O século XXI inverteu o giro da catraca no que concerne às ações e funções policiais e de sua importância frente à persecução criminal. E isso se deu de forma inusitada, pois nunca foi da essência de nossa política governamental o fortalecimento das investigações, haja vista a real possibilidade de estas desvendarem os buracos negros existentes na política nacional.
Para se ter uma noção da falta de cuidado com as forças de Segurança Pública, basta ver que a configuração das polícias através da CF/88 foi insignificante frente à complexidade de sua atuação, tanto que só há um artigo – art. 144 – falando sobre a segurança pública e neste artigo fala de uma lei regulamentadora que não existe até o presente momento. Tudo isso frente ao fato de a segurança pública não trazer votos, bem assim que só pobre era preso, resquícios de um conceito antiquado das funções do Direito Penal.
Junte-se a isso o fator cultural daqueles que exerciam tais funções, pois é sabido que fazer parte das polícias num passado recente era a última opção, sendo tais funções escanteadas pela Sociedade e até mesmo pelos familiares sob os mais variados tipos de preconceitos. Discriminações estas catalisadas pelo nosso passado ditatorial que justificava e embasava o temor de um retorno ao status a quo, qual seja: o retorno ao Estado Policialesco.
Como informado inicialmente, essa modificação se deu de forma inusitada ante a conduta de seus membros, visto que foi a instrução destes que adentraram nas forças de Segurança Pública que qualificou o quadro de atuação enérgica contra a criminalidade de alto nível, chamada comumente pelos doutrinadores de crimes do colarinho branco.
Com efeito, as polícias, inicialmente a Polícia Federal, inverteram o giro da roda e deram tecnicismo às investigações, investigando crimes de corrupção – ativa e passiva – lavagem de dinheiro, peculato, evasão de divisas, dentre outros praticados por aqueles que sempre usaram da ignorância pública para desfaçatez de seus reais intentos: enriquece com dinheiro público.
Tendo em vista essa mudança de postura, concursos para as forças de Segurança Pública foram se tornando mais qualificados, evento que enalteceu suas atribuições, enriqueceu seus quadros e, por fim, convergiu respeito para com outras instituições, i.e., do Poder Judiciário e do Ministério Público.
Neste diapasão, as investigações se transformaram e se tornaram o núcleo da persecução penal, onde os elementos de informações coletados em âmbito de Inquérito Policial se elevaram de importância, precipuamente ante a existência de provas não repetíveis, antecipadas e cautelares. O Inquérito Policial, que outrora atendia a sua premente característica de dispensabilidade, se qualificou e agora atende as suas importantes características de procedimento preservador, visto que a existência de um Inquérito Policial inibe a instauração de um processo penal infundado, temerário, que atente contra os direitos e garantias fundamentais elencados na nossa Constituição Federal, bem como de um procedimento preparatório, haja vista ser Ele quem fornece elementos de informações para que o titular da ação penal ingresse em juízo, atendendo a justa causa; e, por fim, é o Inquérito Policial acautelador, pois acautela meios e fontes de prova que poderiam desaparecer com o decurso do tempo.
Assim, analisando o antes e o depois do Inquérito Policial, nota-se que, após sua qualidade empreendida pelos novos membros, houve um verdadeiro giro de 360º, o evidenciando como fator preponderante para uma condenação, transmutando as prisões existentes neste momento de simples detenções espetaculares para prisões com um forte embasamento legal, probatório e, porque não dizer, condenatório!!!
Entrementes, conquanto a importância do Inquérito Policial e das Polícias Judiciárias no caminhar da história da humanidade, fato é que entraves burocráticos e desejos pessoais tentam limitar essa atuação imparcial desse procedimento, arguindo a inexistência de contraditório e da ampla defesa como formas dissimuladas de destratar as investigações, esquecendo-se os defensores desta tese de que outros direitos e garantias são e devem ser protegidos neste âmbito, sob pena de responsabilidade administrativa, civil e criminal, i.e., dos vários delitos apostos na nova lei de abuso de autoridade, lei 13.869/19.
Some-se a isso o fator de que, com a evolução do Inquérito Policial e das investigações, outras instituições criaram outras formas de procedimentos investigativos, certamente pelo fato de não deixar tamanha atribuição somente nas mãos de uma instituição, qual seja: As Polícias Judiciárias.
A evolução das investigações e da Polícia Judiciária é tamanha, que até o Supremo Tribunal Federal, em decisão histórica, abriu espaço para que os próprios juízes pudessem lavrar TCO, circunstância esta que quebra o princípio acusatório, adotado por nossa Constituição Federal e enfatizado no Pacote Anticrime, e abre espaço para que, num futuro próximo, o próprio Inquérito Policial seja iniciado por uma Autoridade Judiciária, abertura esta que já foi realizada nas investigações das Fake News.
Tal decisão foi tomada em julgamento no plenário virtual da corte, na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3.807, impetrada pela Associação de Delegados de Polícia do Brasil (Adepol), que pretendia declarar a inconstitucionalidade do §3º do artigo 48 da Lei 11.343/2006, que confere ao juiz de Direito a prerrogativa de lavratura do TCO nas condutas do artigo 28 da mesma lei. Em seus votos, os magistrados, com exceção do ministro Marco Aurélio, acompanharam a relatora, ministra Carmen Lúcia, de que o TCO, nesta situação específica, pode ser elaborado tanto pela autoridade policial, especificamente o delegado de Polícia Judiciária, quanto pelo juiz de Direito.
Desses fatos, nota-se a evolução das funções de Polícia Judiciária no decorrer dessas duas últimas décadas, crescimento este verificado por outras instituições ao ponto de criar expectativas contraditórias, visto que, de um lado há a preocupação daqueles que sempre se aproveitaram da inoperância de suas instituições, principalmente a investigativa, para o atendimento de seus interesses sórdidos e, por outro lado, há um interesse atual e real da Sociedade como um todo, a qual fiscaliza, cobra e não aguenta mais ser enganada por seus representantes, jogando suas mais altas esperanças naqueles que atuam na persecução penal, dentre eles a Polícia Judiciária.
Enfim, com o desiderato em atender a esse clamor social por justiça e igualdade, é de premente necessidade uma reforma administrativa, onde às Polícias Judiciárias devem ser garantidas autonomia e inamovibilidade, pois, só assim, seus atuais membros podem iniciar, desenvolver e concluir investigações contra o Crime Organizado, delito este que vem aterrorizando o país de uma forma implosiva, como um câncer, tomando de conta suas mais variadas instituições.
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