Conforme destaca Álvaro Villaça Azevedo, “o bem de família é um meio de garantir um asilo à família, tornando-se o imóvel onde a mesma instala domicílio impenhorável e inalienável, enquanto forem vivos os cônjuges e até que os filhos completem sua maioridade”.
A teor do artigo 1º da Lei n. 8.009⁄1990, o bem imóvel destinado à moradia da entidade familiar é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida contraída pelos cônjuges, pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas no artigo 3º desta lei. Assim, não se há de autorizar a penhora e, consequentemente, a expropriação daquele imóvel que se destina a acolher a entidade familiar do devedor.
No artigo 3º desse diploma legal encontram-se algumas hipóteses em que não se pode alegar a impenhorabilidade do imóvel residencial. Vale dizer: o artigo 3º elenca casos em que é autorizada a penhora do bem de família. Em 1991, a Lei n. 8.245/91 inseriu o inciso VII no artigo 3º da Lei n. 8.009⁄1990, que assim dispõe:
Lei n. 8.009/90. Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: (...) VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação. (Incluído pela Lei nº 8.245, de 1991)
Veja-se que este dispositivo permite a penhora do bem de família do devedor que, na condição de fiador, se obrigou ao pagamento de eventual dívida advinda de contrato de locação. Em outras palavras: em caso de inadimplência do inquilino, seria possível a penhora do único imóvel do fiador do contrato de locação.
Em observância a esta exceção legal, os tribunais pátrios passaram a entender que, em se tratando de obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação, deve-se afastar a impenhorabilidade dos bens de família prevista pelo art. 1º da Lei n. 8.009⁄90.
Ocorre que, com o advento da Emenda Constitucional n. 26, de 14 de fevereiro de 2000, que incluiu a moradia entre os direitos sociais previstos no art. 6º da CF⁄88, passou-se a questionar a constitucionalidade desse dispositivo, por afronta aos princípios constitucionais da isonomia e do direito à moradia. Instado a se manifestar, o Superior Tribunal de Justiça afirmou que “é impenhorável bem de família pertencente a fiador em contrato de locação, porquanto o art. 3º, VII, da Lei nº 8.009⁄90 não foi recepcionado pelo art. 6º da Constituição Federal (redação dada pela Emenda Constitucional nº 26⁄2000)”.
Posteriormente, a matéria chegou ao Supremo Tribunal Federal, que no julgamento do RE 407688 SP (DJ 06/10/2006), assentou que "a penhorabilidade do bem de família do fiador do contrato de locação, objeto do art. 3º, inc. VII, da Lei nº 8.009, de 23 de março de 1990, com a redação da Lei nº 8.245, de 15 de outubro de 1991, não ofende o art. 6º da Constituição da República".
Numa palavra: o Pretório Excelso declarou a constitucionaliade do 3º, inc. VII, da Lei nº 8.009⁄90. O principal argumento foi no sentido de que a possibilidade da penhora tem o efeito de facilitar a celebração de contratos de locação, o que acaba por fortalecer o direito social à moradia previsto no artigo 6° da CF/88. Além disso, considerou-se necessário proteger a autonomia da vontade daquele que se obriga em contrato de fiança locatícia, ou seja, a decisão de prestar fiança é expressão da liberdade de contratação e aquele que assume a condição de fiador assume também o risco de ser executado por dívida contraída pelo locatário.
Em razão dessa decisão do Plenário do Pretório Excelso, o Superior Tribunal de Justiça reviu sua jurisprudência e passou a entender que é legítima a penhora sobre bem de família pertencente a fiador de contrato de locação. Esta orientação culminou na criação da Súmula 549 do STJ, em outubro de 2015, verbis: “É válida a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação”.
Ressalte-se que, de acordo com a jurisprudência do STJ, a penhora sobre bem de família pertencente a fiador é válida mesmo em se tratando de contrato de locação pactuado antes da vigência da Lei 8.245⁄91- que incluiu o art. 3º, inc. VII, da Lei nº 8.009⁄90. É que a superveniência de regra jurídica admitindo a realização de penhora sobre imóvel que se achava ao abrigo da Lei n. 8.009/90 possui aplicação imediata, dada a sua natureza processual e de ordem pública. Dessa forma, a regra do artigo 3º, inc. VII da Lei n. 8.009⁄90 pode atingir também os contratos firmados antes da sua vigência.
CONCLUSÃO
A impenhorabilidade do bem de família é regra, somente sendo cabível nas estritas exceções legalmente previstas. O artigo art. 3º, inc.VII da Lei n. 8.009/90 (na redação dada pelo art. 82, da Lei n° 8.245/91) tornou possível a penhora sobre bem de família do fiador de contrato de locação.
O STF declarou que este dispositivo é constitucional, pois respeita a autonomia da vontade daquele que se obriga em contrato de fiança locatícia, facilitando a celebração de contratos de locação - o que acaba por fortalecer o direito social à moradia previsto no artigo 6° da CF/88. Vale dizer: o STF afirmou a validade da penhora do bem de família do fiador que está sendo executado por dívida contraída pelo locatário
Seguindo esta orientação do STF, o STJ criou a Súmula 549: “É válida a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação”. Ressalte-se que essa regra também pode atingir contratos de locação pactuados antes da vigência da Lei 8.245⁄91, que incluiu o art. 3º, inc. VII, da Lei nº 8.009⁄90, norma de natureza processual e de ordem pública que possui aplicação imediata.
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