No encerramento do ano judiciário (19/12/2018), em que todos os tribunais ingressam no recesso forense, funcionando apenas em regime de plantão, foi publicada a Lei n. 13,769/2018, alterando o Código de Processo Penal (Decreto-Lei nº 3.689/41), a Lei de Execuções Penais (Lei n. 7.2010/84) e a Lei dos Crimes Hediondos (8.072/90), para estabelecer a substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar da mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência e para disciplinar o regime de cumprimento de pena privativa de liberdade de condenadas na mesma situação.
Neste contexto, a prisão preventiva regulada pelo Código de Processo Penal passa a vigorar acrescido dos seguintes arts. 318-A e 318-B:
“Art. 318-A. A prisão preventiva imposta à mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência será substituída por prisão domiciliar, desde que:
I - não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa;
II - não tenha cometido o crime contra seu filho ou dependente.”
“Art. 318-B. A substituição de que tratam os arts. 318 e 318-A poderá ser efetuada sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no art. 319 deste Código.”
Em uma análise preliminar, tem-se a impressão que a lei é benéfica, no entanto, ela restringe a possibilidade já constante no art. 318, do CPP que já contemplava a substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar para a mulher gestante ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência, pois antes do novel diploma legal, não havia a restrição indicadas nos incs. I e II, do art. 318-A. Portanto, neste aspecto, trata-se de vatio legis in pejus.
No tocante à alteração na Lei de Execuções Penais (Lei n. 7.2010/84), a Lei dispõe de alterações de natureza administrativa, acrescentando atribuições ao Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), em especial no art. 72, dispondo, sobre a atribuição de “ acompanhar a execução da pena das mulheres beneficiadas pela progressão especial de que trata o § 3º do art. 112 desta Lei, monitorando sua integração social e a ocorrência de reincidência, específica ou não, mediante a realização de avaliações periódicas e de estatísticas criminais” (inc. VII, art. 72) e ainda estabelecendo que“ Os resultados obtidos por meio do monitoramento e das avaliações periódicas previstas no inciso VII do caput deste artigo serão utilizados para, em função da efetividade da progressão especial para a ressocialização das mulheres de que trata o § 3º do art. 112 desta Lei, avaliar eventual desnecessidade do regime fechado de cumprimento de pena para essas mulheres nos casos de crimes cometidos sem violência ou grave ameaça” (§2º, do art. 72).
Essas mesmas alterações também foram expressamente contempladas para os Departamento Penitenciário local, na medida em que fora criado um parágrafo único ao art. 74 da Lei n. 7.210/84, com a dicção que “Os órgãos referidos no caput deste artigo realizarão o acompanhamento de que trata o inciso VII do caput do art. 72 desta Lei e encaminharão ao Departamento Penitenciário Nacional os resultados obtidos”.
Já em relação a alteração relativa à esfera da execução penal, em especial as regras de cumprimento de regime prisional, o novel diploma legal acrescentou o §3º e §4º ao art. 112 da Lei 7.2010/84, cuja redação ficou o seguinte:
§ 3º No caso de mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência, os requisitos para progressão de regime são, cumulativamente:
I - não ter cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa;
II - não ter cometido o crime contra seu filho ou dependente;
III - ter cumprido ao menos 1/8 (um oitavo) da pena no regime anterior;
IV - ser primária e ter bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento;
V - não ter integrado organização criminosa.
§ 4º O cometimento de novo crime doloso ou falta grave implicará a revogação do benefício previsto no § 3º deste artigo.”
Sendo assim, faz-se necessário trazer a redação do art. 112 da Lei n.7210/84, para analisar se o exposto no parágrafo 3º deva ser aplicado isolado do art. 112 ou não, senão vejamos:
Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão.
A leitura dos referidos dispositivos deve ser feita de forma isolada, de tal modo que no caso de mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência, os requisitos são os do §3º, somente se aplicando as regras do art. 112, quando não preenchido os requisitos do novel diploma legal, ou seja, os requisitos do § 3º são especiais em relação aos requisitos genéricos do caput do art. 112.
Entendimento contrário no sentido de cumular os requisitos do art. 112 com os requisitos do novel §3º seria tratar de forma mais grave as condenadas gestantes ou mãe responsável por crianças ou pessoas com deficiência, em relação aos demais condenados.
Não foi atoa que o legislador também alterou o §2º, do art. 2º da Lei dos crimes hediondos (Lei n. 8.072/90), no tocante ao regime prisional de 2/5 ou 3/5, quando se tratar de condenado primário ou reincidente respectivamente, fazendo a ressalva de aplicação do § 3º e 4º acrescentado ao art. 112 da Lei n. 7.2010/84, ficando assim a redação do paragrafo 2º do art. 2º da Lei n. 8.082/90:
§ 2º A progressão de regime, no caso dos condenados pelos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente, observado o disposto nos §§ 3º e 4º do art. 112 da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal).
Neste sentido, é possível concluir que o legislador criou um tratamento diferenciado para o cumprimento da pena privativa de liberdade, quando se tratar de condenadas gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência, de forma que o tempo de cumprimento de pena em cada regime, deverá ser de ao menos 1/8, preenchendo-se os demais requisitos legais do §3º, do art. 112 da Lei n. 7.210/90, independente de se tratar de crime hediondo ou não, o que na prática não terá muito efeito, uma vez que as mulheres presas no pais raramente praticaram crimes sem violência ou grave ameaça às pessoas, ressalvando apenas aquelas condenadas por tráfico de drogas, delito este que na sua essência não é violento.
NOTA:
Art. 72. São atribuições do Departamento Penitenciário Nacional:
I - acompanhar a fiel aplicação das normas de execução penal em todo o Território Nacional;
II - inspecionar e fiscalizar periodicamente os estabelecimentos e serviços penais;
III - assistir tecnicamente as Unidades Federativas na implementação dos princípios e regras estabelecidos nesta Lei;
IV - colaborar com as Unidades Federativas mediante convênios, na implantação de estabelecimentos e serviços penais;
V - colaborar com as Unidades Federativas para a realização de cursos de formação de pessoal penitenciário e de ensino profissionalizante do condenado e do internado.
VI – estabelecer, mediante convênios com as unidades federativas, o cadastro nacional das vagas existentes em estabelecimentos locais destinadas ao cumprimento de penas privativas de liberdade aplicadas pela justiça de outra unidade federativa, em especial para presos sujeitos a regime disciplinar.
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