A Seguridade Social é fruto de bem engengrada construção legislativa, que trouxe proteção universalista aos cidadão brasileiros, seja pela Previdência Social, seja pela Assistência Social, seja pela Saúde. Trata-se de direito fundamental constitucional e que tem por um dos principais motes o bem estar e justiça sociais, tendo como seu primado, o trabalho. A Constituição Federal de 1988 é diploma maior que busca não-somente distribuir poder, competências e organizar o Estado, preocupando-se, também, em criar condições para atender aos anseios sociais, a fim de garantir aos cidadãos a libertação de suas necessidades, mormente no contexto da Ordem Social. Sob modelo bismarckiano (contributivo), a Previdência Social brasileira foi desenhada nos diversos textos constitucionais, até desaguar em detalhes na Carta Política de 1988, prevendo regras de custeio e financiamento de Seguridade Social, com reflexos no modelo previdenciário de arrecadação, bem como prevendo normas gerais de teoria geral das prestações previdenciárias aos segurados e dependentes. O principio da solidariedade insculpido no artigo 3º da Constituição Federal de 1988, tem seu reflexo na ordem social, quando chama a sociedade a participar do financiamento da Seguridade Social, bem como a garantir que a contribuição previdenciária dos ativos trabalhadores custeiem os benefícios previdenciários dos atuais inativos, eliminando assim suas necessidades básicas, tendo, nesse passo, o envolvimento de todos o cidadãos. Nesse modelo previdenciário do Regime Geral de Previdência Social brasileiro (contributivo), diversos tributos previdenciários são arrecadados, sob o comando da Lei nº 8.212/91, de quem contrata ou toma serviços de segurados obrigatórios, cuja incidência se dá sobre as remunerações pagas, devidas ou creditadas. No âmbito do trabalhador, exige-se que o tributo previdenciário seja retido, pelo tomador, em face das remunerações que paga aos segurados obrigatórios, buscando completar a forma tríplice de custeio previdenciário no Brasil, que ainda conta com as contribuições a cargo da União. Neste mesmo Regime Geral de Previdência Social, em virtude dessas contribuições previdenciárias arrecadadas pela Receita Federal do Brasil sobre remunerações ou sobre receita bruta (desoneração da folha de pagamento), formam-se fontes prévias para que o Instituto Nacional do Seguro Social possa arcar com o pagamento de benefícios previdenciários, em obediência à vinculação constitucional direta e irrestrita trazida pelo artigo 167, XI, da Constituição Federal de 1988. Mas, por vezes, essa arrecadação de contribuições previdenciárias ou mesmo os regulares pagamentos de benefícios previdenciários encontram óbices e barreiras que mudam suas normais rotinas. São as chamada fraudes previdenciárias, que acabam por ocorrer de diversas formas, gerando prejuízos aos cofres públicos. Diante dessa situação, o aparelho de persecução penal da União, materializado pela Polícia Judiciária da União e pelo Parquet Federal, é chamado para apurar os delitos em suas mais variadas entranhas. Desde fraudes simples, envolvendo um empresário-contribuinte, com suas apropriações indébitas e sonegações, ambas previdenciárias, até segurados ou dependentes que, de posse de documentos falsos, buscam receber valores da Previdência Social. Todavia, a maior mácula deixada em forma de prejuízo aos cofres previdenciários, conforme Anexo I, vem de pessoa, grupos, associações criminosas, quadrilhas etc, que trabalham de modo engenhoso, conhecendo as brechas dos sistemas governamentais e das leis, para fraudar a Previdência Social, por meio de produções em série de documentos falsos, inserções fraudulentas em sistema de informações (SEFIP/GFIP), objetivando desviar valores previdenciários ilicitamente. A Força-Tarefa Previdenciária, criada em 2000, buscou unir os trabalhos da Polícia Federal, do INSS e do MPF, e tem como objetivo um esforço em conjunto para a detecção dessas fraudes em escalão, que causam sangria volumosa nos cofres públicos, geralmente envolvendo esses citados grupos criminosos. O objetivo maior, além da proteção, prevenção e eliminação das fraudes, é garantir a incolumidade do bem jurídico tutelado da Previdência Social, ou seja, a proteção à subsistência financeira aos segurados e dependentes regulares. O sistema previdenciário enfraquece por diversos motivos, entre eles, algumas regras atuais que já não mais comportam pagamento de benefícios em relação ao custeio prévio; idade avançada dos inativos, a existência de comando constitucional altamente prejudicial à Seguridade Social de modo geral: a Desvinculação das Receitas da União, e por fim, o mundo das fraudes previdenciárias. Para proteger e fortalecer esse sistema previdenciário, desde longa data, o legislador cria leis para criminalizar condutas ilícitas que causam prejuízo previdenciário. São tipos penais do custeio previdenciário e dos benefícios previdenciários. Os primeiros são a sonegação e a apropriação indébita. No contexto dos benefícios tem-se o estelionato previdenciário e as falsificações em geral, mormente as previdenciárias, além das inserções e alterações de informações em sistemas de informática. A apropriação indébita previdenciária tem como principais características: ser de conduta mista, com uma comissão (desconto - elementar do tipo) e uma omissão (ausência de repasse aos cofres públicos); ser crime material em que o prejuízo à Previdência Social (resultado naturalístico) é essencial para a consumação, que tem como ponto final o exaurimento da esfera administrativa fiscal, constituindo definitivamente o crédito tributário; não depender de prova de vontade de assenhoramento das contribuições previdenciárias (animus rem sibe habendi) para a efetivação do tipo penal. Esses valores retidos e não repassados não pertencem aos contratantes, nem aos contratados (segurados), mas sim à União. Na contratação do trabalho remunerado, o empregador tem que possuir valores aprovisionados para saldar os tributos previdenciários patronais. Quando o contratado passa a exercer o labor, sua remuneração tem como previsão um desconto previdenciário, ou seja, esse valor também não pertence ao segurado, mas sim, ã União, que arrecada tudo para pagar os benefícios dos inativos. Óbvio que, não havendo o desconto, pela doutrina e jurisprudência, o fato é atípico. Não se pode afirmar que os valores retidos e não repassados pertençam ao segurado. Desde o fato gerador (contratação de trabalho por remuneração, observado o limite temporal de recolhimento), os valores já pertencem aos cofres públicos da União. Não cabe tentativa, pois apesar do crime ser material, a definitividade da consumação ocorre no exaurimento administrativo. A sonegação previdenciária é outro delito do custeio previdenciário que tem como características: ser crime material com resultado naturalistico (prejuízo à Previdência Social); depender do exaurimento da esfera administrativa para sua consumação; ser delito que tem como elementar a fraude (na omissão de segurados em livros fiscais, de empregados, na contabilidade, em guias de informação acessória etc). Pune-se pela ausência de informações que demonstrem a realidade do contratante, diante dos contratados não regularizados exercendo labor na empresa. Pune-se pela fraude omissiva, que por consequência, gera redução ou supressão de tributos previdenciários patronais. Mais uma vez, quando da contratação de trabalho por remuneração, observando-se o limite temporal de recolhimento do tributo, deve o contratante (empresário) ter provisionamento para arcar com a contribuição previdenciária devida. Nesse momento, os valores são da União e não mais do empresário, que está com algo que, desde a contratação remunerada, já pertence aos cofres públicos. O crime não é pela dívida, mas sim pela omissão, pela fraude. Entretanto, para que haja uma extinção da punibilidade pelo delito praticado, deve haver uma denúncia espontânea antes do início da ação fiscal, ou pagamento integral do devido após esse início. Aliás, qualquer falsidade empregada para intentar o crime de sonegação previdenciária, que já tem como característica elementar a fraude, é por esta absorvida, desde que seja apenas usada como crime-meio. Não cabe tentativa, pois apesar do crime ser material, a definitividade da consumação ocorre no exaurimento administrativo. Os crimes de falsidade, entre eles, o de falsidade previdenciária têm como principais pontos: a fabricação, a alteração, enfim a confecção de documentos que forjem a realidade, dando contornos irreais a situações trabalhistas diversas ou inexistentes, impondo vínculos fictícios de emprego, quer seja na CTPS, em livros de empregados, em formulários ou laudos que atestem inveridicamente exposição a agentes nocivos, até mesmo nas clássicas e simples falsificações de documentos de identidade, CPF, que têm sua origem na falsificação de certidões de nascido-vivo ou óbito, buscando a falsificação de certidões de nascimento e de óbito. Ou seja, tudo se frauda (reino das fraudes). Os maiores infratores ativos desses procedimentos fraudulentos e que conhecem os meandros dos sistemas previdenciários não são os simples segurados, dependentes, ou terceiros não envolvidos com pessoa ou grupos criminosos, mas sim esses grupos, quadrilhas, bandos, organizações criminosas, ou mesmo uma pessoa só, mas que engendram e praticam a engenharia do crime, produzindo documentos, certidões etc, buscando desviar vultosos valores previdenciários do INSS, inclusive com envolvimento de servidores públicos. A essas pessoas, grupos, quadrilhas, foi denominada a terminologia de intermediários fraudadores em série. Às pessoas que fraudam a Previdência Social em busca do recebimento de seus próprios valores previdenciários, em seu real nome, sem estarem associados permanentemente com esses intermediários fraudadores em série, podendo até terem se beneficiado de documento fraudado por esses, desde que seja apenas para o recebimento de seus valores previdenciários e nada mais, foi denominada a terminologia de beneficiários de fato. Esses podem ser segurados e dependentes que ainda não preenchem os requisitos da lei. Podem, também, ser terceiros que recebem benefícios após o óbito de pessoas próximas a sua convivência. E, ainda, podem ser terceiros que buscam fraudar a Previdência Social, mesmo sem qualquer filiação previdenciária, mas com o intuito de receber valores previdenciários em nome próprio. Essas pessoas não são profissionais do crime previdenciário, fazem uma única vez a fraude para receberem esses valores e deles se locupletarem. Caso passem a fazer parte do grupo dos que praticam produções de falsificações, buscando fraudes em escala, deixam de estar na condição de beneficiários de fato, não associados permanentemente a intermediários fraudadores em série. O Direito Previdenciário classifica os beneficiários da Previdência Social como segurados (obrigatórios e facultativos) e dependentes dos segurados. Essas pessoas, quando solicitam benefícios ao INSS, preenchendo de fato e de direito os requisitos da lei, são chamadas de beneficiários. São beneficiários de direito. Na sequência dos crimes de falsidade previdenciária, tem-se que o § 3º do artigo 297 do CP é crime comissivo e formal. Tratam-se de fraudes representadas pelas inserções ou alterações de documentos, buscando o recebimento de valores previdenciários junto ao INSS. O § 4º do artigo 297 é crime omissivo e formal, que tem como objetivo a ausência de informações para o recebimento previdenciária fraudulento, também. Já o estelionato previdenciário é o principal delito no contexto dos crimes dos benefícios. É crime cujo principal aspecto é a presença da fraude, ou seja, ela é elementar do tipo, por meio de emprego de artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento. É crime contra o patrimônio da Previdência Social. Aliás, qualquer falsidade empregada para intentar o crime de estelionato previdenciário, que já tem como característica elementar a fraude, é por este absorvida, desde que seja apenas usada como crime-meio. O estelionato previdenciário praticado por intermediários perpetradores em série é crime instantâneo de efeitos permanentes, iniciando contagem de prescrição no recebimento da primeira parcela. O crime praticado pelo terceiro que recebe valores previdenciários após o óbito de beneficiário de direito é crime instantâneo, iniciando a contagem de prescrição no recebimento de cada parcela. O delito praticado pelo próprio segurado ou dependente é crime permanente, iniciando a contagem de prescrição a partir da cessação do recebimento dos valores. A explicação jurisprudencial é que esse último tem o domínio do fato em fazer cessar o recebimento. Correto seria se em todos os exemplos o crime fosse considerado apenas instantâneo, pois não haveria céleres prescrições de parcelas pretéritas, nem deixaria de haver prescrições de parcelas recebidas há muito tempo, por exemplo, 30 anos, tornando o delito, crime imprescritível. É possível a tentativa de estelionato previdenciário, já que é crime plurissubsistente e admite o fracionamento da conduta. Todos os crimes previdenciários citados, em face das modernas teorias do delito, ofendem aos bens jurídicos tutelados, quer ela aplicação do princípio da lesividade, ou da ofensividade ou da teoria constitucionalista do delito. Pela teoria tripartida, o crime é fato típico, antijurídico (ilícito) e culpável. A culpabilidade faz parte do conceito do delito, mas também é analisada para a aplicação de pena, já que a culpabilidade é elemento exterior ao conceito de crime. Portanto, não há falar que qualquer dos crimes previdenciários descritos são atípicos pela falta de lesividade ou ofensividade aos seus bens jurídicos protegidos. A tese proposta está delineada não na teoria do delito, mas na teoria da pena e nos conceitos de punibilidade para os crimes previdenciários citados. Trata-se de tese que envolve fortemente a política criminal, e que utiliza uma das teorias de Claus Roxin, ou seja, a reparação penal do dano para a extinção da punibilidade (despenalização), como melhor forma de ressocialização e adequada resposta do Estado a alguns delitos. A essa possibilidade de despenalização pela reparação penal do dano, Claus Roxin chama de 3ª via da resposta estatal a delitos. A 1ª via são as penas (privativas de liberdade, restritivas de direito e multas). A 2ª via são as medidas de segurança. Segundo o princípio da materialização do fato, o Estado deve imputar reações penais de modo igualitário, em face do Estado Democrático de Direito, proporcionando igualdade perante a lei, impedindo arbitrariedades que dão prioridade a figura do autor. Portanto, não deve haver resposta estatal diferenciada no trato da punibilidade ou despenalização em face de situações equivalentes. Extinguir a punibilidade pela reparação do dano efetuada por empresários, quanto aos crimes de custeio previdenciário, deve ter mesmo trato para o estelionato previdenciário praticado pelos beneficiários de fato, não associados a intermediários fraudadores em série. Ambos têm baixa potencialidade lesiva e, na hipótese de reparação integral do dano, satisfazem as intenções arrecadatória e recuperatória da União, havendo ressocialização adequada dos infratores. É medida que atende aos seguintes critérios: a necessária e suficiente, a proporcional ao bem jurídico afetado, a coerente e justa pela potencial lesivo do ofensor, a mínima que represente resposta coesa à solução do conflito. A reparação penal do dano, em muitos países como Espanha, Alemanha etc, tem efeito reeducativo mais eficaz e de melhor solução para a ressocialização que o encarceramento. Nos Estados Unidos, o plea bargain tem se mostrado como de alta efetividade para delitos menores praticados por ofensores menos lesivos, concluindo que a sanção penal é menos eficaz que a reparação penal voluntária, buscando sua ressocialização. Segundo a teoria roxiniana, somente os ataques considerados intoleráveis a bens jurídicos relevantes devem ser penalmente castigados, desde que não haja outros meios mais idôneos para a solução dos conflitos. Quando as condutas criminosas são fragmentadas, segundo a teoria, somente não se pode tolerar o ataque mais gravoso, em face do princípio da fragmentariedade do Direito Penal, que deve se ocupar dos delitos mais graves (Direito Penal como ultima ratio, subsidiário - minimalismo penal). Despenalizar um fato, por meio da reparação penal do dano, além da imposição subsidiária de outros efeitos não-penais, é considerar a sanção penal desproporcional, desnecessária, não adequada a uma efetiva ressocialização. A seleção criminal e despenalizadora deve levar em conta os valores e avanços das relações humanas, devendo se ater aos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos. E para isso, as valorações da política criminal devem redefinir os conceitos de delito e das penas e suas adequadas aplicações a casos graves. Diversas leis de parcelamentos especiais (Lei º 9.234/95, Lei nº 9.964/00, Lei nº 10.684/03, Lei nº 11.941/09 e Lei nº 12.382/11) propuseram, em regra, no contexto penal contributivo, que na efetivação de parcelamentos haverá suspensão da pretensão punitiva, com a correspondentes suspensão da prescrição. Algumas delas, fixaram que o parcelamento só suspenderia a pretensão punitiva se realizado antes do recebimento da denúncia. As leis de 2003 e 2009, principalmente a primeira, expressamente prevêem que no caso de pagamento integral do débito previdenciário, extingue-se a punibilidade. A doutrina e a jurisprudência firmam que não há limite temporal para isso, ou seja, a qualquer tempo. Tradicionalmente, as teses despenalizadoras em face de reparação penal do dano se efetivam antes do início da ação penal. Esta é a proposta roxiniana também. Contudo, para os crimes de custeio, em face das leis de parcelamento acima e de fartas decisões do STF, não há esse limite temporal, podendo extinguir a punibilidade a qualquer tempo, mediante a reparação penal efetivada. As penas no contexto da 1ª via tem sua origem histórica nas leis de Talião, no banimento, na retributividade nefasta, nas guilhotinas, nas rodas de fogo, na composição. Nas Ordenações Filipinas, prestigiavam-se as pessoas de mor qualidade. Entretanto, a ordem mundial mudou e o Direito Penal acompanhou esse avanço, a ponto de se tornar a última das ferramentas a ser utilizada pelo Estado para a solução de conflitos. Tem sido assim em países de vanguarda. No Brasil, timidamente o Código Penal (arrependimento eficaz, posterior etc) e em algumas leis especiais (Lei nº 9.099/95, Lei nº 10.684/03, Lei 11.941/09, Lei 12.382/11), essas novas respostas estatais têm sido implementadas. É fato notório que, nos crimes de custeio, a finalidade da União é arrecadatória, já que trouxe leis que determinam despenalização pela reparação penal do dano contributivo-previdenciário. Correta esse escolha. É questão de política criminal. Deve ser aplicada ao estelionato previdenciário praticado por beneficiários de fato, não associados a intermediários fraudadores em série. Como prevenção geral ou especial da pena (positivas ou negativas) a pena deve ser integradora, gerando no infrator o respeito à lei, ou mesmo causando temor para não reincidir, e, ainda, deve causar confiança na sociedade na efetividade da norma penal, bem como efeito intimidatório. Mas todos esses efeitos devem estar afetos aos crimes mais gravosos em que a pena encarceradora é a única resposta estatal para a solução do conflito. São as teorias mistas da pena, conjugando retribuição e consciência humanística, proporcionando sanções graves a delitos graves, que o estudo roxiniano tem sua predominância. Se ao empresário é permitido corretamente a despenalização pela reparação de dano nos delitos previdenciários. Ao beneficiário de fato, não associado a intermediários fraudadores em série, deve haver o mesmo tratamento da lei e das jurisprudências. É questão de adequação de retribuição não-penal e trato humanístico a crimes equivalentes, pois ambos afetam a Previdência Social, com enfoque na mácula da arrecadação. Uns penalizam os que não arrecadam o outro (estelionato previdenciário) criminaliza que da arrecadação desvia valores previdenciários. Por alguns métodos lógicos, inclusive com a utilização da tabela verdade e modus tollens, numa negação do consequente, demonstra-se que para haver direito a benefício, tem que haver preenchimento dos requisitos legais, não havendo preenchimento, não há benefício de direito: há fraude. Por isso, no estelionato previdenciário, os valores recebidos não são benefícios de direito, mas sim desvio das contribuições previdenciárias arrecadadas. No máximo, benefícios de fato. A reparação penal do dano tem concepção restauradora. Não se trata de substituição de pena privativa de liberdade em restritiva de direito. A reparação penal do dano não é pena. Também não se assemelha à ação civil ex delicto, pois essa última requer obrigatoriamente um trânsito em julgado. A reparação penal do dano, nos crimes de custeio, além de ser voluntária, pode ser composta a qualquer tempo, despenalizando o delito. Na ação civil ex delicto, o crime ocorreu e foi julgado, sendo a ele atribuída uma pena. Há verdadeira isonomia na análise entre os crimes de custeio, mormente a sonegação previdenciária e o estelionato previdenciário, cujas características deste são muito semelhantes à sonegação, razão que explica o mesmo tratamento proposto: - a fraude é elementar nos tipos penais; - as falsificações são crimes-meio e absorvidas por eles; - ambos maculam valores da arrecadação, quer suprimindo ou reduzindo contribuições, quer desviando valores previdenciários dela, no caso do estelionato previdenciário, por não haver requisitos preenchidos; - Ambos os valores vêm ou estão no mesmo local: cofres públicos da União. - no estelionato previdenciário, por fraude, retiram-se valores previdenciários da União. Na sonegação previdenciária, por fraude, valores previdenciários da União deixam de ser repassados. - Óbvio que o crime de sonegação é de omissão, mas passado o início da ação fiscal, se não houver o pagamento integral, não haverá extinção da punibilidade. Trata-se de clara ideia de que os valores devidos, na sonegação, no contexto da teoria da pena, importam muito. Não importam no conceito do delito. - ambos colocam e mantém em erro as vítimas (fraudes - elementares dos dois tipos). Entretanto, efetivamente, não há isonomia ou mesmo aplicação analógica entre eles quando da reparação penal. No custeio, extingue-se a punibilidade. No estelionato previdenciário, a reparação penal é causa de arrependimento posterior, com diminuição de pena, em face do artigo 16 do CP. Como parênteses a essa isonomia, mas usando como parâmetro a apropriação indébita previdenciária, pode-se fazer as seguintes afirmações, em relação ao estelionato previdenciário: - ambos maculam valores da arrecadação, quer deixando de repassar tributos previdenciários retidos de remunerações, quer desviando valores previdenciários dela, no caso do estelionato previdenciário, por não haver requisitos preenchidos; - Ambos os valores vêm ou estão no mesmo local: cofres públicos da União. - No estelionato previdenciário, por fraude, retiram-se valores previdenciários da União. Na apropriação indébita previdenciária, por fraude, valores previdenciários da União deixam de ser repassados, depois de serem descontados. Veja-se, que na contratação de empregado, o valor a ser descontado já não é mais dele. É tributo da União que deve ser repassado. Portanto, não se desconta valor pertencente ao empregado, retira-se dele o tributo que é da União, a qual vai pagar benefícios previdenciários aos inativos. Observa-se que no cálculo dos benefícios, leva-se em consideração a média dos salários de contribuição e não a média das contribuições previdenciárias retidas das remunerações. Com aplicação da teoria roxiniana, em que a reparação do dano extingue a punibilidade, por isonomia entre os delitos em exame, propõe-se norma de lege ferenda em que haja a despenalização pela reparação do dano no caso do estelionato previdenciário praticado por beneficiários de fato, não associados permanentemente com intermediários fraudadores. No caso de tentativa de estelionato, a reparação do dano deve ser sob a forma de prestações de serviço à União, de modo remunerado, e a reversão desses valores devem ir para os cofres públicos até quantificar o ressarcimento penal do dano. Caso não haja remuneração, que a prestação possa ser quantificada até a composição integral do dano. Por não caber tentativa nos crimes de custeio, não haveria essa possibilidade da prestação de serviços na impossibilidade de reparação penal e pecuniária do dano. Mesmo no estelionato previdenciário consumado, praticado por beneficiários de fato, não associados, como dito. Caso não possuam condições financeiras para a reparação penal do dano, que seja possível a prestação de serviço à União ou a outra entidade, de forma remunerada ou não, até que se quantifique o prejuízo causado e com isso haja a despenalização. O objetivo maior é a ressocialização mais adequada em comparação a uma sanção penal. Reparação penal do dano não é sanção penal pela sua característica de voluntariedade. Pode até a prestação de serviços ser alternativa, quando não houver possibilidade de reparação penal do dano, nos crimes de custeio, em virtude de aplicação isonômica também. Mas em razão dos altos valores devidos, os parcelamentos especiais podem suprir essa questão. Inclusive, propõe-se que os beneficiários de fato, não associados permanentemente aos intermediários fraudadores em série, possam parcelar o devido pelos prejuízos causados. E que esse parcelamento possa ser efetivado junto ao INSS ou até mesmo junto à RFB, já que não receberam benefício previdenciário de direito e, sim, apenas de fato. Questão a ser decidida. Como efeito penal, a reparação penal do dano, é ponto de igualdade, mormente entre o estelionato previdenciário e sonegação previdenciária. Intermediários fraudadores em série não podem ter o mesmo tratamento, em face de sua potencialidade lesiva. O empresário fraudador tem essa benesse legal, em virtude de lei, até porque esse último não atua em série, apenas realiza condutas em razão de sua empresa, e não em empresas de terceiros. Não é possível a semelhança entre ambos. Desta forma, a tese aqui proposta tem alinho com o futuro Código Penal, já que seu atual anteprojeto prevê semelhante reparação penal do dano como despenalização, mas com aspectos diferentes: 1) estende a qualquer estelionatário, previdenciário ou não; 2) há limite temporal no recebimento da denúncia 3) somente mediante aceite da vítima. Como efeito civil, propõe-se uma interposição de ação de danos morais em desfavor do beneficiário de fato, bem como do intermediário fraudador em série. Ambos tem resposta estatal ao delito, como solução de conflito: o primeiro pode reparar a pena e ter extinta sua punibilidade, o segundo é submetido a uma sanção penal da 1º via ou 2º, se for o caso. Todavia, ambos afetam a imagem da Previdência Social quando cometem as fraudes. Já há decisões judiciais que deram ganho de causa ao INSS, como autor de ação de danos morais, mas o objeto desses julgados não se refere a crimes previdenciários, mas sim questões processuais e litigância de má-fé. Entretanto, é efeito viável e plausível. Trata-se de direito extrapatrimonial que, se afetado, deve ser reparado. Essa reparação em nada obsta, prejudica ou se contrapõe em relação à reparação penal do dano, já que essa é recomposição penal ao dano sofrido e aquela uma recomposição civil por afetação à imagem da Autarquia. Não há choque à linha da terceira via, pelo contrário, é mais um reflexo do minimalismo penal. Como efeito administrativo, propõe-se que se os valores à título de ressarcimento à imagem do INSS, na forma da ação de danos morais, não forem adimplidos, poderão os nomes dos réus na causa cível serem incluídos em protesto, em face de diploma legal de 2012, o qual trata de inclusão de dívida ativa, tributária ou não, como protesto. Enfim, a Previdência Social brasileira, tão esfacelada por inúmeras máculas criminosas, pode ter com essas soluções um prenúncio de chegada a bom termo, buscando deixar de ser o reino das fraudes, tornando-se celeiro regular da verdadeira concepção de seguro social. BIBLIOGRAFIA BALERA. Wagner. Sistema de Seguridade Social. São Paulo: LTr, 2006. BORSIO, Marcelo Fernando. Limites Constitucionais da Investigação. São Paulo: 2009. IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 15. Ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2013. MONTEIRO, Antonio Lopes. Crimes contra a Previdência Social. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2003. ROXIN, Claus. Estudos de Direito Penal. 2. Ed. Renovar, 2011. ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Tratado de derecho penal - parte general. Buenos Aires: Ediar, 1987. T IV.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BORSIO, marcelo fernando. Sistemática previdenciária e um dos principais problemas do pseudo déficit secur Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 fev 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/2554/sistematica-previdenciaria-e-um-dos-principais-problemas-do-pseudo-deficit-secur. Acesso em: 25 nov 2024.
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