As contribuições parecem funcionar para o direito tributário, mutatis mutandis, como a Arguição de Preceito Fundamental – ADPF funciona para o controle de constitucionalidade no Brasil, ou seja, como um curinga aberto o suficiente para nele tudo caber a depender dos interesses envolvidos.
Com efeito, as contribuições fogem das características fundamentais dos tributos no Brasil, podendo inclusive compartilhar com outros tributos a mesma hipótese de incidência. Demais disso, observa-se que a competência e a arrecadação, por consequência, salvo pequenas exceções, são quase que uma exclusividade da União. E mais, nem a vinculação a uma finalidade estabelecida como pressuposto de sua criação constitucional tem servido para por tal tributo em trilhos seguros, já que o Supremo Tribunal Federal decidiu, em sede de controle difuso, não ser inconstitucional a desvinculação de parte da arrecadação de contribuição social, levada a efeito por emenda constitucional (RE 537.610, rel. min. Cezar Peluso).
Do mesmo modo, salvo rara exceção, tal tributo como curinga da União que é, não se sujeita, regra geral, às regras de repartição das receitas tributárias, o que, naturalmente, tende a desequilibrar a equação de forças federativas em favor da União. Com efeito, posto que a manipulação de tal tributo pode interferir na geração de riquezas no território dos entes federativos e reduzir o âmbito das respectivas competências e arrecadação, tornando a equação financeira extremamente desiquilibrada e favorecendo uma corrida de alinhamento político com o poder central para dele perceber repasses graciosos que ajudem na execução de políticas públicas, notadamente na promoção de direitos sociais.
Daí que, como adverte parte da doutrina, há de se ampliar o debate sobre o direito tributário para circunstâncias que ultrapassem o DARF, ou seja, há de se estudar, dentro de uma visão holística, receitas e despesas. Afinal, no que pertine às contribuições, assim como às taxas, contribuições de melhoria, a despesa torna-se um vetor importante para bem compreender a formação da receita tributária mencionada.
Nesse contexto, discute-se, do ponto de vista da repartição de receitas, se concentrar recursos na União e alçar tal ente a grande distribuidor de recursos no âmbito da federação brasileira, a pretexto de melhor equacionar a guerra fiscal e simplificar o sistema, unificando tributos, e trazendo mais igualdade entre os entes hoje quase que subordinados a ela (União), como a maioria dos municípios, não poderia representar um aprofundamento dessa centralização de poder.
Pois bem, inobstante discussão que se possa ter sobre a legitimidade da guerra fiscal para produzir mais desenvolvimento econômico e social em regiões menos abastadas, é importante observar que nesse cenário se a mudança representar uma opção por repasses voluntários, iremos transformar a federação brasileira em um federalismo subserviente, clientelista, afastando-o da ideia de cooperativismo e de autonomia
Com efeito, pois se pode vislumbrar riscos não só aos contribuintes como também ao princípio da igualdade de forças que deve reinar em uma federação, afinal não se permite, ainda que com atenuações, um Estado Federal, no qual exista um ente central que a tudo comande e que a tudo interfira, sem qualquer contrabalanço.
Todavia, cumpre destacar que a ideia de concentração de competências e arrecadação em um ente federativo, não é, em nossa opinião, um mal em si mesmo, pois não se trata de se estabelecer em si próprio um processo de “autarquização” a entes que não vivem essa realidade de modo necessário na atualidade (grandes centros). Decerto, tal só se dará se presente duas condições, a saber: um modelo sacralizado na ideia de repasses voluntários e a pouca inserção e poder de barganha do ente respectivo.
Nesse sentido, a experimentação quanto à simplificação tributária pela eliminação da guerra fiscal com a unificação de competências e estabelecimentos de repasses não torna os entes federativos como um todo, autarquias por si só, tal só se observará na medida em que sua inclusão nesse processo se der a partir da sobrevalorização de repasses voluntários, os quais, por sua natureza, tendem a criar um ambiente de clientelismo na classe política e que reflete na autonomia do ente federativo.
De toda forma, em conclusão, cumpre observar que a estrutura federal hoje vigente, a despeito da maioria de doutrina falar em cooperativismo, aproxima-se mais a controle de um ente sobre os demais, do que uma cooperação propriamente dita. É que, a despeito dos municípios, sobretudo, gozarem de certa autonomia política, possuem de modo geral, quase que nenhuma autonomia financeira, ou seja, dependem de repasses obrigatórios e voluntários dos demais entes, de tal maneira que não se enxerga como um aprofundamento desse processo, necessariamente, ferirá o ideal posto na Constituição. Afinal o desenho tributário com relação a receitas sobrevalorizou a União, que além das competências, possui uma residual que é mais um elemento desestabilizador e concentrador desse processo que estamos a relatar e discutir como no caso das contribuições.
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