A inserção do § 7º ao art. 150 da Constituição Federal pela Emenda nº 3/93, motivada pela gula do fisco, tem trazido efeitos colaterais indesejáveis, além de relativizar a teoria do fato gerador da obrigação tributária. A obrigação tributária em qualquer legislação tributária do mundo surge somente com a ocorrência do fato gerador no mundo da realidade. Não antes, como decorrência do princípio da segurança jurídica. O Brasil, país que mais tributa no planeta, se levada em conta a contrapartida representada pelos serviços públicos deficientes, por meio de uma Emenda espúria introduziu a técnica de tributação antecipada, sabendo ou devendo saber que isso traria efeitos colaterais perversos, além de aumentar a burocracia tributária.
Levou-se mais de uma década para o STF decidir pela restituição do imposto pago a maior se na operação de revenda pelo substituído, o valor do imposto efetivamente devido for menor (RE nº 593849).
Durante lustros os contribuintes ficaram submetidos ao clima de dúvidas e de insegurança jurídica, por conta de decisões contrárias da Suprema Corte que negava o direito à restituição proclamada pela Constituição com lapidar clareza, sob o equivocado fundamento de que a substituição tributária é definitiva, descabendo ulterior complementação ou restituição do imposto. Claro! O que não é definitiva é a base de cálculo da tributação antecipada, porque o próprio texto constitucional estabeleceu uma presunção relativa ao dispor sobre “fato gerador presumido”, e não, “fato gerador fictício” que equivaleria a uma presunção absoluta. O fato gerador apresenta vários aspectos, e um deles é exatamente o aspecto quantitativo que é a base de cálculo e alíquota. E essa base de cálculo, na hipótese de substituição tributária, é apenas presumida, comportando prova em sentido contrário.
Agora, nova insegurança jurídica vem surgindo. A quem cabe a restituição do ICMS recolhido a mais? Ao substituinte que pagou o imposto, ou ao substituído que revendeu a mercadoria por um preço menor do que aquele que serviu de base para a tributação antecipada? A respeito dessa questão remetemos o leitor ao nosso artigo intitulado “A quem pertence a diferença do PIS-COFINS no regime de substituição tributária?” (Tributario.com.br, publ. de 20-1-2020). Tanto para o ICMS-ST, como para o PIS-COFINS-ST o procedimento é idêntico.
Outra questão tormentosa, ainda não enfrentada pela jurisprudência, diz respeito à compensação do ICMS-ST. Não há legislação estadual regulando o assunto. O Convênio ICMS nº 52/17 vedava essa compensação, mas, seus dispositivos foram suspensos por uma liminar concedida pelo STF nos autos da ADI nº 5866-DF. Esse Convênio veio a ser revogado posteriormente, e, em seu lugar foi firmado o Convênio ICMS nº 142/18, que é silente sobre a matéria.
O fato é que o Convênio, como um instrumento normativo subalterno à legislação estadual não pode se sobrepor à lei, muito menos ao texto constitucional. A hierarquia a ser observada é a seguinte: Constituição Federal, Lei Complementar, Lei Estadual e Convênio.
O certo é que pela jurisprudência do STF a matéria concernente à substituição tributária só pode ser versada por lei complementar (ADI nº 4.628, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 24-11-2014).
O ICMS-ST é o mesmo ICMS previsto no inciso II, do art. 155 da CF. A única diferença reside no regime de arrecadação que é feita antes da ocorrência do fato gerador por criação do legislador constituinte derivado, sempre disposto a aumentar a arrecadação a qualquer custo para a manutenção desse Estado perdulário que sequer cabe dentro do PIB, mas, que traz benefícios desmesurados e ilegítimos para os detentores do poder político.
Logo, a compensação é autoaplicável por força do disposto no inciso I, do § 2º, do art. 155 do Texto Magno, com as restrições previstas no inciso II desse mesmo parágrafo, que proíbe a compensação de crédito nas hipóteses de isenção e de não incidência, salvo disposição em contrário da legislação.
Ora, posto que a ST não configura hipótese de isenção ou de não incidência, ao contrário, hipótese de tributação antecipada, não se vê razão para obstar o direito à compensação a pretexto de omissão da legislação estadual.
A grande verdade é que o regime de substituição tributária não mais desperta interesse do fisco estadual por causa da necessidade de restituir o excesso de arrecadação, por determinação do STF. Quanto mais inchada for a base de cálculo da substituição tributária, maior será o volume de imposto a ser restituído.
O astuto legislador constituinte derivado, ao instituir a famigerada tributação antecipada, contou com a confusão que se instauraria na jurisprudência dos tribunais até chegar a uma conclusão correta. Deu certo! O fisco estadual tirou proveito da sua astúcia por mais de uma década. A decisão da Corte Suprema veio com efeito modulatório, para colocar a salvo os Estados que se enriqueceram ilicitamente com a tributação antecipada e exacerbada. É realmente um país impressionante, cheio de surpresa e de criatividade, tanto para praticar o bem, quanto para praticar o mal. Por enquanto nessa luta do bem contra o mal este último está ganhando de goleada, infelizmente.
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