O entendimento de um conselheiro do Conselho Nacional de Justiça-CNJ não tem o condão de afastar a aplicação da lei, muito menos de afastar a Constituição Federal, na questão da “exclusividade” das instituições financeiras oficiais em relação aos depósitos judiciais. Essa matéria sequer é da competência no CNJ, que não pode usurpar as funções do Judiciário eis que, apenas para reflexão, quaisquer eventuais discussões nesse tema têm que ocorrer no âmbito do STJ ou STF, pois é matéria constitucional e legal.
Ao contrário do que o conselheiro afirma (fato por ele omitido), a Carta Magna estabelece a obrigatoriedade desses depósitos em bancos oficiais, em seu art. 164, § 3º, nestes termos:
"as disponibilidades de caixa da União serão depositadas no banco central; as dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e dos órgãos ou entidades do Poder Público e das empresas por ele controladas, em instituições financeiras oficiais, ressalvados os casos previstos em lei".
Destacamos o que diz o comando constitucional, para que não paire quaisquer duvidas: depositadas em "instituições financeiras oficiais".
Por outro lado, a lei atacada pelo ilustre conselheiro é o art. 840, I, do CPC, que tem a seguinte redação:
"Serão preferencialmente depositados: as quantias em dinheiro, os papéis de crédito e as pedras e os metais preciosos, no Banco do Brasil, na Caixa Econômica Federal ou em banco do qual o Estado ou o Distrito Federal possua mais da metade do capital social integralizado, ou, na falta desses estabelecimentos, em qualquer instituição de crédito designada pelo juiz".
Ressaltamos que no texto constitucional (art. 164, § 3º) não existe a palavra "preferencialmente", inserida equivocada e inconstitucionalmente no texto legal, consistindo-se em mero erro de redação.
Apenas por amor ao debate, ainda que possamos admitir a palavra "preferencialmente" na lei infraconstitucional, isso em nada alteraria a determinação constitucional (bancos públicos administram depósitos judiciais). Nem mesmo altera a determinação do próprio art. 840, I, do CPC, que acompanha a Constituição: depósitos judiciais são administrados por bancos públicos (instituições financeiras oficiais).
Importante lembrar que a lei ainda faz a ressalva - seguindo o texto constitucional - que não será qualquer instituição financeira oficial que poderá receber esses depósitos (além da Caixa e do Banco do Brasil), mas aquela que o Estado ou o Distrito Federal possuir mais da metade do capital social integralizado. Ou seja, o Legislador, no exercício de sua competência legislativa, adentrou, inclusive, neste requisito para que uma instituição financeira oficial possa receber depósitos judiciais: “...mais da metade do capital social integralizado” pelo Estado.
Por outro lado, a parte final do referido artigo do CPC (“ou, na falta desses estabelecimentos, em qualquer instituição de crédito designada pelo juiz”) procurou apenas suprimir o vácuo deixado para a hipótese de em determinada localidade não existir instituição financeira oficial, nos termos do art. 164, § 3º, CF/88. Nesse caso – e apenas nesse caso - seria possível admitir o ingresso do Banco do Nordeste (BNB) e do Banco da Amazônia (BASA) para acolherem os depósitos judiciais, pois são instituições financeiras oficiais que não foram enumeradas no comando constitucional.
Ou seja, a teor da Constituição, nem mesmo nesse caso (inexistência de instituição financeira oficial na localidade) o juiz poderá designar um banco privado para receber depósitos judiciais. A propósito, não se tem notícia de alguma comarca que não tenha pelo menos uma instituição financeira oficial (bancos oficiais federais, incluindo BNB e BASA) e bancos estaduais.
Sempre foi dito que a Constituição e a Lei não contem palavras inúteis. Se o Legislador não quisesse fazer qualquer ressalva nessa matéria (depósitos em bancos públicos), simplesmente não haveria a necessidade da existência do próprio art. 840, I, no CPC. O Congresso Nacional teria despendido recursos e tempo - envolvendo 81 senadores e 513 deputados federais – na tramitação dessa matéria legislativa, introduzida pelo Legislador Originário, diga-se de passagem.
Dessa forma, compete exclusivamente ao Congresso Nacional mudar esse entendimento (no sentido de que as instituições financeiras oficiais têm a exclusividade dos depósitos judiciais), que sequer pode ser revisto pelo Judiciário (ativismo do judiciário?), muito menos por um conselheiro do CNJ.
Finalmente, o disposto no art. 1º, da Constituição (“valores sociais do trabalho e da livre iniciativa”), citada pelo conselheiro para tentar fundamentar sua opinião nada tem a ver com o tema, até porque no art. 174 a Constituição prevê que o Estado é “agente normativo e regulador da atividade econômica”, devendo exercer as funções de “fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado”.
Assim, o relatório do conselheiro é mero jogo de palavras completamente fora de contexto. Mais adiante, ele cita o art. 177 da CF/88, que trata dos monopólios da União, informando que os depósitos judiciais não estão elencados. Essa é a técnica da “falácia do espantalho”, pois em momento algum falou-se em “monopólio” dos depósitos judiciais para as instituições financeiras oficiais, mas, sim, em opção feita pelo Constituinte Originário, no art. 164, § 3º.
Além do ativismo do judiciário, ainda temos que conviver com o ativismo do Ministério Público. Esse é um dos grandes problemas que o Brasil enfrenta, neste Século: a insegurança jurídica, provocada exatamente pelos agentes públicos que deveriam manter a segurança jurídica: Judiciário e Ministério Público.
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