Segundo o Supremo Tribunal Federal, em decisão do dia 27 de setembro, "decisão tomada por segundo júri, feito por determinação judicial, não pode piorar a situação do réu que já havia sido condenado em outro Tribunal do Júri", razão pela qual o Ministro Luiz Edson Fachin "determinou que um condenado por homicídio sofra só as penas impostas a ele pelo primeiro julgamento, que não havia considerado o crime hediondo". Eis o caso:
"O réu havia sido condenado em dezembro de 2011 a 11 anos e oito meses de prisão por homicídio privilegiado-qualificado: incidiram na pena dele, ao mesmo tempo, os parágrafos 1º e 2º, inciso IV, do artigo 121 do Código Penal. O primeiro dispositivo atenua a pena caso o homicídio seja cometido “impelido por motivo de relevante valor social ou moral”. O último, aumenta a pena se o crime for cometido de forma que impossibilite a defesa da vítima. Diante da condenação, somente a defesa recorreu, e pediu novo júri, o que aconteceu em 2013. Mas no novo julgamento, os jurados levaram em conta apenas a qualificadora e relevaram a atenuante, aumentando a pena do réu. A defesa, então, foi ao Tribunal de Justiça de São Paulo alegar a inconstitucionalidade da segunda condenação, já que recurso da defesa não pode resultar em decisão pior ao réu. A apelação foi parcialmente acolhida para restabelecer a pena do primeiro julgamento, mas não foi restabelecida a classificação do crime como qualificado-privilegiado, o que, em razão da hediondez, acarreta efeitos gravosos no âmbito da execução penal, como na progressão de regime. Foi, então, impetrado Habeas Corpus no Superior Tribunal de Justiça, que o rejeitou por entender que nem a sentença e nem o acórdão do TJ trataram de progressão de regime."
Ao proferir o seu voto, o Ministro Fachin explicou "que a pena não é o único elemento da condenação que pode resultar em situações desfavoráveis à vida do réu", afirmando ser "irrelevante o fato de que a progressão de regime não tenha sido tratada na sentença ou no acórdão de apelação, pois os requisitos para a concessão de benefícios na execução da pena estão expressamente previstos em lei." (Habeas Corpus nº. 136.768).
Esta decisão segue outra proferida pela 2ª. Turma do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus nº 89.544-1, que teve por relator o Ministro Cezar Peluso, julgado em 14 de abril de 2009. A decisão do Supremo Tribunal Federal foi correta, pois não se fez tabula rasa do princípio da proibição da ne reformatio in pejus.
A propósito, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal negou provimento ao Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº. 123115, impetrado pela Defensoria Pública da União em favor de um condenado pela prática do crime de tráfico de entorpecentes. O Ministro Celso de Mello afirmou que “não é permitido que o tribunal ad quem pronuncie uma decisão que seja desfavorável a quem recorre, quer do ponto de vista quantitativo, quer sob o aspecto meramente qualitativo.” (grifamos).
O Superior Tribunal de Justiça também já decidiu que “o art. 617 do Código de Processo Penal, na sua parte final, veda, em recurso exclusivo da defesa, o agravamento da situação exposta ao réu, na linha dos princípios que consagram a vedação da reformation in pejus e o tantum devolutum quantum apelatum.” (Habeas Corpus nº. 21.864 – Relator Ministro Paulo Gallotti).
Comentando este princípio, Galvão Rabelo, em artigo publicado no Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - IBCCRIM (São Paulo, ano 17, n. 203, p. 16-18, out., 2009), ensina que ele, "em sua perspectiva direta, impede que o juízo ad quem, quando provocado por recurso exclusivo da defesa, piore a situação do réu. Obviamente, se a defesa recorre é porque busca uma melhora na situação do acusado. Se a interposição de recurso defensivo pudesse significar uma piora para o réu, estar-se-ia, pelo menos, desestimulando a defesa a utilizar mecanismos disponíveis para impugnação de decisões judiciais desfavoráveis. Com isso, restringir-se-ia indevidamente o princípio constitucional da ampla defesa e o devido processo legal."
Com efeito, admite-se a reformatio in pejus apenas em relação à acusação, pois "o recurso de apelação do Ministério Público devolve ao tribunal o exame de mérito e da prova. Nessas circunstâncias, se o tribunal verifica que houve erro na condenação ou na dosimetria da pena, não está impedido de corrigi-lo em favor do réu, ante o que dispõe o art. 617 do Código de Processo Penal, que somente veda a reformatio in pejus, e não a reformatio in mellius. Argumentos de lógica formal não devem ser utilizados na Justiça criminal para homologar erros ou excessos." (Superior Tribunal de Justiça - Relator Ministro Assis Toledo - RT 659/335).
Aliás, "a apelação é regida pela regra tantum devolutum quantum appellatum. Cumpre, porém, distinguir na espécie o processo civil do processo penal. Naquele, a pedido; neste, não. O juiz confere o tratamento jurídico adequado ainda que contrarie a postulação do autor da ação penal. O processo penal (extensão material) não se esgota no Código de Processo Penal. A Constituição da República engloba a lei de ritos, amplia-a a fim de o direito de liberdade não ser molestado, ou se o for, fazer cessá-la. Daí, o habeas corpus (art. 5º, LXVIII). Ao Judiciário, cumpre fazer cessar a ilegalidade incontinenti. Consagrou-se, então, o chamado habeas corpus de ofício. A reformatio in mellius é a decorrência destes princípios. Útil para declarar a atipicidade da conduta" (Superior Tribunal de Justiça - Recurso Especial nº. 109194 - Relator Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro).
Em tempos de Lava-Jato, sempre é boa uma boa notícia...
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