de responsabilidade tributária, ao mesmo tratamento jurídico conferido às demais espécies de sucessão (...)” STJ. STJ - REsp 852972 PR, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, 1ª Turma, DJe 08/06/2010
[5] Cf. STJ - REsp 1017186 SC, Rel. Min. CASTRO MEIRA, 2ª Turma, DJe 27/03/2008
[6] Cf. CTN. Art. 129. O disposto nesta Seção aplica-se por igual aos créditos tributários definitivamente constituídos ou em curso de constituição à data dos atos nela referidos, e aos constituídos posteriormente aos mesmos atos, desde que relativos a obrigações tributárias surgidas até a referida data.
[7] Cf. STJ - AgRg no REsp 1321958 RS, Rel. Min. HUMBERTO MARTINS, 2ª Turma, DJe 16/10/2012
[8] Cf. NAVARRO, Sacha Calmon. Curso de Direito Tributário Brasileiro, 9ª ed., Rio de janeiro: Forense, 2006, p. 701.
Advogada, autora de diversos artigos publicados em revistas jurídicas e das obras "Direito Sumular - STF" e "Direito Sumular - STJ", São Paulo: JHMizuno, 2015.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VILLAR, Alice Saldanha. Alcance da responsabilidade tributária por sucessão empresarial: nova Súmula 554 do STJ Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 fev 2016, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/2305/alcance-da-responsabilidade-tributaria-por-sucessao-empresarial-nova-sumula-554-do-stj. Acesso em: 22 nov 2024.
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