A cada momento temos com maior clarividência que o crime organizado encontra-se em estado de atenção em cada uma das esferas de poder. Arquivamentos esdrúxulos, decisões que flertam com a teratologia estão sempre aptas para de inopino surpreender-nos com um direito novo capaz de abençoar um pecador, quando absolutamente sem fundamento, como se em um regime de exceção estivéssemos inseridos.
É basilar que aquele que não integra o polo passivo em ação criminal, sem procuração do “réu” para tanto, não pode pedir providências em nome do réu, mas assim, episodicamente, não entendeu o CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público), que liminarmente suspendeu o depoimento que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua mulher, Marisa Letícia, dariam à Justiça de São Paulo.
Ambos (Lula e Marisa) seriam ouvidos sobre o apartamento tríplex, no Condomínio Solaris, em Guarujá. A suspeita do Ministério Público Federal é que houve tentativa de ocultar a identidade do dono do tríplex, que seria do ex-presidente, o que pode caracterizar crime de lavagem de dinheiro. Contudo, o conselheiro Valter Shuenquener de Araújo acatou reclamação do deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP) e suspendeu o feito até que o plenário do CNMP delibere sobre o assunto.
O deputado do PT alegou que o promotor Cassio Roberto Conserino fez um pré-julgamento de sua decisão ao oferecer conclusões sobre o caso em entrevista à revista Veja antes mesmo de ouvir os depoimentos. Além disso, ele argumentou que o promotor extrapolou as suas prerrogativas funcionais e que o caso não poderia ter sido distribuído à 2ª Promotoria Criminal, da qual Cesarino faz parte, e sim à 1ª Promotoria Criminal.
Pré-julgamento? Anulemos grande parte das decisões emitidas pelo Supremo Tribunal Federal, pois vulgar, comezinho, que ministros mais servis aos holofotes antecipar os posicionamentos que expressarão por seus votos.
Consabido ainda, que a Constituição autoriza o conselho a exercer controle externo sobre a atividade administrativa e financeira do MP, porém, exclui de seu âmbito a interferência as funções de execução, na forma da liminar em favor do ex-presidente Lula e sua esposam que reste claro! Decisão do conselheiro, portanto, que refoge as atribuições não apenas sua, mas do próprio CNMP. E vamos além, liminar concedida pelo CNMP, pelo CNJ, quando a sua atuação precípua deve ser no controle administrativo e financeiro do MP e da Justiça, respectivamente, parece estar exorbitando as suas funções estatutário-constitucionais. E vale o questionamento: onde entra nessa história o princípio da Unidade do Ministério Público?
Alegou ainda que o promotor havia exacerbado as suas prerrogativas funcionais e que o caso não poderia ter sido distribuído à 2ª Promotoria Criminal, da qual Cesarino faz parte, e sim à 1ª Promotoria Criminal.
Ledo engano! Em verdade os atos seguiram o rito estabelecido no artigo 3º da Resolução 13/2006 (desconhecimento ou má-fé protelatória), que estabelece que, se a investigação criminal for instaurada de ofício, “o membro do MP poderá prosseguir na presidência do procedimento investigatório criminal até a distribuição da denúncia ou promoção de arquivamento em juízo”.
Agora caberá ao Plenário do CNMP reverter esta decisão em fraude à boa-fé processual. Enquanto isso esperam os suspeitos que o tempo e o tráfico de influência cuide de apagar os vestígios de seus crimes.
Importante salientar que pautamos nosso entendimento com base nas informações que se tornaram públicas. Alegam porém os advogados Cristiano Zanin Martins e Nilo Batista, ao contrário do que disse Conserino, o procedimento investigatório criminal citado por ele não foi instaurado de ofício, mas motivado por representação criminal de Waldir Ramos da Silva, em agosto de 2015. “Portanto, o caso não se enquadraria no parágrafo 4º, da Resolução 13/06 do CNMP, citado por Conserino. Com base neste adendo, ou os representantes de Lula ou o promotor podem estar atuando em má-fé processual que deve ser tornada pública e exemplarmente sancionada levando-se em conta o aspecto educativo da reprimenda.
Por último, à título de reflexão, o ex-presidente Lula por meio do instituto que carrega o seu nome e seus advogados insiste em firmar a sua inocência. O que pretende o MP é apenas que Lula e Mariza prestem esclarecimentos, o que seria uma grande oportunidade de demonstrar sua retidão de conduta no caso em voga, portanto de total interesse do ex-presidente. Dificultar a concessão de esclarecimentos para quem se afirma inocente é quase uma postura esteriotipável como "venire contra factum proprium", isso sem contar que o esclarecimento do direito material deveria prevalecer nos termos do princípio da Instrumentalidade das Formas.
Seguimos o brocado popular de "quem não deve não teme", e complementamos: esclarece! A blindagem excessiva gera uma presunção relativa, ainda que apenas no íntimos das pessoas, que sim, deve.
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