O Ministro do Superior Tribunal de Justiça Luis Felipe Salomão, tendo em vista a decisão do Supremo Tribunal Federal proferida nos autos da Ação penal nº. 937, aplicou o princípio da simetria para determinar a remessa à Justiça da Paraíba de ação penal contra o atual Governador do Estado, por supostos crimes praticados antes de assumir o cargo.
Na sua decisão, o Ministro explicou que, “ao limitar o foro e estabelecer as hipóteses de exceção, o Supremo Tribunal Federal entendeu que seria necessária a adoção de interpretação restrita das competências constitucionais” e que “o princípio da simetria obriga os estados a se organizar de forma simétrica à prevista para a União.”
Assim, segundo o relator, “a mesma lógica deve ser aplicada pelo Superior Tribunal de Justiça em relação às pessoas detentoras de mandato eletivo com prerrogativa de foro perante ele.”
No caso concreto (Ação Penal nº. 866), a denúncia contra o Governador imputa-lhe a suposta prática de crimes de responsabilidade ocorridos em 2010, quando ainda exercia o cargo de Prefeito de João Pessoa (crimes tipificados no Decreto-Lei 201/67). Foram, portanto, delitos que, em tese, não guardam relação com o exercício do atual mandato nem foram praticados pelo denunciado como Governador.
Assim, “reconhecida a inaplicabilidade da regra constitucional de prerrogativa de foro ao presente caso, por aplicação do princípio da simetria e em consonância com a decisão da Suprema Corte”, foi determinada a remessa dos autos ao Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, para distribuição a uma das varas criminais da Capital. A remessa do processo, obviamente, só ocorrerá após o trânsito em julgado da decisão.
Entendemos acertada a decisão do Ministro Luis Felipe Salomão, pois não faz nenhum sentido, do ponto de vista jurídico-constitucional, e à luz dos princípios da simetria e da isonomia, que seja dado um tratamento diferençado aos demais ocupantes de cargos e funções públicas, restringindo-se a decisão do Supremo Tribunal Federal apenas aos Deputados Federais e aos Senadores da República.
Obviamente, sob pena de serem tratados de forma diversa casos rigorosamente iguais (o que seria inconstitucional), que a decisão da Suprema Corte deve se aplicar não somente ao parlamentares federais, mas também aos Prefeitos, Governadores, Deputados Estaduais, Magistrados, membros do Ministério Público, Ministros de Estado e das Cortes Superiores, inclusive da Suprema Corte, os Comandantes das Forças Armadas, desde que, por evidente, tenham praticado crimes anteriormente ao exercício do cargo ou da função pública, e que tais delitos não estejam relacionados às respectivas funções. Aliás, em relação aos Deputados Estaduais, há dispositivo constitucional expresso no sentido que a eles se aplicam as regras constitucionais “sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos e incorporação às Forças Armadas.” (art. 27, § 1º.).
A prevalecer entendimento diverso, continuariam tendo foro por prerrogativa de função milhares e milhares de ocupantes de cargos e funções públicas, inclusive os Magistrados e os membros do Ministério Público. A propósito, de acordo com um estudo da Consultoria Legislativa do Senado, mais de 54 mil pessoas têm direito a algum tipo de foro privilegiado no Brasil, garantido pela Constituição Federal ou por Constituições estaduais.
Porém, a decisão do Supremo Tribunal Federal atingiu apenas 513 Deputados Federais e 81 Senadores da República, significando que abrangeu um pouco mais de 1% (um por cento) dos servidores públicos com prerrogativa de foro.
Portanto, preponderando-se o juízo do Ministro Luis Felipe Salomão, não terão mais o foro por prerrogativa de função os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, os Desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais, nos termos do art. 105, I, “a”, da Constituição Federal, salvo se forem cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas.
Observa-se, por fim, e na esteira do que foi decidido pela Suprema Corte, que após o final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais (prazo estabelecido no art. 11 da Lei nº. 8.034/90), a competência para processar e julgar ações penais não será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar outro cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo. Ocorrerá, portanto, uma perpetuatio jurisdictionis.
Vejamos como se comportaram as demais Cortes do País. É preciso que levem mesmo a sério o Direito e não restrinjam a prerrogativa de foro apenas os parlamentares de Brasília. Se o discurso do combate à impunidade já é falacioso na forma como decidiu o Supremo Tribunal Federal, imaginemos quão falso será tal raciocínio se a decisão atingir, como mostramos acima, um pouco mais de 1% (um por cento) dos servidores públicos que hoje ainda têm a prerrogativa de serem julgados originariamente pelos Tribunais.
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