Muitas vezes pensar diferente dá trabalho. No campo econômico, por vezes é mais fácil aplicar apenas o “feijão com arroz”, ou seja, aquilo que segue os ensinamentos catalogados (pensar “dentro da caixinha”), mesmo sem medir suas consequências. Difícil mesmo é pensar diferente, “fora da caixinha”.
O relatório do deputado Samuel Moreira pensou “dentro da caixinha” sem medir as consequências quando inseriu o parágrafo 13 no art. 37 (da Constituição Federal), cujo teor equivale a um tiro no pé do próprio governo, pois ao contrário dos objetivos pretendidos com a reforma previdenciária, os seus efeitos terão o condão de aprofundar os gastos com a Previdência, reduzir a arrecadação federal (INSS e imposto de Renda) e não colaborar com a redução dos gastos das estatais. É de se estranhar que esse dispositivo não mereceu a devida atenção nos debates e análises feitas até o momento, nem mesmo da Instituição Fiscal Independente-IFI do Senado.
Eis o teor do texto da deletéria alteração pretendida:
“a aposentadoria concedida com a utilização de contribuição decorrente de cargo, emprego ou função pública, inclusive do Regime Geral de Previdência Social, acarretará o rompimento do vínculo que gerou o referido tempo de contribuição”.
Essa proposta de alteração está prevista no art. 1º da PEC 06/2019, sendo localizada na 2ª pagina do relatório que se encontra em tramitação no Senado.
A respeito do assunto, o jornal Valor Econômico, em inédita matéria datada de 19.07.2019 traz a seguinte manchete: “Servidor de estatal será demitido ao se aposentar”.
Traduzindo a referida manchete, significa dizer que os servidores que se aposentarem após a promulgação da Reforma da Previdência não poderão continuar trabalhando na respectiva instituição, eis que terão os contratos de trabalho rompidos. Nesta exposição abordaremos apenas as consequências no que se refere à sua aplicação junto aos servidores de estatais e relacionadas ao Regime Geral de Previdência Social/RGPS.
Enfim, caso o referido parágrafo 13 (art. 37) seja aprovado, o servidor que se aposentar (pelo RGPS/INSS) será “aposentado” compulsoriamente (a palavra “demitido” empregada pelo referido jornal está inadequada).
Ressaltamos que pelas disposições constitucionais e legais (como os art. 11, § 3º e art. 18, § 2º da Lei 8.213/11), os servidores de estatais - a exemplo da Petrobras, BNDES, Furnas, Banco do Brasil, Correios - mesmo estando aposentados pelo INSS podem continuam trabalhando na referida estatal. E devem trabalhar mesmo, pois além de preservar a expertise, experiência, conhecimento e inteligência da instituição, faz muito bem para a saúde, em especial a saúde mental, reduzindo os gastos com a saúde.
A possibilidade de continuar trabalhando após a aposentadoria nunca foi novidade, pois o mesmo ocorre entre os empregados da iniciativa privada: não há quaisquer óbices para que mantenham o trabalho, mesmo estando aposentados, em conformidade com o art. 5º, inc. XIII, da Carta Magna, que consagra o livre exercício de qualquer trabalho, desde que atendidas as qualificações profissionais. O art. 6º da Constituição plasmou o trabalho como um direito social.
O trabalho, na condição de direito social, é detentor de sólida proteção constitucional, conforme se verifica no art. 1º, inciso IV da Constituição Federal, que consagrou que a República Federativa do Brasil tem como fundamento “os valores sociais do trabalho”. Essa disposição é mais do que uma clausula pétrea: é clausula superpétrea, segundo a doutrina, pois se trata de Princípio Fundamental esculpido no Título I da Constituição. É de sabença geral que os princípios pairam acima das regras.
As explicações pelas quais essa proposta de alteração foi introduzida na Reforma da Previdência são as mais variadas, controversas e equivocadas, parecendo mais estarem vinculadas ao sabor das emoções, imediatismo e "achismo" (aquele pensar “dentro da caixinha” sem quaisquer estudos técnicos para aferir suas consequências).
Essas consequências implicarão na elevação do déficit da Previdência e redução da arrecadação tributária (como o INSS e Imposto de Renda que integram o orçamento federal). O relatório elaborado pelo deputado Samuel Moreira foi extremamente infeliz e descuidado nesse ponto. Não percebeu a armadilha do dispositivo.
Nem mesmo a Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal fez quaisquer menções ao fato, quando apresentou relatório mensurando os impactos fiscais das medidas submetidas pelo Poder Executivo ao escrutínio do Senado Federal. Previsivelmente, pensaram “dentro da caixa”.
Ao contrário do que possa parecer, esse dispositivo (§ 13 do art. 37) matará "a galinha dos ovos de ouro" da Previdência Social e do Governo: a possibilidade dos servidores continuarem a trabalhar, a teor dos art. 11, § 3º e art. 18, § 2º da Lei 8.213/11. Como afirmado, será um tiro no pé, sendo várias as razões que conduzem a essa afirmação. Sem a menor pretensão de esgotá-las, vejamos algumas:
A uma, se o servidor público se aposentou pelo INSS e resolveu continuar trabalhando na estatal, certamente é porque optou por receber um benefício previdenciário menor daquele que teria direito caso postergasse sua aposentadoria. A possibilidade de a Previdência Social pagar um benefício previdenciário menor representa um custo de oportunidade que se perderá. Importante lembrar que o benefício previdenciário, uma vez concedido, será permanente, não podendo ser recalculado (desaposentação), nos termos do art. 18, § 2º da Lei 8.213/1991, verbis:
Art. 18 (...) § 2º O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social – RGPS que permanecer em atividade sujeita a este Regime, ou a ele retornar, não fará jus a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-familia e à reabilitação profissional, quando empregado.
O servidor só percebe o equívoco de sua opção feita no passado (aposentar-se “precocemente” assumindo o risco de receber beneficio previdenciário menor) por ocasião da aposentadoria definitiva, momento que constatará a dura realidade: passar a viver com uma renda mensal menor.
Desse modo, a continuidade do trabalho pelo servidor (após a aposentadoria pelo INSS) trata-se de excelente oportunidade para a Previdência Social, pois esta arcará com um benefício previdenciário menor com esse aposentado.
A duas, enquanto esse servidor aposentado (pelo INSS) continuar trabalhando, estará devolvendo, com sobra, tudo aquilo que receber a título de aposentadoria (benefício previdenciário), eis que recolherá o INSS (art.11, § 3º da Lei 8.213/1991) e Imposto de Renda sobre sua remuneração. Nota: citamos o Imposto de Renda porque esse tributo integra o Orçamento, indo para o caixa da União, pois “os dinheiros se misturam”.
Em termos de orçamento federal, não há como dissociar uma coisa da outra e essa discussão assume maior relevância num momento em que setores do governo pensam em recriar a CPMF para cobrir o buraco do orçamento de receita e despesa, que mesmo “com alíquota pequenininha não machuca”. A aprovação do parágrafo 13 do art. 37 aumentará esse buraco – é prudente que essa consequência fique suficientemente clara.
Em decorrência da remuneração recebida na estatal face a continuidade do trabalho (após a aposentadoria pelo INSS/RGPS), é certo que esses recolhimentos ocorrerão sempre no percentual máximo, ou seja, de 11% para o INSS (que incide sobre o teto de atualmente fixado em R$ 5.839,45) e de 27,5% para o Imposto de renda (este incidente sobre o total da remuneração). Eis o teor do art.11, § 3º da Lei 8.213/1991:
Art. 11º, § 3º O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social–RGPS que estiver exercendo ou que voltar a exercer atividade abrangida por este Regime é segurado obrigatório em relação a essa atividade, ficando sujeito às contribuições de que trata a Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, para fins de custeio da Seguridade Social.
A questão do recolhimento do Imposto de Renda assume maior relevância em razão de outra circunstância não detectada (portanto, não precificada): ocorre em muitos casos que a tributação do imposto de renda sobre o beneficio previdenciário (aposentadoria) recebido pelo servidor incide em faixa menor, em função do valor tributado ser tomado isoladamente. O mesmo acontece também com a remuneração desse servidor aposentado que continuou na ativa: sofrerá um desconto menor a titulo de imposto de renda em razão de sua faixa de renda.
Todavia, por ocasião ajuste anual (declaração do imposto de renda) sobrevém outra dura consequência para o servidor (e ótima para o Orçamento Federal): todos os rendimentos recebidos no ano anterior (benefício previdenciário + remuneração) são somados e, por consequência, tributados na maior faixa do imposto de renda (27,5%). Por essa razão afirmamos que o servidor continuar trabalhando após a aposentadoria é uma “galinha dos ovos de ouro” (excelente custo de oportunidade) para a Previdência Social e União.
Vale lembrar outro fato nunca abordado nas discussões (nem pela Instituição Fiscal Independente-IFI do Senado): a parcela do recolhimento patronal relativa ao INSS é de 20% (vinte por cento) e incide sobre toda a remuneração, fato que apesar de sua grande relevância para a Previdência Social, tem passado despercebido por ocasião dos debates da reforma previdenciária. O tratamento dado é como se essa parcela da contribuição previdenciária não existisse. Todavia, o recolhimento previdenciário patronal assume extraordinária importância para a Previdência Social, no que se refere aos servidores de estatais que ganham além do teto previdenciário. Vejamos a razão.
Em tese o cálculo para se fixar o valor do benefício previdenciário (aposentadoria) para os trabalhadores que recebem acima do teto previdenciário (atualmente fixado em R$ 5.839,45) deveria também envolver, proporcionalmente, a parcela previdenciária patronal arrecadada sobre o excedente ao teto, pois sobre ela é recolhido 20% (vinte por cento). Porém não é o que ocorre, pois de um lado a Previdência Social arrecada bem mais “com os ricos” (remunerações acima do teto) mas por outro lado paga muito menos a eles, limitando-se ao teto previdenciário.
A título de ilustração, numa “conta de padaria”, analisemos duas situações distintas:
a) Servidor sempre recebeu remuneração equivalente ao teto previdenciário, atualmente fixado em R$ 5.839,45. Recolheu 11% sobre esse valor (R$ 642,33) e a contribuição previdenciária patronal sobre a remuneração foi de 20%, equivalente a R$ 1.169,89. Portanto, o total de recolhimento para a Previdência Social relativo a este servidor foi de R$ 1.812,22.
b) Servidor sempre recebeu remuneração equivalente a R$ 33.032,75. Recolheu 11% (limitado ao teto previdenciário), ou seja, R$ 642,33; portanto, pagou à Previdência o mesmo que o servidor anterior. Por outro lado o recolhimento patronal, nesse caso, foi de R$ 6.606,55 (20% incidentes sobre toda a remuneração, de R$ 33.032,75). Assim, o total de recolhimento ao INSS/RGPS em razão deste servidor foi de R$ 7.248,88, quatro vezes mais que o primeiro servidor.
Entretanto, considerando os parâmetros dos exemplos anteriores, ambos os servidores receberão o mesmo valor a título de aposentadoria, que nem mesmo será o valor nominal do teto (R$ 5.839,45), apesar de usualmente afirmar-se que se aposentarão “pelo teto”. Assim, os poucos “privilegiados” que se aposentarem “pelo teto” terão direito, na verdade, a um benefício previdenciário nominal em torno de R$ 5.564,68 (posição em JUL/2019) em razão das atuais regras de cálculo de atualização monetária sobre os recolhimentos mensais feitos ao INSS desde JULHO/1994, excluindo-se os 20% menores salários. Com as novas regras de cálculo, o valor cai para R$ 5.331,84 (posição em JUL/2019), pois serão considerados 100% dos salários.
Reitere-se que (considerando o exemplo apresentado), ambos os servidores se aposentarão com o mesmo benefício previdenciário, apesar do total do recolhimento previdenciário de um deles ser quatro vezes maior do que o outro. Essa conta não apareceu em nenhum dos debates da Previdência Social, embora seja fundamental para trazermos à baila reflexões sobre alguns dos “vilões” do déficit da Previdência Social.
Para inicio da reflexão pretendida e maior transparência aos dados divulgados até o momento, colacionamos a seguinte notícia, de 21.02.2019:
“no INSS, no setor privado, a maior parte dos beneficiários recebe menos de dois salários mínimos, 83,4%. São 24 milhões de aposentados, pensionistas e pessoas que recebem auxilio da Previdência. Só aposentadorias, são dezesseis milhões. A maior parte dessas aposentadorias, 63%, foi concedida pelo fator idade. São trabalhadores que enfrentaram longos períodos sem registro em carteira e, por isso, não contribuíram para a Previdência – o que não dá direito à aposentadoria por tempo de contribuição. O tempo de contribuição hoje para a aposentadoria por idade é de 15 anos. O governo diz que, na prática, esse grupo já se aposenta com um tempo médio de contribuição de 19,5 anos, ...”
A respeito da noticia e a bem da verdade e da transparência, faltou esclarecer alguns pontos sobre esse contingente de beneficiários (que seriam os “pobres”, segundo o que se tem divulgado):
a) recebem até dois salários mínimos simplesmente porque recolheram ao INSS apenas sobre até dois salários-mínimos;
b) grande parte desse contingente recolheu contribuição previdenciária menor, subsidiada (pois alguém paga essa conta) em apenas 8%, enquanto os demais (“ricos”, segundo o que se ouve) contribuem com 11%;
c) a maior parte desse contingente (63%, de acordo com a notícia) sequer pagou pelo que recebeu, eis que além de recolherem apenas 8% para a Previdência Social, também pagaram por bem menos tempo (apenas 15 anos sendo que na média, meros 19,5 anos);
d) boa parte desse contingente de pessoas trabalhou em empresas optantes pelo Simples Nacional, portanto isentas do pagamento do INSS Patronal. Assim, sequer houve a contraprestação patronal à Previdência Social para esse grupo;
e) esse contingente de pessoas jamais recolheu imposto de renda sobre suas remunerações e nem mesmo sobre o benefício previdenciário que recebem. Esse tributo vai para o mesmo caixa da União, também responsável pelo financiamento da Assistência Social, do SUS, da Educação, Salário-Família, auxilio-reclusão e a própria Previdência Social (uma vez arrecadados “os dinheiros se misturam”);
f) sem pagar pelo que recebem a titulo de beneficio previdenciário (aposentadoria), esse contingente de pessoas é responsável pelos gastos, crescentes com Assistência Social, o SUS, Educação, salário-família, auxilio-reclusão, Previdência Social, BPC, Bolsa Família, dentre outros.
g) o contingente de pessoas que se aposentaram com um salário-mínimo, além de se enquadrarem em todas as hipóteses citadas anteriormente, sequer se submetem às regras de cálculo da atualização do beneficio previdenciário: recebem o salário mínimo integral, “cheio”, nominal, sem qualquer desconto.
Importante esclarecer que trazemos à tona essas informações para jogar luz e aclarar pontos sombrios, pouco ou nunca abordados em razão de falsos pudores, do hipócrita “politicamente correto” e do discurso oficial nefasto e ideológico que se implantou neste país após 2003.
Economistas marxistas, por exemplo, acreditam que uma análise séria a respeito do funcionamento do sistema econômico deve se basear na dinâmica de conflitos entre as classes sociais, estimulando a divisão de classes, implantando o “nós” e “eles”; quase sempre omitem quem paga a conta e tendem a atacar os supostamente “ricos” (que de fato são os pagam “o almoço grátis” de milhões de pessoas).
Ideologias à parte, a questão previdenciária é um assunto técnico, matemático (receita x despesa), havendo a necessidade de se considerar o máximo de variáveis possíveis, até aquelas que nunca aparecem nos debates dessa natureza, como as citadas anteriormente: recolhimento patronal acima do teto (que nunca entra na conta); imposto de renda incidente sobre aposentadoria e remuneração; vantagens da manutenção do trabalho após a aposentadoria; subsídio no recolhimento previdenciário (8%) dos “pobres” (que agora vai cair para 7,5%, quando deveria aumentar para 11% para todos indistintamente; tempo de contribuição insuficiente na aposentadoria por idade (15 anos)... a lista é vasta.
Portanto, retornando ao tema principal, é inequívoco que a continuidade do trabalho de servidor de estatal aposentado pelo INSS é "um grande negócio da China" para a Previdência Social, que pagará “x” de um lado, a título de aposentadoria, mas receberá bem mais do que isso (“n.x”), por meio das contribuições previdenciárias e imposto de renda. Mais ainda: o “negócio da China” é diretamente proporcional à remuneração, pois quanto maior a remuneração recebida, maior a arrecadação dos tributos (INSS e IR).
Importante lembrar que sobre o benefício previdenciário oriundo da aposentadoria (INSS) há a incidência do Imposto de Renda, resultando que parte da aposentadoria retorne aos cofres públicos. A incidência do imposto de renda não acontece entre os aposentados “pobres” – e todos consideram normal que assim seja.
A três, grande parte dos servidores das estatais (como Petrobrás, Banco do Brasil, BNDES, Correios) tem fundo de pensão, entidades fechadas de previdência complementar. Deve ser registrado que inclusive pagam muito caro pela Previdência Complementar, com grandes sacrifícios pessoais e familiares – inclusive podem ser responsabilizados pela má gestão desses fundos, arcando com as consequências dessa má gestão, como visto com a tragédia ocorrida no Postalis (Correios).
Desse modo, ao postergarem suas aposentadorias definitivas pelos respectivos fundos de pensão (rompendo o vínculo definitivo com a estatal), pelo menos duas consequências são previsíveis:
a) fortalecimento dos fundos de pensão, importantes molas de investimento e desenvolvimento econômico nacional, gerando riquezas e empregos. É de se estranhar o silêncio em relação a esse fato, que entendemos ser de elevado interesse estratégico nacional e que deveria merecer estudo mais acurado (inclusive em relação aos impactos decorrentes dos planos de desligamento e aposentadoria incentivados); e
b) a parcela da previdência complementar recebida pelo servidor será maior, por ocasião da sua aposentadoria definitiva, implicando numa renda mensal total mais substancial, composta pelo benefício previdenciário (INSS) + renda complementar (fundo de pensão). Consequência? Maior arrecadação por meio do Imposto de Renda aos cofres públicos, contribuindo para a redução do “buraco” do Orçamento (Receita X Despesa).
Ou seja: significa dizer que haverá maior Imposto de Renda a ser recolhido, fato que praticamente anulará a despesa do INSS com o pagamento do benefício previdenciário (aposentadoria) desse servidor. A bem da verdade, na maior parte dos casos, na aposentadoria definitiva o recolhimento do imposto de renda do servidor aposentado não apenas anulará, mas superará o benefício previdenciário recebido.
Portanto é consistente a afirmativa de que a rigor, a Previdência Social jamais terá despesa com servidores de estatais que continuarem a trabalhar na estatal, após aposentarem-se pelo INSS. Reiteramos: essa possibilidade é um “negócio da China” que não está sendo precificado; enfim, não está sendo pensado “fora da caixinha”.
Apresentamos alguns dos argumentos que, segundo notícias, em tese seriam pretensas justificativas para a inserção do parágrafo 13 no art. 37, da Constituição Federal:
Justificativa 1: "a situação atual estimula as aposentadorias precoces, além de transformar a aposentadoria em um complemento de renda"
Comentário:
Mero ponto de vista de quem exprimiu esse pensamento, inconsistente, sem quaisquer fundamentos técnicos, como visto ao longo da exposição. É ver o copo "meio vazio" em vez de "meio cheio". Se a legislação vigente supostamente estimula a “aposentadoria precoce”, ressalte-se que, como visto, o benefício previdenciário recebido na “aposentadoria precoce” será menor e sem direito à desaposentação (revisão do benefício previdenciário).
Por outro lado, ao continuar trabalhando após a aposentadoria, o servidor devolverá aos cofres públicos tudo aquilo que receber de beneficio previdenciário (aposentadoria), por meio da sua contribuição ao INSS mais a contribuição patronal (essa sempre omitida), além do Imposto de Renda sobre a remuneração recebida.
Implica afirmar que na prática a Previdência Social não tem qualquer custo em relação a este aposentado, pois os cofres públicos recém "n" vezes o valor pago a título de benefício previdenciário, graças à continuidade de atividade laboral por parte do servidor. Importante lembrar que mesmo nas aposentadorias “precoces” o tempo mínimo de contribuição jamais foi inferior a 30 (trinta) anos – contra meros quinze anos da aposentadoria por idade.
Quanto a afirmação equivocada de que a aposentadoria seria "um complemento de renda", percebe-se, prima facie, a carga emocional sobre a mesma, desprovida de qualquer técnica e razoabilidade. O benefício previdenciário não é complemento de renda algum, eis que a aposentadoria é um direito conquistado (e pago) pelo aposentado, que apenas receberá por aquilo que pagou, relativo, portanto, a fatos e eventos passados.
Apenas por amor ao debate, se o beneficio previdenciário decorrente da aposentadoria é “complementação de renda”, com muito mais razão a continuidade no trabalho pelo servidor é forte complemento de arrecadação previdenciária e tributária (representando um-bis-in-idem), pois a União continua recebendo os tributos sobre a renda do servidor e do empregador, decorrentes do trabalho, sem, contudo, promover o recálculo do valor da aposentadoria (desaposentação).
Vale lembrar que sobre o benéfico previdenciário também incide imposto de renda (tributação de 27,5% a partir de R$ 4.664,68), implicando que parte da aposentadoria retorne aos cofres públicos, fato que não ocorre entre os aposentados considerados “pobres”. Nada disso foi precificado nos debates.
Quanto à renda auferida do aposentado, essa decorre, por óbvio, da remuneração pelo seu trabalho (fato presente), conforme art. 7º e incisos, em especial o inciso V, da Carta Magna, verbis:
“São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social, piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho”.
Como se vê, essa suposta justificativa não resiste à mais tênue análise técnica.
Por fim, apresentamos, para reflexão, informações concretas sobre quatro aposentadorias consideradas “precoces” concedidas, entendendo-se como “aposentadorias precoces” os casos de servidores que se aposentaram pelo INSS, porém continuaram a trabalhar. Os valores informados são os atualmente recebidos e brutos (sem desconto do IR):
a) servidor, aposentou-se com 51,6 anos de idade, R$ 3.238,86 de beneficio e 35 anos de contribuição;
b) servidor, aposentou-se com 53 anos de idade, R$ 3.547,22 de beneficio e 35,4 anos de contribuição;
c) servidor, aposentou-se com 58 anos de idade, R$ 3.720,00 de beneficio e 36 anos e 11 meses de contribuição;
d) servidora, aposentou-se com 52 anos de idade, R$ 3.203,85 de beneficio e 30 anos de contribuição.
Em todos os casos os tributos recolhidos sobre a remuneração (INSS + IR) superam o valor do beneficio previdenciário recebido, que é bem menor que o teto (R$ 5.839,45). Dessa forma, a rigor a Previdência Social não tem despesa com eles. Todos contribuíram por mais de 30 anos (um deles quase que por 37 anos).
Justificativa 2: Técnicos argumentam que a aposentadoria "deve ser paga para aqueles que não estão mais no mercado de trabalho".
Comentário:
Mera opinião pessoal de alguns "técnicos", que se valem de argumento completamente fora de contexto, aparentemente razoável, mas que não resiste à mais superficial análise, conforme a exposição feita até o momento. A aposentadoria deve - e tem que - ser paga mediante o cumprimento dos critérios constitucionais e legais estabelecidos. Isso chama-se segurança jurídica. Além do mais, receber aposentadoria e "manter-se no mercado de trabalho" não são fatos excludentes entre si; é dizer que uma coisa nada tem a ver com a outra coisa.
No aspecto constitucional, lembremo-nos do comando do caput do Art. 5º: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza...”. É inconstitucional, ao nosso ver, que servidor de estatal não possa continuar trabalhando após aposentar-se pelo INSS, ao contrário do trabalhador da iniciativa privada.
Justificativa 3: A mudança faz parte das medidas que o governo Bolsonaro busca implementar para reduzir os gastos com servidores e funcionários de estatais.
Comentário:
Supondo a veracidade dessa suposta afirmação, reafirmamos: a proposta de mudança (impedir que servidores continuem a trabalhar após a aposentadoria) não foi previamente avaliada, sendo um tiro no pé em razão do exposto até o momento. Trata-se de outra falácia do espantalho eis que, caso seja vedada a aposentadoria pelo INSS com manutenção do trabalho, duas consequências são previsíveis:
a) a mais evidente é que, por óbvio, os servidores não irão se aposentar, optando por aguardar o melhor momento para tomar essa decisão, de forma que as estatais continuarão com os mesmos gastos. Com exceções, esses servidores optarão por “não morrer na beira da praia” (abrir mão de uma aposentadoria maior, após décadas de contribuição, para receberem um beneficio previdenciário menor). Consequência para Previdência Social? A resposta é por demais óbvia: a perda de um excelente custo de oportunidade (possibilidade de gastos menores), pois as aposentadorias a serem concedidas mais tarde serão maiores, implicando em mais gastos para a própria Previdência Social. Da mesma forma, a Previdência Social perderá a chance de ter o retorno do gasto com beneficio previdenciário por meio da tributação sobre a renda (INSS mais IR) decorrente do trabalho, agora inexistente.
OU
b) parte dos empregados públicos se aposentarão, rompendo o vínculo laboral, mesmo recebendo benefício previdenciário menor (enquanto essa possibilidade for possível). Nesse caso haverá o aprofundamento do déficit da Previdência, que passará a arcar com mais um benefício previdenciário, sem ter nenhuma compensação (pois cessando o vínculo empregatício, cessa o recolhimento do INSS; com renda menor, reduz-se o Imposto de Renda recolhido). Seria equivalente a uma "vitória de Pirro".
Importante lembrar que nada impede que as empresas públicas mantenham planos de incentivos à aposentadoria ou desligamentos voluntários, focados nos servidores mais antigos, justamente os detentores de maior expertise, conhecimento e inteligência da estatal, fato que exige extrema cautela, ao nosso ver.
Caso a inserção do parágrafo 13 no art. 37 da Constituição seja mantido, é razoável prever que a manchete do jornal, no dia seguinte à sua aprovação, poderá ser:
“Tiro no pé: alteração na Reforma da Previdência Social aprofunda o déficit da própria Previdência Social”.
Mestrando em Estudos Jurídicos Avançados, pela FUNIBER; graduação em DIREITO, pela UDF (2005); especialização em Direito Publico (UCAM-Universidade Cândido Mendes). Extensão em Defesa Nacional pela Escola Superior de Defesa; em Direito Constitucional e Direito Constitucional Tributário. Política Externa para Altos Funcionários da Administração Pública, pelo Ministério das Relações Exteriores. Recebeu Voto de Aplauso do Senado Federal por relevantes contribuições à efetivação da cidadania e dos direitos políticos (acesso in http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2007/09/26/ccj-aprova-voto-de-aplauso-ao-advogado-milton-cordova-junior). Idealizador do fundo de subsídios habitacional denominado FAR - Fundo de Arrendamento Residencial, que sustenta o Programa Minha Casa Minha Vida, implementado por meio da Medida Provisória 1.823/99, de 29.04.1999.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JUNIOR, Milton Cordova. A Reforma da Previdência e a demissão de servidores que se aposentarem pelo INSS/RGPS: um tiro no pé da própria Previdência Social e do Orçamento Federal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 set 2019, 04:58. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/2964/a-reforma-da-previdncia-e-a-demisso-de-servidores-que-se-aposentarem-pelo-inss-rgps-um-tiro-no-p-da-prpria-previdncia-social-e-do-oramento-federal. Acesso em: 24 nov 2024.
Por: Camila Falkowski
Por: Alexandre S. Triches
Por: DESIREE EVANGELISTA DA SILVA
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