Resumo: Durante muitos anos a jurisprudência do STJ foi no sentido de que o termo a quo do prazo para ajuizamento da ação rescisória seria o dia seguinte ao transito em julgado. Em dezembro de 2014, no julgamento do REsp 1112864 MG, a Corte Especial do STJ alterou esse entendimento. O presente artigo tem por objetivo explicar os fundamentos dessa nova orientação do STJ, bem como demonstrar que está de acordo com a regra do art. 975 do Novo CPC, que entrará em vigor em 16 de março de 2016. Com vistas a otimizar nossa familiarização com o Novo CPC, esse artigo apresenta uma breve análise comparativa do tratamento dado à matéria pelo antigo e pelo novo diploma processual.
Sumário: 1. Ação rescisória: noções gerais. 2. Requisitos para a propositura da ação rescisória. 3. Qual é o dies a quo da contagem do prazo de 2 anos para ajuizar a ação rescisória? 4. Cabe prorrogação do prazo da ação rescisória se cair em dia não útil?. Conclusão. Notas. Referências.
1. AÇÃO RESCISÓRIA: NOÇÕES GERAIS
A ação rescisória é uma ação autônoma de impugnação que se volta contra a decisão de mérito transitada em julgado, quando presente pelo menos uma das hipóteses previstas no art. 485 do CPC (correspondente ao art. 966 do NCPC). Trata-se, em verdade, de uma ação desconstitutiva ou constitutiva negativa, pois visa ao desfazimento da coisa julgada material formada em outro processo.
Conforme constata Fredie Didier[1]:
“A ação rescisória não é recurso, por atender à regra da taxatividade, ou seja, por não estar prevista em lei como recurso. (...) Eis porque a ação rescisória ostenta natureza jurídica de uma ação autônoma de impugnação: seu ajuizamento provoca a instauração de um novo processo, com nova relação jurídica processual.”
Para que se admita a ação rescisória, é preciso que haja, além das condições da ação e dos pressupostos processuais, a presença dos seguintes requisitos:
a) existência de uma decisão de mérito transitada em julgado;
b) a configuração de um dos fundamentos de rescindibilidade previstos no art. 485 do CPC (correspondente ao art. 966 do NCPC); e
c) o prazo decadencial de 2 anos previsto no art. 495 do CPC (correspondente ao art. 975 do NCPC).[2]
Cumpre destacar que não se insere entre os requisitos de admissibilidade da ação rescisória a necessidade de esgotamento de todos os recursos. O que se deve ter em vista é a impossibilidade de interposição de recurso, por ter escoado in albis o prazo recursal. Esse o raciocínio que deu origem à Súmula 514/STF: “Admite-se ação rescisória contra sentença transitada em julgado, ainda que contra ela não se tenha esgotado todos os recursos”.
Vale frisar: o esgotamento dos recursos disponíveis não configura requisito para a propositura da ação rescisória, de acordo com a Súmula 514/STF.[3] Dessa forma, admite-se a ação rescisória contra a sentença transitada em julgado ainda quando contra ela não se tenha usado de todos os recursos que a lei facultava. Ora, “decisão transitada em julgado” não é aquela que foi impugnada por todos os recursos possíveis, mas sim a que não admite mais impugnação, sendo irreformável.[4]
Recorde-se que “trânsito em julgado” é a expressão utilizada para indicar que não cabe mais recurso contra decisão judicial, seja porque as partes não apresentaram o recurso no prazo em que a lei estabeleceu, seja porque esgotou-se a sequência de recursos cabíveis.
Passemos agora ao exame de cada um dos mencionados requisitos para a propositura da ação rescisória.
2. REQUISITOS PARA A PROPOSITURA DA AÇÃO RESCISÓRIA
Para que se admita a ação rescisória, é preciso que haja, além das condições da ação e dos pressupostos processuais, a presença dos seguintes requisitos:
a) Existência de uma decisão de mérito transitada em julgado
O art. 485 do CPC de 1973 dispõe apenas que a sentença de mérito, transitada em julgado pode ser objeto de rescisão. Confira:
CPC/73. Art. 485. A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: (...)
A interpretação literal desse dispositivo, portanto, afastaria de plano a possibilidade do manejo de ação rescisória contra decisões interlocutórias.
Na jurisprudência do STJ, embora haja precedentes no sentido do descabimento de rescisória em face de decisão interlocutória,[5] vem prevalecendo o entendimento no sentido da possibilidade de rescisão dessa espécie de decisão.[6]
Admitindo a rescindibilidade de decisões interlocutórias, confira:
“(...) 1.- A jurisprudência desta Corte admite a Ação Rescisória no caso de falsa decisão interlocutória, isto é, de sentenças substancialmente de mérito, entendido como o núcleo da pretensão deduzida em Juízo, o que se evidencia em situações como a de rejeição de pedidos cumulados ou julgamento incidental de reconvenção (REsp 628.464/GO, Rel. Min. Nancy Andrighi). 2.- A decisão que fixa termo inicial de correção monetária, entretanto, não julga mérito, configurando, pois, decisão propriamente interlocutória e não de mérito travestida de interlocutória. 3.- Recurso Especial não conhecido.” (...)” STJ - REsp 685738 PR, Rel. Min. Sidnei Beneti, 3ª Turma, DJe 03/12/2009
“(...) Em face do art. 485 do CPC, que se refere à 'sentença de mérito', doutrina e jurisprudência, no geral, entendem como possível o juízo rescindendo de decisão interlocutória apenas em situações muito específicas. (...)” STJ - REsp 628464 GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, DJ 27/11/2006
“(...) A ação rescisória pode ser utilizada para a impugnação de decisões com conteúdo de mérito e que tenham adquirido a autoridade da coisa julgada material. Em que pese incomum, é possível que tais decisões sejam proferidas incidentalmente no processo, antes da sentença. Isso pode ocorrer em três hipóteses: (i) em diplomas anteriores ao CPC/73; (ii) nos processos regulados pelo CPC em que, por algum motivo, um dos capítulos da sentença a respeito do mérito é antecipadamente decidido, de maneira definitiva; e, finalmente (iii) sempre que surja uma pretensão e um direito independentes do direito em causa, para serem decididos no curso do processo. Exemplo desta última hipótese é a definição dos honorários dos peritos judiciais e do síndico na falência: o direito à remuneração desses profissionais nasce de forma autônoma no curso do feito, e no próprio processo é decidido, em caráter definitivo. Não há por que negar a via da ação rescisória para impugnar tal decisão.(...)” STJ - REsp 711794 SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, DJ 23/10/2006.
Numa palavra: o STJ passou a entender cabível o ajuizamento de ação rescisória contra decisões interlocutórias de mérito. Vale frisar: não é qualquer decisão interlocutória transitada em julgado que ensejaria a ação rescisória, mas somente aquela de mérito, capaz de ser acobertada pela coisa julgada.
Nessa linha, afirmando ser cabível, em caráter excepcional, ação rescisória contra decisão interlocutória, Bernardo Pimental Souza[7] assim expôs:
“Até mesmo as decisões interlocutórias são passíveis de impugnação por meio de ação rescisória, ainda que excepcionalmente. Basta imaginar a hipótese de o juiz de primeiro grau pronunciar a decadência ou a prescrição, alcançando apenas um dos litisconsortes ativos. Como o processo segue em razão da ação remanescente relativa ao outro litisconsorte, tem-se que o pronunciamento jurisdicional é mera decisão interlocutória, apesar de ter versado sobre matéria de mérito.”
Também nesse sentido, segue a doutrina de Cândido Rangel Dinamarco:[8]
"Uma interpretação sistemática do art. 485, caput, do Código de Processo Civil, conduzida pela lógica do razoável, impõe o entendimento de que o emprego da locução sentença de mérito é substancialmente destinado a indicar a rescindibilidade dos atos judiciais sobre o meritum causae . Como esses pronunciamentos judiciais deveriam vir sempre em uma sentença, então falou ele em sentenças de mérito; mas, surgindo na experiência concreta uma decisão atípica, como essa aqui examinada, prevalece a substância do preceito ditado em lei e não as formas de sua expressão verbal. (...) Mas a decisão interlocutória que solucionar o mérito, (...), será uma decisão de mérito e como tal deve ser tratada. Ser interlocutória significa somente ser proferida no curso do processo, sem pôr fim à fase cognitiva nem determinar o exaurimento do procedimento em primeiro grau jurisdicional; não significa não ser de mérito, embora o legislador não houvesse cogitado de decisões interlocutórias de mérito".
Na mesma linha de raciocínio, leciona Humberto Theodoro Júnior[9] que:
"se se enfrentou matéria de mérito (...), mesmo sob a forma de decisão incidental, terá havido, para efeito da ação rescisória, sentença de mérito. Sob esse enfoque, o Supremo Tribunal Federal decidiu que 'é cabível ação rescisória contra despacho do relator que, no STF, nega seguimento a agravo de instrumento, apreciando o mérito da causa discutido no recurso extraordinário' - STF, AR nº 1.154-6-SP, Rel. Min. Moreira Alves, ac. de 15.03.84, in RT, 593/241".
O Novo CPC consagrou a possibilidade do ajuizamento da ação rescisória contra decisões interlocutórias de mérito. O seu artigo 966 (correspondente ao caput do art. 485 do CPC/73) ganhou a seguinte redação:
NCPC. Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: (...)
Isso significa que, além das sentenças e dos acórdãos, também as decisões interlocutórias de mérito (desde que transitadas materialmente em julgado) podem ser objeto de rescisão.[10]
b) A configuração de um dos fundamentos de rescindibilidade do art. 485 do CPC
As hipóteses de cabimento da ação rescisória estão previstas no art. 485 do atual CPC. No Novo CPC, a matéria vem disciplinada no art. 966, que além de aperfeiçoar a redação do dispositivo, ampliou as hipóteses de cabimento, passando a admitir a rescisória nos casos de coação da parte vencedora em detrimento da vencida e simulação entre as partes com o objetivo de fraudar a lei (inc. III). Por outro lado, o NCPC suprimiu a rescisória prevista no inc. VIII do CPC atual (VIII - houver fundamento para invalidar confissão, desistência ou transação, em que se baseou a sentença;). Ora, nesse caso, a hipótese é de ação anulatória, nos termos do § 4º do art. 966 do NCPC.
Vale também observar que o art. 966 do novo diploma, em seu § 2º, admite que, nas hipóteses previstas nos incisos do caput, seja rescindível a decisão transitada em julgado que, embora não seja de mérito, impeça: I - nova propositura da demanda; ou II - admissibilidade do recurso correspondente.
Por sua vez, o § 3º do art. 966 afirma expressamente que “a ação rescisória pode ter por objeto apenas 1 (um) capítulo da decisão”. Assim, dispositivo permite que a ação rescisória seja parcial, ou seja, direcionada a apenas uma dos capítulos da decisão rescindenda.
O § 4º do art. 966 afirma expressamente que “os atos de disposição de direitos, praticados pelas partes ou por outros participantes do processo e homologados pelo juízo, bem como os atos homologatórios praticados no curso da execução, estão sujeitos à anulação, nos termos da lei”. O comando desse dispositivo corresponde, portanto, ao art. 486 do CPC/73: “Os atos judiciais, que não dependem de sentença, ou em que esta for meramente homologatória, podem ser rescindidos, como os atos jurídicos em geral, nos termos da lei civil.”
c) O prazo decadencial de 2 anos previsto no art. 495 do CPC
O art. 495 do atual Código de Processo Civil especificou que o prazo para propor a rescisória é de decadência, sendo de 2 anos contado do trânsito em julgado da decisão. Vejamos:
CPC/73. Art. 495. O direito de propor ação rescisória se extingue em 2 (dois) anos, contados do trânsito em julgado da decisão. (grifo nosso)
Surge daí a seguinte dúvida: o artigo 495 do CPC/73 refere-se ao transito em julgado de que decisão?
Apenas para não perder o prumo, vale lembrar que a chamada “coisa julgada material” é a qualidade conferida por lei à sentença/acórdão que resolve todas as questões suscitadas pondo fim ao processo, extinguindo, pois, a lide. Ora, sendo a ação una e indivisível, não há que se falar em fracionamento da sentença/acórdão, o que afasta a possibilidade do seu trânsito em julgado parcial.
Com base nesse raciocínio, o STJ firmou o entendimento de que o prazo decadencial de 2 anos para a propositura da ação rescisória teria início com o trânsito em julgado material, o qual somente ocorre quando esgotada a possibilidade de interposição de qualquer recurso, sendo incabível o trânsito em julgado de capítulos da sentença ou do acórdão em momentos diversos. Numa palavra: não existe no ordenamento jurídico brasileiro a chamada “coisa julgada material de capítulos de sentença”, também conhecida como “coisa julgada fatiada”.
Nesse sentido:
“O entendimento adotado pelo STJ ao unificar o termo inicial para a propositura da ação rescisória, qual seja, o último pronunciamento judicial sobre algum dos capítulos da sentença ou do acórdão rescindendo, independentemente do suposto trânsito em julgado de outros pontos, leva em consideração que o trânsito em julgado, como requisito para a ação rescisória (art. 485, caput, do CPC), somente se opera no momento em que a decisão proferida no processo não seja suscetível de nenhum recurso (art. 467 do CPC), além da circunstância de o desmembramento da sentença ou do acórdão em capítulos para fins de ajuizamento da ação rescisória gerar indesejável insegurança jurídica para as partes. Nesse ponto, no entanto, não se desconhece que o projeto do novo Código de Processo Civil que tramita no Senado Federal propõe a coisa julgada progressiva. Também a Primeira Turma do egrégio Supremo Tribunal Federal vem de adotar, em recente julgado de relatoria do Ministro MARCO AURÉLIO, entendimento segundo o qual o prazo decadencial de ação rescisória, nos casos de existência de capítulos autônomos, deve ser contado do trânsito em julgado de cada decisão (RE n. 666.589/DF, DJe de 3.6.2014). Em tais condições, caso mantida a proposta do novo Código de Processo Civil e eventual alteração da jurisprudência do egrégio Supremo Tribunal Federal, no tempo oportuno, a Corte deverá promover novo exame do enunciado n. 401 da Súmula deste Tribunal” (STJ – Voto do Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira no REsp 736650 MT, Corte Especial, DJe 01/09/2014)
Sendo assim, o prazo decadencial para o ajuizamento da ação rescisória tem início com o trânsito em julgado da decisão proferida no último recurso apresentado contra o julgado rescindendo. Excepciona-se dessa regra, tão-somente, as hipóteses em que o recurso é extemporaneamente apresentado ou quando seja demonstrado o comportamento malicioso do apelante, que age de má-fé para reabrir prazo recursal já vencido.
Esta é a tese que tem acolhida na jurisprudência do STJ e ficou bem explicitada no precedente a seguir transcrito:
“(...) Não se admite a coisa julgada por capítulos, uma vez que tal exegese pode resultar em grande conturbação processual, na medida em que se torna possível haver uma numerosa e indeterminável quantidade de coisas julgadas em um mesmo feito, mas em momentos completamente distintos e em relação a cada parte. - O trânsito em julgado ensejador do pleito rescisório não se aperfeiçoa em momentos diversos (por capítulos), sendo único para todas as partes, independentemente de haverem elas recorrido ou não. Assim, o interregno autorizativo da ação rescisória (art. 495 do CPC) somente deve ter início após proferida a última decisão na causa, concretizando-se a coisa julgada material. - Excepciona-se dessa regra, tão-somente, as hipóteses em que o recurso é extemporaneamente apresentado ou que haja evidenciada má-fé da parte que recorre. (...)” STJ - REsp 639233 DF, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, 1ª Turma, DJ 14/09/2006.
Em suma: segundo o STJ, o prazo decadencial de 2 anos para a propositura da ação rescisória se inicia com o trânsito em julgado da última decisão proferida no processo, que se aperfeiçoa com o exaurimento dos recursos cabíveis ou com o transcurso do prazo recursal.
O Novo CPC consagrou esse entendimento no art. 975 (art. 495 do CC/73). Confira:
NCPC. Art. 975. O direito à rescisão se extingue em 2 (dois) anos contados do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo. (grifo nosso)
Nesse momento, cumpre ingadar: Qual seria o dies a quo da contagem desse prazo de 2 anos para ajuizar a ação rescisória? É o que veremos a seguir.
3. QUAL É O DIES A QUO DA CONTAGEM DO PRAZO DE 2 ANOS PARA AJUIZAR A AÇÃO RESCISÓRIA?
No Superior Tribunal de Justiça, grandes controvérsia surgiram a respeito da definição do termo inicial do biênio decadencial para se propor a ação rescisória (se do dia do trânsito em julgado ou do dia seguinte ao trânsito em julgado).
Durante muito anos a jurisprudência do STJ foi no sentido de que o termo a quo do prazo para ajuizamento da ação rescisória seria o dia seguinte ao transito em julgado. Essse entendimento partia do pressuposto de que o trânsito em julgado ocorreria no último dia para a interposição do recurso cabível. Assim, a contagem do prazo para propor a ação rescisória não teria início no mesmo dia em que a decisão transita em julgado e sim no dia seguinte.
Nessa linha, confira: [11]
“(...) 1. O prazo bienal previsto no artigo 495 do CPC para propositura da ação rescisória conta-se a partir do dia seguinte ao trânsito em julgado da última decisão proferida nos autos, ou seja, quando não for cabível a interposição de qualquer recurso pelas partes litigantes. Escoado o prazo legal , impõe-se reconhecer o instituto da decadência, julgando-se extinto o processo, com resolução de mérito, nos termos do artigo 269, IV, do Código de Processo Civil. (...)” STJ - AgRg na AR 3.792/PR, 1ª Seção, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 4/09/2014 (grifo nosso)
“(...) 3. O prazo de decadência para a propositura da ação rescisória vem previsto no artigo 495 do CPC, que assim dispõe, verbis: O direito de propor ação rescisória se extingue em 2 (dois) anos, contados do trânsito em julgado da decisão.
4. Deveras, a decisão transita em julgado ou faz coisa julgada material na exata dicção da legislação processual civil quando resta ao desabrigo de qualquer recurso. Sob esse enfoque di-lo o Art. 467 – Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário.
5. Consectariamente, é mister aguardar o trânsito em julgado da decisão de mérito para que se possa inaugurar o prazo decadencial da ação autônoma de impugnação, razão pela qual, uma decisão não pode ser considerada transitada em julgado se ainda potencialmente passível de recurso. É dizer: subjaz juridicamente impossível que o prazo da ação rescisória inicie-se no mesmo dia em que a decisão transita em julgado.
6. A fortiori, irrefutável a jurisprudência da Corte no sentido de que o prazo decadencial da ação rescisória somente se inicia no dia seguinte ao trânsito em julgado (...)” STJ - EREsp: 341655 PR, Rel. Min. Laurita Vaz, Corte Especial, DJe 04/08/2008 (grifo nosso)
Ocorre que, em dezembro de 2014, no julgamento do REsp 1112864 MG, a Corte Especial STJ reviu sua jurisprudência sobre o tema e afirmou que o equívoco da jurisprudência até então prevalecente estaria justamente na indicação do dia do transito em julgado. Na verdade, para se saber qual é o dies a quo do prazo bienal para a ação rescisória, primeiro é necessário estabelecer o dia preciso em que ocorre trânsito em julgado.
Cumpre então indagar: em que momento ocorre o trânsito em julgado?
A teor do disposto no § 3º do art. 6º da Lei de Introdução ao Código Civil, "chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba mais recurso", bem assim no art. 467 do CPC de 1973 estabelece que “denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário”.
Vale observar que, no NCPC, a regra do art. 467 do CPC/73 vem expressa no art. 502, que ganhou a seguinte redação: “Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso”.
Note-se que o Novo CPC conserva a iniciativa do art. 467 do CPC atual ao conceituar coisa julgada. No entanto, o texto substitui “sentença” por “decisão de mérito”, o que é é absolutamente consentâneo com o sistema do novo CPC, que admite decisões interlocutórias de mérito. Além disso, o novo CPC substitui a palavra “eficácia” por “autoridade”, o que se coaduna com o a doutrina de Liebman sobre o instituto da coisa julgada. [12] Vale lembrar que “o primeiro grande mérito da doutrina de Liebman é o de enxergar na coisa julgada não um efeito da sentença, como sustentado na doutrina tradicional, mas, sim, uma qualidade dos efeitos da sentença, qual seja, a sua imutabilidade”.[13]
Segundo Furlan: [14]
“Em suma, para Liebman, a autoridade da coisa julgada é a imutabilidade do comando emergente da sentença, ou seja, a qualidade que reveste o ato em seu conteúdo, tornando-o imutável, assim como seus efeitos. Reconhece que a autoridade da coisa julgada não recai tão somente sobre os efeitos declaratórios, mas cobre igualmente os elementos constitutivos e condenatórios da sentença.”
À luz do que até agora foi exposto, podemos concluir o seguinte: só há trânsito em julgado quando não mais couber recurso. Dessa forma, podemos concluir que há trânsito em julgado no dia imediatamente subsequente ao último dia do prazo para o recurso em tese cabível contra a última decisão proferida na causa. [15]
Como observou a ilustre Ministra Laurita Vaz, dispõe o art. 495 do CPC, in verbis : "O direito de propor ação rescisória se extingue em 2 (dois) anos, contados do trânsito em julgado da decisão ." E não do "dia seguinte" ao trânsito em julgado.
Em suas palavras: [16]
“Diante da aparente incongruência é que suponho, passou-se a adotar a saída possível para o impasse, qual seja, dizer que o termo inicial do prazo bienal é o "dia seguinte" ao do trânsito em julgado; quando, na realidade, o equívoco está justamente na indicação do dia do trânsito em julgado. Entretanto, se corrigida essa imprecisão, o "remendo" mostra-se desnecessário, preservando a disposição expressa da lei, que, ao fixar o termo inicial do prazo decadencial, aponta simplesmente o trânsito em julgado, não o "dia seguinte".”
Vale frisar: o termo inicial para o ajuizamento da ação rescisória coincide com a data do trânsito em julgado da decisão rescindenda.
A propósito, confira-se trecho do referido julgado:
“O termo "a quo" para o ajuizamento da ação rescisória coincide com a data do trânsito em julgado da decisão rescindenda. O trânsito em julgado, por sua vez, se dá no dia imediatamente subsequente ao último dia do prazo para o recurso em tese cabível.” STJ - REsp 1112864 MG, Rel. Min. Laurita Vaz, Corte Especial, DJe 17/12/2014.
Confira também precedentes do STJ e do STF:
“(...) O prazo decadencial para propositura de ação rescisória começa a correr da data do trânsito em julgado da sentença rescindenda, incluindo-se-lhe no cômputo o dia do começo, e sua consumação deve pronunciada de ofício a qualquer tempo, ainda quando a tenha afastado, sem recurso, decisão anterior. (...” STF - AR 1412 SC , Rel. Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, DJe 26/06/2009
“(...) O termo inicial de prazo de decadência para a propositura da ação rescisória coincide com a data do trânsito em julgado do título rescindendo. Recurso inadmissível não tem o efeito de empecer a preclusão - "Comentários ao Código de Processo Civil", José Carlos Barbosa Moreira, volume 5, Editora Forense. (STF - AR: 1472 DF , Rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, DJe 07/12/2007
“(...) 1. A decadência do direito de desconstituir, em ação rescisória, a coisa julgada material implementa-se no prazo de dois anos iniciado no dia seguinte ao término do prazo para a interposição do recurso em tese cabível contra o último pronunciamento judicial. 2. Inobservância, quando do ajuizamento da ação rescisória, do prazo bienal de decadência. 3. A certidão emitida por funcionário do Poder Judiciário informa apenas a ocorrência, e não a data exata, do trânsito em julgado. (...)” STJ - AR 4374 MA, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, 2ª Seção, DJe 05⁄06⁄2012
4. CABE PRORROGAÇÃO DO PRAZO DA AÇÃO RESCISÓRIA SE CAIR EM DIA NÃO ÚTIL?
De acordo com a doutrina pátria[17], o prazo para a ação rescisória é decadencial e, por isso, não estaria sujeito a suspensão ou interrupção. Não obstante, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que, se o termo final do prazo para ajuizamento da ação rescisória recair em dia não útil, prorroga-se para o primeiro dia útil subsequente.
Vale dizer: “o termo final do prazo para o ajuizamento da ação rescisória, embora decadencial, prorroga-se para o primeiro dia útil subsequente, se recair em dia de não funcionamento da secretaria do Juízo competente”.[18]
Nesse sentido:
“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. TERMO INICIAL DO PRAZO DE DOISANOS. RECURSO CONSIDERADO INEXISTENTE. TRÂNSITO EM JULGADO DADECISÃO QUE APRECIOU O ÚLTIMO RECURSO INTERPOSTO. SÚMULA 401/STJ. PRAZO DECADENCIAL. TÉRMINO EM DIA NÃO-ÚTIL. PRORROGAÇÃO. PRIMEIRODIA ÚTIL SEGUINTE. PRECEDENTE DA CORTE ESPECIAL.AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. (STJ - AgRg no REsp: 1231666 BA 2011/0012811-8, Relator: Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, Data de Julgamento: 17/04/2012, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/04/2012
“(...) 1. O Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento no sentido de que, não obstante o prazo para ajuizamento da ação rescisória seja decadencial, se o seu termo final ocorrer em dia não-útil, prorroga-se para o dia útil subsequente. (...) STJ - AgRg no REsp: 966017 RO Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 5ª Turma, DJe 09/03/2009.
“(...) Ainda que decadencial, o prazo para ajuizamento da ação rescisória prorroga-se para o primeiro dia útil. (AgRg no Resp 747.308/DF, DJ 19/03/2007, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros) 6. No mesmo sentido: Resp 167.413/SP, DJ 24/08/1998, Rel. Min. Garcia Vieira; Resp 84.217/MG, DJ 03/02/1997, Rel. Min. Demócrito Reinaldo; Resp 51.968/SP, DJ 10/10/1994, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha; Enunciado nº 100 do TST: - IX - Prorroga-se até o primeiro dia útil, imediatamente subseqüente, o prazo decadencial para ajuizamento de ação rescisória quando expira em férias forenses, feriados, finais de semana ou em dia em que não houver expediente forense. Aplicação do art. 775 da CLT. (ex-OJ nº 13 da SBDI-2 - inserida em 20.09.00). (...)” STJ - EREsp 667672 SP, Rel. Min. José Delgado, Corte Especial, DJe 26/06/2008.
Consagrando este entendimento, o § 1º do art. 975 do Novo CPC estabeleceu o seguinte:
NCPC. Art. 975. (...) § 1o Prorroga-se até o primeiro dia útil imediatamente subsequente o prazo a que se refere o caput, quando expirar durante férias forenses, recesso, feriados ou em dia em que não houver expediente forense.
CONCLUSÃO
Durante muitos anos o STJ afirmou que o termo a quo do prazo decadencial de 2 anos para a propositura de ação rescisória seria o dia seguinte ao do trânsito em julgado da última decisão proferida na causa.
No entanto, no julgamento do REsp 1112864 MG a Corte Especial passou entender o seguinte: o termo a quo para o ajuizamento da ação rescisória coincide com a data do trânsito em julgado da última decisão proferida nos autos. Em outras palavras, o prazo de 2 anos para o ajuizamento da ação rescisória deve ser contado da data do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo.
Esta orientação está perfeitamente alinhada com regra do art. 495 do atual CPC ("O direito de propor ação rescisória se extingue em 2 (dois) anos, contados do trânsito em julgado da decisão ."), bem como do art. 975 do Novo CPC (“O direito à rescisão se extingue em 2 (dois) anos contados do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo.”)
Perceba-se que a lei fala em “2 (dois) anos contados do transito em julgado”. Cumpre então indagar: em momento ocorre o trânsito em julgado? Ora, só há trânsito em julgado quando não mais couber recurso. Assim, por óbvio, o trânsito em julgado ocorre no dia imediatamente seguinte ao último dia do prazo para o recurso em tese cabível contra a última decisão proferida na causa.
Ressalte-se que se o termo final do prazo para o ajuizamento da ação rescisória recair em dia de não funcionamento da secretaria do Juízo competente, será então prorrogado para o primeiro dia útil subsequente, apesar de se tratar de prazo decadencial. Esta regra foi acolhida no § 1º do art. 975 do Novo CPC.
REFERÊNCIAS
BUENO. Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil Anotado. São Paulo:Saraiva, 2015.
DIDIER JÚNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de direito processual civil. Vol. 3, 11ª ed., Salvador: JusPODIVM, 2013
DINAMARCO, Cândido Rangel Nova Era do Processo Civil. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 291-292.
FURLAN, Alessandra Cristina. Coisa Julgada nas Ações Coletiva. Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2000.
MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil: Comentado Artigo por Artigo, 5.ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 521; ALVIM , J. E. Carreira. Ação Rescisória Comentada, Curitiba: Juruá, 2009.
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil, Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Vol. V: arts. 476 a 565, 17.ª, Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 218-220;
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil.Vol. único, 3ª ed. São Paulo: Ed. Método, 2009.
SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória , 3ª ed., São Paulo: Saraiva, 2004.
THEODORO JR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil - Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento . Vol. I, 47ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007.
VITAGLIANO, José Arnaldo. Coisa Julgada e Ação Anulatória. Curitiba: Juruá, 2004.
[1] Cf. DIDIER JÚNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de direito processual civil. Vol. 3, 11ª ed., Salvador: JusPODIVM, 2013, p 392
[2] Idem.
[3] Cf. STJ – Voto do Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO no AR 2845 RS, 2ª Seção, DJe 14/12/201
[4] Cf., na mesma linha: Inteiro teor do AR 172 (DJ 25/10/1968) e do RE 6364 (DJ 29/12/1949)
[5] Cf., nessa linha: AR 3.616/PE, Rel. Min. Humberto Martins, DJ 19/9/2006; AR 3.279/RJ, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 3/1/2005; AR 522/DF, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, 2ª Seção, DJ 14/9/98.
[6] Cf., dentre outros: STJ - REsp 628.464/GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJ 27/11/2006; e REsp 100.902/BA, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, Quarta Turma, DJ 29/9/97
[7] Cf. SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória , 3ª ed., São Paulo: Saraiva, 2004, p. 724
[8] Cf. DINAMARCO, Cândido Rangel Nova Era do Processo Civil. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 291-292.
[9] Cf. THEODORO JR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil - Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento . Vol. I, 47ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 771
[10] Cf. BUENO. Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil Anotado. São Paulo:Saraiva, 2015, p. 605
[11] Cf., na mesma linha, os seguintes precedentes: AgRg no Ag 175140 GO, Rel. Ministro Ari Pargendler, 3ª Turma, DJ 11.06.2001; AR 377 DF, Rel. Ministro Paulo Gallotti, 3ª Seção, DJ 13/10/2003 p. 225; REsp 12550 SP, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, 4ª Turma, DJ 04/11/1996
[12] Cf., nesssa mesma linha: BUENO. Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil Anotado. São Paulo:Saraiva, 2015, p. 605; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil.Vol. único, 3ª ed. São Paulo: Ed. Método, 2009, p. 533.
[13] Cf. VITAGLIANO, José Arnaldo. Coisa Julgada e Ação Anulatória. Curitiba: Juruá, 2004, p. 57.
[14] Cf. FURLAN, Alessandra Cristina. Coisa Julgada nas Ações Coletiva. Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2000, p. 102.
[15] Idem.
[16] Cf., nessa linha: STJ - Voto da Ministra Laurita Vaz (Relatora) no REsp 1112864 MG, Corte Especial, DJe 17/12/2014.
[17] Cf. MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil, Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Vol. V: arts. 476 a 565, 17.ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 218-220; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil: Comentado Artigo por Artigo, 5.ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 521; ALVIM , J. E. Carreira. Ação Rescisória Comentada, Curitiba: Juruá, 2009, p. 200.
[18] Cf. STJ - REsp 1112864 MG, Rel. Min. Laurita Vaz, Corte Especial, DJe 17/12/2014.
Advogada, autora de diversos artigos publicados em revistas jurídicas e das obras "Direito Sumular - STF" e "Direito Sumular - STJ", São Paulo: JHMizuno, 2015.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VILLAR, Alice Saldanha. STJ se alinha ao Novo CPC e muda seu entendimento sobre o dies a quo do prazo da ação rescisória Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 mar 2016, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/2320/stj-se-alinha-ao-novo-cpc-e-muda-seu-entendimento-sobre-o-dies-a-quo-do-prazo-da-acao-rescisoria. Acesso em: 22 nov 2024.
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