Londres, Inglaterra, 10 de junho do ano de 1215, desejando impedir o exercício do poder absoluto pelo Rei João, os barões ingleses o forçaram a assinar a “Magna Charta Libertatum” (em português "Grande Carta"), prescrevendo esse documento:
“Não lançaremos taxas ou tributos sem o consentimento do conselho geral do reino (commue concilium regni), a não ser para resgate da nossa pessoa, para armar cavaleiro nosso filho mais velho e para celebrar, mas uma única vez, o casamento da nossa filha mais velha; e esses tributos não excederão limites razoáveis. De igual maneira se procederá quanto aos impostos da cidade de Londres,
E, quando o conselho geral do reino tiver de reunir para se ocupar do lançamento dos impostos, exceto nos três casos indicados, e do lançamento de taxas, convocaremos por carta, individualmente, os arcebispos, abades, condes e os principais barões do reino; além disso, convocaremos para dia e lugar determinados, com a antecedência, pelo menos, de quarenta dias, por meio dos nossos xerifes e bailios, todas as outras pessoas que nos têm por suserano; e em todas as cartas de convocatória exporemos a causa da convocação; e proceder-se-á à deliberação do dia designado em conformidade com o conselho dos que não tenham comparecido todos os convocados”.
Paris, França, 26 de agosto de 1789, a Assembléia Nacional Constituinte da França revolucionária aprova a “Déclaration des Droits de l'Homme et du Citoyen” (Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão), sintetizado os ideais libertários e liberais da primeira fase da Revolução Francesa, dentre eles:
“Art. 14.º Todos os cidadãos têm direito de verificar, por si ou pelos seus representantes, da necessidade da contribuição pública, de consenti-la livremente, de observar o seu emprego e de lhe fixar a repartição, a coleta, a cobrança e a duração”.
Filadélfia, Estados Unidos da América, 17 de setembro de 1787, é proclamada a primeira e única Constituição desta agora ex-colônia britânica. Proclamando seu Art. 1º, Seção 8:
“Será da competência do Congresso lançar e arrecadar taxas, direitos, impostos e tributos, pagar dividas e prover a defesa comum e o bem-estar geral dos Estados Unidos; mas todos os direitos, impostos e tributos serão uniformes em todos os Estados Unidos”.
Como se vê, é o Parlamento, e somente ele, a única força e esperança de um povo para deter o arbítrio e a tirania de seu soberano. Em toda a história da civilização a assembleia do povo deve ser consultada a respeito da criação, arrecadação e majoração de tributos para custeio e funcionamento do Estado, sem provocar a ruína financeira de seus súditos.
Nas palavras de Montesquieu:
“Como todas as coisas humanas têm fim, o Estado de que falamos perderá a sua liberdade, perecerá. Roma, Lacedemônia e Cartago também pereceram. Ele, o Estado, perecerá quando o Poder Legislativo estiver mais corrompido que o Executivo” (O Espírito das Leis, 1748).
Na história contemporânea das nações civilizadas do Ocidente não há mais espaços para teorias absolutistas ou déspotas a justificar qualquer tipo de forma de governo baseada numa entidade legiferante única. Qualquer construção científica neste sentido conspira contra a essência do Estado Democrático de Direito, consistente na máxima de que todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos.
Nossa Constituição Federal vigente, de 05 de outubro de 1988, como não poderia deixar de ser, também confia ao Parlamento a missão de assegurar ao cidadão proteção contra a fúria arrecadadora do Estado:
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça.
(...)
Art. 195. (...)
(...)
§6º As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, b".
Noutras palavras, a instituição, cobrança e majoração de tributos pela União sem lei em sentido estrito, sem consulta e aprovação do Parlamento deste País, mortifica quase um milênio de lutas e batalhas sangrentas da humanidade para a construção do Estado de Direito.
Aumento de tributo sem a participação popular - através de seus representantes legítimos -, é o apocalipse do Estado, o princípio do Tártaro grego. Somente a lei em seu sentido formal é que mantém viva a chama da democracia nas Nações. A pseudo-Nação despreza a lei.
Nem mesmo o período da Ditadura Militar instalada no Brasil (1964-1985) olvidou a voz do Parlamento. Seu Código Tributário Nacional, sancionado pelo Marechal Castello Branco em 1966, ainda vigente entre nós, dispõe:
“Art. 9º É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - instituir ou majorar tributos sem que a lei o estabeleça, ressalvado, quanto à majoração, o disposto nos artigos 21, 26 e 65”.
A ressalva do velho CTN de 1966 é apenas quanto ao imposto de importação e exportação, a fim de ajustá-los aos objetivos da política cambial e do comércio exterior, para manutenção do equilíbrio da balança comercial. O que foi repetido pelo §1º, do Art. 150, da Constituição de 1988.
Assim, ato isolado do Poder Executivo, consubstanciado em decreto ou qualquer outra solitária espécie normativa eleita pelo chefe deste Poder, não poderá jamais importar no aumento de tributo. Muito menos poderá o Parlamento elaborar lei o exonerando dessa prerrogativa, suprimindo garantia fundamental do contribuinte brasileiro.
Enfim, as Leis Federais 10.865/2004 e 9.718/98 não poderiam e não podem delegar ao chefe do Poder Executivo competência privativa para majorar o chamado imposto do combustível, pelo menos enquanto ainda vigente o Estado Democrático de Direito, sustentado pela Constituição de 1988, a bem do povo.
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