Alguns doutrinadores se debruçam com relevante profundidade sobre o tema da formação, existência e pressupostos dos sistemas jurídicos. A esse respeito, podemos citar Joseph Raz[1], Herbert Hart[2], Robert Alexy[3], além do próprio Niklas Luhmann, que ao que parece foi o que mais se sobressaiu nesta tarefa, ao criar e desenvolver uma teoria dos sistemas e dentre tal arquétipo, sobrelevar o sistema jurídico.
Na teoria dos sistemas de Luhmann, aspectos levados em consideração pelos autores acima destacados, ainda que não na mesma medida, como a eficácia social e jurídica das normas integrantes do pretenso sistema[4], parece não ter se tornado relevante para Luhmann, pois este se preocupa fundamentalmente com a capacidade do sistema de normas e de expectativas normativas mostrar-se autônomo perante o ambiente, sem, contudo, fechar-se diante das necessárias trocas que precisar realizar[5].
Nesse sentido, com fundamento em teoria de matriz biológica, enxergou a existência de sistemas, tais como o econômico, o jurídico, o político que interagem no ambiente, a partir de uma certa abertura cognitiva, a despeito de funcionarem de forma autopoiética, ou seja, estão centrados em seus próprios códigos e reproduzem e internalizam tais trocas a partir de seus próprios fundamentos de validade.
Aparentemente, parece que o Luhmann, assim como já houvera sido empreendido no passado por Hans Kelsen, afasta questões pertinentes a valor do sistema, legitimando-o apenas com base na existência, desenvolvimento e respeito a um procedimento que tem fundamento de validade no sistema, e que determina o modo de decidir e os pontos de partida, mas que não implica em uma previsibilidade integral da decisão judicial, apesar de contribuir para tal[6].
Nesse diapasão, o direito positivo está inserido em um sistema autopoiético, aberto aos demais sistemas, seja por meio de atritos, trocas e apropriação de seus signos, mas que preserva uma autonomia que lhe permite um autodesenvolvimento e um filtro em face da maior ou menor integração aos demais.
Pois bem, nesse universo, surge uma dúvida acerca de como podemos melhor conhecer o sistema jurídico. Ou seja, precisamos perquirir se o caminho do conhecimento reside no isolamento do objeto, numa visão holística ou na conjugação desses dois fatores a partir da prevalência do primeiro deles. Afinal, não é factível se compreender o direito, ainda que extremamente politizado (alopoiético), como no caso de um texto normativo constitucional, a partir das bases da ciência política. Todavia, nesse mesmo cenário e diante do quanto afirmado, é impossível negar a valia da ciência política naquilo que o sistema jurídico lhe é afluente.
Ora, a interdisciplinaridade nos põe diante de certas armadilhas enciclopedismo, imperialismo disciplinar, metadisciplinaridade, como alerta o Professor Marcelo Neves[7]. Com efeito, a interdisciplinaridade no campo jurídico deve evitar a ideia de subordinar a pesquisa do direito a análises individualizadas de outros campos como a sociologia, a ciência política e a economia. Daí a necessidade de fortalecer a dogmática jurídica, fortificando uma autonomia disciplinar.
Ou seja, o sistema jurídico para ser percebido como tal, precisa ser dotado de autonomia e diferenciação, possuir um código e uma linguagem que o ajude na compreensão (hierarquia e validade). Contudo, tal sistema não é totalmente fechado, ele possui uma abertura cognitiva ao ambiente que o faz se relacionar com o meio. Essa abertura, esse atrito, podem ser melhor compreendidos através da pesquisa interdisciplinar, afinal o sistema não é completo em si mesmo.
Contudo, observa-se que essa abertura não significa uma compreensão do direito a partir dos códigos, pressupostos e linguagem de outro sistema e sim da integração dos conceitos e conhecimentos lá dispostos, aos códigos e a linguagem própria do sistema jurídico (acoplamento estrutural).
Diante do quanto exposto, como compreender o subsistema jurídico tributário? Ora, tal subsistema, por sua própria natureza, além do atrito natural com o sistema político, relaciona-se em grande escala com o subsistema econômico, afinal este último é tomado como objeto e referencial das normas criadas pelo direito tributário[8].
Desse modo, nota-se que a leitura e identificação dos signos econômicos possui no direito tributário e, naturalmente, no próprio sistema econômico, uma relevância ímpar. Afinal, nem sempre as opções legislativas e as interpretações judiciais são o que de melhor se pode extrair de uma relação jurídica tributária qualquer.
Pois bem, o sistema tributário brasileiro, como destacado por Geraldo Ataliba[9], é deveras rígido, notadamente por definir suas bases a partir de um texto constitucional dotado de superioridade e rigor ímpar. Nesse ambiente, ainda que se recorra à abertura e abstração de princípios, o fechamento do sistema mostra-se uma característica relevante que somada a autopoiese do próprio sistema jurídico, acaba por subordinar as consequências e leituras dos fatos econômicos a fundamentos estritamente jurídicos, como sói acontecer com o conceito de renda no Brasil e no exterior para efeitos de tributação de coligadas; com o conceito de faturamento para efeitos de incidência de tributos e definição de base de cálculos e tantos outros exemplos.
Enfim, nesse contexto, a responsabilidade do subsistema tributário e de quem o opera aumenta, na medida em que o grau de determinação deste sobre o sistema econômico é, naturalmente, dadas as bases acima quantificadas, hipertrofiada, ao passo que por operar seus próprios signos e pela existência de um filtro em relação ao ambiente exterior, qualquer tentativa de influência é sobremaneira dificultada pela rigidez do sistema, representada pela dogmática jurídica e pelo procedimento reinante.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALEXY, Robert. Conceito e validade do direito. Tradução de Gergélia Batista de Oliveira Mendes. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009.
ATALIBA, Geraldo. Sistema constitucional tributário brasileiro. São Paulo: Revista dos tribunais, 1968.
BARRETO, Paulo Ayres. Ordenamento e sistema jurídicos. In. CARVALHO, Paulo de Barros (Coord.); CARVALHO, Aurora Tomazini de (org.). Constructivismo lógico-semântico. Vol. I. São Paulo: Noeses, 2014.
DERZI, Misabel Abreu Machado. Modificações da Jurisprudência no Direito Tributário. São Paulo, Noeses, 2009.
HART, H. L. A. O conceito de direito. Tradução de Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009.
LUHMANN, Niklas. Law as a Social System. Trad. Klaus A. Ziegart. Oxford: Oxford University, 2004. Capítulo 9, pp. 357-380
NEVES, Marcelo. Constitucionalização simbólica. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2007.
RAZ, Joseph. O Conceito de sistema jurídico: uma introdução à teoria dos sistemas jurídicos. Tradução de Maria Cecília Almeida. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012.
[1] RAZ, Joseph. O Conceito de sistema jurídico: uma introdução à teoria dos sistemas jurídicos. Tradução de Maria Cecília Almeida. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012.
[2] HART, H. L. A. O conceito de direito. Tradução de Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009.
[3] ALEXY, Robert. Conceito e validade do direito. Tradução de Gergélia Batista de Oliveira Mendes. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009.
[4] Nesse sentido, nos fala Alexy, que “Um sistema jurídico que não seja socialmente eficaz em termos globais entra em colapso como sistema jurídico.” (Ob. Cit. p. 110), ou Raz, quando sublinha a necessidade de aceitação do direito pelas autoridades (Ob. Cit. p. 280-281), ou, por fim Hart, quando destaca o problema da legitimidade das fontes para existência e constituição de um sistema jurídico (Ob. Cit. p. 129 e ss).
[5] Cf. LUHMANN, Niklas. Law as a Social System. Trad. Klaus A. Ziegart. Oxford: Oxford University, 2004. Capítulo 9, pp. 357-380
[6] Com efeito, como destaca a Professor Misabel Derzi, o sistema jurídico de Luhmann assentaria em algumas regras que lhe permitiriam continuidade e ao mesmo tempo certa previsibilidade, como a proibição do non liquet, o respeito pelas opções do legislador, a independência do judiciário, a vinculação deste ao texto legal e a fundamentação da decisão judicial, o que assegura vinculação à lei, aos precedentes e o respeito pela isonomia. (DERZI, Misabel Abreu Machado. Modificações da Jurisprudência no Direito Tributário. São Paulo, Noeses, 2009, p. 40-41).
[7] NEVES. Marcelo. Constitucionalização simbólica. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2007, p. 213-4.
[8] Com efeito, destaca Paulo de Ayres Barreto que; “ Há inafastável influência do todo em relação à parte e da parte em relação ao todo. São vetores que exercem contínua pressão, podendo resultar alteração da parte, em face das pressões advindas do sistema, bem assim modificações sistêmicas decorrentes da força que a unidade mínima pode vir a exercer sobre a noção de todo. As constantes interações que ocorrem dentro do sistema e na correlação com outros sistemas têm a potencialidade de promover alterações na parte e no todo.” (BARRETO, Paulo Ayres. Ordenamento e sistema jurídicos. In. CARVALHO, Paulo de Barros (Coord.); CARVALHO, Aurora Tomazini de (org.). Constructivismo lógico-semântico. Vol. I. São Paulo: Noeses, 2014, p. 253.)
[9] ATALIBA, Geraldo. Sistema constitucional tributário brasileiro. São Paulo: Revista dos tribunais, 1968, p. 22.
Mestre em direito do Estado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo - FDUSP, especialista em direito constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP e em administração pública pela Fundação Getulio Vargas - FGV. Graduado em direito pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE, Professor da Unieuro-DF e da ESAF e Procurador da Fazenda Nacional - Ministério da Fazenda/Advocacia Geral da União, com atuação perante os tribunais superiores em Brasília.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Ricson Moreira Coelho da. Teoria dos sistemas, interdisciplinaridade e o Direito Tributário Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 mar 2017, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/2584/teoria-dos-sistemas-interdisciplinaridade-e-o-direito-tributario. Acesso em: 23 nov 2024.
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