Noutros artigos de nossa autoria, já foram bem delineadas as noções de princípios constitucionais, bem como se ponderara profundamente acerca da boa-fé, desenvolvendo as suas diversas facetas e a relacionando tanto ao abuso do direito quanto à sua modalidade particular, o nosso tema específico, a vedação do comportamento contraditório.
Procedeu-se, até mesmo, a uma delimitação terminológica de cada um dos institutos supracitados, postulando ser o nemo potest venire contra factum proprium responsável pela tutela da confiança (a legítima expectativa despertada na contraparte).
Neste estudo, procurar-se-á relacionar toda a teoria (do princípio) da vedação do comportamento contraditório com o processo civil brasileiro. Para tanto, a questão será relacionada também à ética e a moral, para, ao final, demonstrar a incidência do “venire contra factum proprium” em todas as relações jurídicas e elencar exemplos específicos.
A própria sociedade, antes mesmo de qualquer manifestação estatal, estabelece costumes que lhes são convenientes e cujas aceitação e obediência se operam independentemente de coação exterior, diz-se que é desenvolvido um consenso tácito, através da moral. Consoante Humberto Theodoro Júnior (2008, p. 11):
Antes, porém, que o Estado se manifeste, a própria sociedade, graças à razão pura e simples, estabelece costumes cujas aceitação e observância se dão independentemente da vontade de alguma autoridade exterior. O sentimento de cada um e o consenso tácito de todos aprovam esses ditames e censuram suas infrações por meio da moral.
A moral, segundo De Plácido e Silva (1993, p. 210), seria o estudo dos costumes honestos e virtuosos, de acordo com os ditames da consciência e os princípios da humanidade:
Derivado do latim moralis (relativo aos costumes), na forma substantiva designa a parte da filosofia que estuda os costumes, para assinalar o que é honesto e virtuoso, segundo os ditames da consciência e os princípios da humanidade. A moral, assim, tem âmbito mais amplo que o direito, escapando à ação deste muitas de suas regras, impostas aos homens como deveres.
De tais disposições, já se pode extrair que a moral e o direito não são sinônimos. Salienta Humberto Theodoro Júnior (2008, p. 12) que “enquanto a moral atua principalmente na esfera do subjetivismo, o direito se caracteriza por sua marcante objetividade”.
Ora, a moral nasce da razão e o direito, da lei; o campo daquela pertence à subjetividade e deste, ao conjunto normativo posto.
Ocorre que o homem sempre está sob a influência de regras morais (e éticas, haja vista que a ética é a ciência do moral) e valores subjetivos, o que resulta na utilização destes para a consecução da regra jurídica. O legislador deve considerar tais valores quando da elaboração, da interpretação e da aplicação da norma.
Nos dizeres de Humberto Theodoro Júnior (2008, p. 12):
É claro, contudo, que nunca o homem, mesmo sob influência do mais exacerbado positivismo, conseguiu liberar-se de sua natureza de ser dotado de valores subjetivos, valores esses que jamais poderiam ser ignorados no momento de traçar a regra jurídica e principalmente quando de sua interpretação e aplicação prática. Ao que o Século XX acabou por assistir foi uma invasão na seara do direito pelos valores éticos, em todos os quadrantes do ordenamento, desde o direito público ao privado, com a implantação de novas categorias, como o abuso ou desvio de poder, o abuso de direito e a submissão dos negócios jurídicos aos padrões da boa-fé, entre outros.
Neste diapasão, é certo que os princípios da boa-fé e da vedação do comportamento contraditório, assim como a teoria do abuso do direito (e todos os institutos afins) se relacionam, invariavelmente, com a necessidade de ética e moral no ordenamento jurídico (em todas as relações jurídicas).
O direito passa a determinar se certos comportamentos imorais são lícitos ou ilícitos. O novo diploma civil se caracterizou como um marco na mudança de mentalidade jurídica e consagrou a simbiose do sistema com os valores éticos. Ainda segundo Humberto Theodoro Júnior (2008, p. 13):
O advento do Código Civil brasileiro de 2002 corresponde bem ao coroamento do processo político-cultural que dominou a mudança de rumos do direito nos últimos tempos, sepultando o projeto positivista e consagrando, com veemência, a simbiose do ordenamento jurídico com os valores éticos em observância no meio onde a lei deve incidir.
O próprio mentor da Codificação, mestre Miguel Reale, ensina que houve a necessidade de reconhecimento dos valores éticos sem o abandono da técnica jurídica. Este pensamento se coadunou com as cláusulas gerais, que permitem a incidência de princípios jurídicos, dotados de carga axiológica, sem a preocupação com excessivo rigor conceitual (2002, p. 13):
A nova codificação (...), embora cônscia do legado da escola germânica dos pandectistas e de todo tecnicismo haurido na admirável experiência do direito romano, não pôde deixar de reconhecer, em nossos dias, “a indeclinável participação dos valores éticos no ordenamento jurídico, sem abandono, é claro, das conquistas da técnica jurídica, que com aquele deve se compatibilizar”. Daí a opção, freqüente, por normas genéricas ou cláusulas gerais, onde o apelo é direito a valores éticos, sem a preocupação de excessivo rigor conceitual, com o confessado intuito de “possibilitar a criação de modelos jurídicos hermenêuticos”.
Tal qual pondera Humberto Theodoro Júnior (2008), essas tendências demonstram a importância dos princípios e da moral no direito, evidenciando que as normas e regras jurídicas só podem ser realmente efetivadas mediante a utilização de cláusulas gerais.
A parte, por uma questão ética e leal, não poderá, de modo algum, fraudar a legítima expectativa depositada na contraparte.
Como é de saber amplo, o novo Codex tem como uma de suas cláusulas gerais a boa-fé objetiva. Não seria exagero afirmar que esta seria o “padrão ético do moderno direito civil”, haja vista que, por intermédio dela é que se fazem presentes no dia-a-dia os princípios da boa-fé e da vedação do comportamento contraditório (casos particulares).
Noutro estudo de nossa autoria (2006), foras repisado que a boa-fé é incidente em toda e qualquer relação jurídica e não somente em sede de contrato ou relações privadas.
A boa-fé objetiva é responsável pela disciplina ética dos indivíduos envolvidos em todas as relações jurídicas (quer sejam contratantes, litigantes, terceiros interessados, entre outros). Ao juiz caberá, no caso concreto, ponderar as circunstâncias fáticas e aplicar o direito no intuito de alcançar a eticidade, a honestidade e a probidade.
Nas palavras de Humberto Theodoro Júnior (2008, p. 15):
Em todas essas situações, sobreleva-se a atividade do juiz na aplicação do direito ao caso concreto, porque não encontrará apenas na norma legal o tipo normativo a aplicar ao caso concreto, mas terá de descer até aos usos e costumes locais para definir a eticidade e, consequentemente, a licitude do comportamento (...).
Ressalte-se que Cândido Dinamarco (1994) e Brunela Vieira de Vincenzi (2003) acentuam que o juiz contemporâneo, em sede de processo civil, tem um compromisso com a instrumentalidade e a ética.
É cediço que a Constituição Federal é considerada como norma jurídica hierarquicamente superior do sistema, dotada de imperatividade e prevalência normativa. Neste diapasão, os princípios constitucionais se caracterizam como os valores supremos e fundantes de nosso ordenamento jurídico.
Tais princípios se relacionam diretamente ao campo da ética e da moral e incidem tanto no âmbito público quanto privado.
Bem salienta Humberto Theodoro Júnior (2008, p. 15) que a recuperação dos fundamentos éticos se operou em todos os ramos do direito em razão da Lei Maior de 1988:
A recuperação dos fundamentos éticos no campo dominado pelo direito não se deu apenas em um ou outro segmento do ordenamento jurídico. Todo o direito contemporâneo foi permeado pelos valores morais, a começar, obviamente, da macroestrutura constitucional. Já em seu Preâmbulo, nossa Constituição proclama com toda ênfase que a “República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna pluralista e sem preconceitos”.
E continua (2008, p. 16):
Valores éticos, como justiça, solidariedade e dignidade da pessoa humana, na ordem constitucional são, entre outros, os fundamentos do Estado Social de que se constitui a República Federativa do Brasil. O posicionamento da Carta Magna de 1988, destarte, é de grande vinculação com os princípios éticos e com o aspecto moral em todos os atos, sejam dos particulares ou do poder público, sejam da ordem econômica ou social, sejam da ordem política. O ordenamento infraconstitucional, por conseguinte, há de conformar seus preceitos a essa mesma orientação, e há de ser interpretado sob inspiração desses mesmos valores, sob pena de afronta à Carta Magna.
Este posicionamento é acentuado por Brunela Vieira de Vincenzi (2003, p. 75), no que pertine, especificamente ao processo civil:
Tal concepção faz do processo um instrumento ético, influenciado pela política, pela sociologia e pela história, que se mesclam na Constituição, revelando as forças políticas que em determinado momento da sociedade influenciaram na concepção do processo.
O devido processo legal se veicula ao solidarismo do Estado Democrático de Direito bem como à idéia de processo como instrumento apto à efetiva concretização da justiça (e do acesso à justiça).
Neste sentido, leciona Humberto Theodoro Júnior (2008, p. 18-19):
Inspirada nos valores éticos consagrados pela Constituição, a idéia de devido processo legal veicula a noção de instrumento apto a proporcionar o verdadeiro acesso à justiça, ou seja, de um processo aparelhado para assegurar “a obtenção dos resultados justos que dele é lícito esperar”.
O mesmo autor ressalta que, em razão deste postulado magno do devido processo legal, o legislador infraconstitucional estabelece uma série de regras éticas no Código de Processo Civil, com o fito de valorizar o comportamento ético dos sujeitos. In verbis (2008, p. 19):
Nesse compasso, o Código de Processo Civil reprime, de várias maneiras, a má-fé processual, de forma a valorizar o comportamento ético dos sujeitos do processo e a eliminar a pior mácula moral que uma atividade de pacificação social comprometida com a justiça poderia apresentar: a mentira e, consequentemente, a injustiça.
Ora, o respeito aos princípios constitucionais está diretamente relacionado à efetiva consecução da justiça.
As noções de abuso do direito, boa-fé e vedação do comportamento contraditório foram desenvolvidas, predominantemente, no campo do direito civil. Argumenta Humberto Theodoro Júnior (2008, p. 21) que teria sido neste palco em que, em primeiro plano, buscou-se “opor os valores éticos à frieza das regras legais endeusadas pelo positivismo”.
Ocorre que, não apenas na ordem jurídica privada é que não se tolera o exercício abusivo dos direitos e a contrariedade aos limites da boa-fé, da moral e dos bons costumes – as legítimas expectativas despertadas no indivíduo devem ser protegidas qualquer seja o campo do direito.
Conforme já disposto noutro estudo de nossa autoria (2006, p. 147):
(...) Ao mesmo tempo em que se é correto afirmar que a boa-fé objetiva tem fundamento constitucional, também o é com relação à vedação da conduta contraditória. (...) Por tal motivo, a aplicação de suas noções não se restringiria ao âmbito contratual ou obrigacional, mas, pelo contrário, estender-se-ia a todas as relações jurídicas, fossem elas públicas ou privadas. Se a aplicação de suas noções é estendida a todas as relações jurídicas, é óbvio que também deverá sê-la ao processo civil.
Acentuara-se, ao longo de nossos trabalhos científicos, por diversas vezes, que o processo civil tem suas vigas mestras na Constituição Federal e que esta contém uma série de princípios éticos. Assim, é óbvio que não subsistiria qualquer fundamento para que se obstasse a aplicação de seus preceitos em sede instrumentalista.
Humberto Theodoro Júnior (2008, p. 21), após preconizar que a teoria do abuso do direito bem como os princípios da boa-fé e de vedação do comportamento contraditório se caracterizam como uma “reação contra a rigidez das disposições legais e sua aplicação mecânica, alheada dos valores éticos consagrados pela moral e pelos bons costumes”, conclui que tais postulados conferem flexibilidade ao ordenamento jurídico e são aplicados ao processo sob a ótica da “justa composição de litígios” (2008, p. 22):
Fazendo eco às idéias plasmadas no campo do direito material, logo o direito processual civil tratou de amoldar-se aos ditames éticos. O processo, de instrumento de realização da vontade concreta da lei, passou a ser visto como instrumento destinado a proporcionar a “justa composição dos litígios”, tendo os códigos de maneira geral reforçado os poderes do juiz e sancionado as condutas processuais abusivas e antiéticas.
Os padrões éticos prestigiados são buscados tanto na ordem jurídica (em especial, na lei fundamental) quanto nos costumes e na ordem social. O juiz não se utiliza do seu próprio espírito, mas sim das noções éticas e morais consagradas no sistema pátrio.
Brunela Vieira de Vincenzi (2003) perfaz um detalhado estudo acerca das teorias das posições exercidas pelos sujeitos parciais no processo civil. Dispõe que sempre foi demonstrada a preocupação com o comportamento das partes em juízo. Acentua que, nos diversos ordenamentos jurídicos estrangeiros, como o italiano, o francês e o alemão, assim como no Brasil, os principais deveres seriam a veracidade e a lealdade. Tais deveres resumiriam as concepções éticas e indicariam no sentido de limitação do exercício das posições subjetivas das partes na relação jurídica processual, impondo deveres, obrigações e ônus. Contudo, enfatiza que a solução adotada por cada ordenamento não seria idêntica (2003, p. 121):
A análise de diversos sistemas processuais permite à primeira vista constatar que existe por todo o mundo constante preocupação em prevenir e reprimir o uso desleal do processo civil, seja pelas partes, por seus advogados, pelos juízes ou por qualquer outra pessoa que direta ou indiretamente participe dos processos judiciais. Todavia, é possível perceber também que não existe semelhança entre as soluções encontradas, revelando cada ordenamento tendências e preocupações próprias, dependendo em cada país de sua evolução histórica, política e cultural.
Leciona que, na concepção recente do fenômeno processual, os atos das partes devem convergir para a concretização do processo civil de resultado, sendo imperiosa a obediência aos ditames constitucionais.
Hoje em dia, sem sombra de dúvidas, o que se busca com os ditames éticos é a superação de uma realidade trágica, haja vista que, como bem ponderou James Goldschimidt (1961), o processo civil se caracteriza como um verdadeiro palco de batalhas, uma luta das partes pelo direito “de que cada uma delas entende ser titular”.
Em muitos casos, a teoria do abuso de direito e o rol taxativo (artigo 17 do Código de Processo Civil) se mostram insuficientes para a coibição da desonestidade. Assim, os postulados da boa-fé e da vedação do comportamento contraditório devem ter incidência casuística, de acordo com a prudente análise do caso concreto, por um juiz comprometido, que detém o poder-dever de zelar pela concretização dos escopos jurisdicionais.
As noções de abuso de direito, bem como a sua comparação com os institutos afins são extensas e complexas, já tendo sido exaustivamente abordadas noutros estudos de nossa autoria.
Por hora, dada a especificidade do tema, destacar-se-á a sua história no ordenamento jurídico brasileiro e a sua aplicação em sede de processo civil.
No Brasil, conforme leciona Brunela Vieira de Vincenzi (2003, p. 151), o instituto não se encontrava expressamente consagrado até a edição do Código Civil de 2002. Sua essência era extraída ex vi dos artigos 100 e 160, inciso I, do Código Civil de 1916 e era utilizado como um princípio geral, em todos os ramos do direito, concretizando-se “com as figuras do abuso de poder econômico e a concorrência desleal, as relações de vizinhança, as práticas e cláusulas abusivas contra o consumidor, o abuso de posições jurídicas processuais e o dano processual”.
Não obstante a sua utilização difundida, criticava-se o fato de que para a caracterização de cada um dos institutos, seria necessária a presença de um elemento subjetivo do agente, o dolo ou a culpa. Equiparava-o à responsabilidade civil. Nos dizeres de Brunela Vieira de Vincenzi (2003, p. 152):
Ocorre que para a configuração de cada um desses institutos, além do próprio “abuso de direito”, há de estar presente um elemento subjetivo do agente, ou seja, deve ter ele agido com dolo ou culpa, causando um dano a alguém. Esse alguém que teve seu patrimônio ou sua esfera moral violados exige do direito a reparação dos prejuízos sofridos e a punição do causador do dano. Em suma, equipara-se o abuso, como aconteceu na França, à responsabilidade civil.
Ora, é certo que o artigo 187 do Código Civil atual dispõe que “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes” e, neste contexto, Brunela Vieira de Vincenzi (2003) salienta que o legislador teria tentado a conciliação entre os institutos do abuso do direito, da responsabilidade civil e da boa-fé objetiva.
Na opinião de Brunela Vieira de Vincenzi (2003), apesar da positivação do abuso do direito, o que facilitaria a sua aplicação em sede de processo civil, ainda subsistiriam alguns problemas, como, principalmente a equiparação ao ato ilícito e a necessidade de comprovação de vontade do agente.
Em sede processual, a equiparação ao ato ilícito realmente prejudicaria a utilização do instituto. Ora, o exercício abusivo dos direitos de ação e de defesa não se caracteriza como um exercício ilícito – a parte litigante efetivamente detém a faculdade de postular e apresentar defesa - ocorre que, ao exercê-lo se utiliza de modo abusivo e incompatível com a busca da justiça (e os deveres de lealdade e cooperação das partes), devendo ser contido.
Ademais, a repressão deve ocorrer independentemente de dolo ou culpa, aferindo-se num padrão de comportamento mediano do litigante – o que ligaria o instituto, indubitavelmente, às noções de boa-fé objetiva. Destaque-se, neste contexto, que, independentemente de dolo ou culpa do agente, devem ser concebidas e interpretadas as disposições constantes de processo simulado (artigos 129 e 130 do Código de Processo Civil), bem como o abuso do direito de defesa como requisito para a antecipação de tutela (artigo 273, inciso II do diploma processual), os atos atentatórios à dignidade da justiça (artigo 125, inciso III do Código de Processo Civil), os recursos protelatórios, entre outros.
Por derradeiro, complementa Brunela Vieira de Vincenzi (2003, p. 155) que a sanção ao abuso de direito deve ser efetiva e não se resumir à mera condenação em perdas e danos:
Nota-se, portanto, a necessidade de que a sanção ao abuso seja efetiva e não simplesmente a condenação em perdas e danos, sob pena da insuficiência da teoria em face da responsabilidade civil. Nesse sentido, necessárias seriam medidas que visem impedir a ocorrência do ato injusto e iminente. Essas medidas teriam uma função exclusivamente preventiva e não ressarcitória.
Passar-se-á a análise da atuação da boa-fé e da vedação do comportamento contraditório em sede de processo civil.
Brunela Vieira de Vincenzi (2003, p. 157-158) verbera que a boa-fé e seus princípios derivados são aplicáveis ao processo civil em razão de uma evolução na sociedade – o direito, como mutável e dinâmico que é, com base nos influxos sociais, busca outros modos de pacificação com justiça:
A transformação da sociedade, os novos conflitos verificados, a complexidade dos direitos e de seus titulares, os valores tutelados são fatores que demonstram a mudança de paradigma; uma mudança de paradigma é uma mudança de pressupostos básicos do campo de conhecimento, uma mudança nas regras do jogo. (...) Uma mudança de paradigma é uma revolução. (...) Em outras palavras, surgem novos conflitos que já não podem ser solucionados com o modelo antigo. (...) O Direito, então, como um sistema de segunda ordem, inegavelmente, recebe influxos da sociedade (input), que exige a eficaz pacificação dos conflitos verificados no sistema social. A regra da boa-fé objetiva, por seu turno, vem estabelecer e definir novos limites para o exercício dos direitos.
É claro, portanto, que a boa-fé objetiva, no contexto pós-constitucional, caracteriza-se como uma nova forma de solução dos conflitos em sede de processo civil. Consequentemente, emerge como um novo (e eficaz) instrumento para a limitação do exercício dos direitos.
Nos dizeres de Humberto Theodoro Júnior (2008, p. 26):
Em nome da lealdade e da boa-fé, deverá o juiz impedir genericamente a fraude processual, a colusão e qualquer conduta antiética e procrastinatória. Não há uma tipicidade para as infrações morais. Tal como preconiza o Código Processual Modelo Iberoamericano, os atos processuais, dentro de uma cláusula geral, “deberán ser lícitos, pertinentes e útiles. Habrán de ser realizados com veracidad y buena fé y tener por causa um interés legítimo”.
A aplicação do princípio da boa-fé no caso concreto possibilita um ajuste do mundo dos fatos ao sistema jurídico, pacificando o conflito de maneira justa e efetivando o escopo da jurisdição.
Brunela Vieira de Vincenzi (2003, p. 158) acentua que “a boa-fé como regra de conduta impõe limites ao exercício de posições nas relações jurídicas e, ao mesmo tempo, vincula o juiz a um pronunciamento concreto”.
A boa-fé subjetiva está perdendo espaço para a boa-fé objetiva. É esta que servirá de parâmetro para a análise pelo juiz acerca da honestidade e lealdade da parte.
O processo deve se desenvolver de acordo com padrões éticos estabelecidos socialmente, parâmetros de cooperação e retidão entre as partes.
Consoante, ainda, Brunela Vieira de Vincenzi (2003, p. 159):
Diante do subjetivismo que lhe é imanente, a boa-fé subjetiva está dando lugar à objetiva, porque naquela leva-se em consideração a vontade (os motivos) dos sujeitos; nesta são indicados parâmetros objetivos para sua aplicação pelo juiz. Assim, em sentido diverso da boa-fé subjetiva, ao conceito de boa-fé objetiva estão subentendidas as regras de conduta fundadas na honestidade, na lealdade, na retidão, em consideração e cooperação com a outra parte, ou, ainda, contraparte e membros da sociedade, decorrente do comportamento adotado ou até pela imagem do obrigado.
Apenas a título de conhecimento, deve ser destacado que a boa-fé, em nosso ordenamento jurídico, apresenta uma tríplice função, a saber, canône hermenêutico-integrativo, criadora de deveres jurídicos e limitação ao exercício de direitos subjetivos.
Por hora, deve ser repisado que, em sede de processo civil, aplica-se tanto a função criadora, existindo deveres secundários ou de conduta em sede do transcurso processual, tais como os de informação, lealdade e cooperação, como a função limitadora ou corretiva, impedindo o exercício de posições jurídicas de forma abusiva.
Ressalte-se, por pertinente e oportuno, que esta última função se relaciona intimamente ao abuso do direito, posto que o princípio da boa-fé atua no sentido de impedir que o exercício abusivo de um direito subjetivo causa prejuízos à parte contrária ou à sociedade, determinando que o agente atue como lealdade.
O princípio da boa-fé atua mediante a utilização da cláusula geral da boa-fé.
O artigo 14, inciso II, do Código de Processo Civil, que indica o dever da parte de proceder com lealdade e boa-fé, serve como substrato para o incremento da boa-fé objetiva neste campo do direito – ora, se se exige a boa-fé a título de lealdade, não se faz necessária qualquer perquirição da crença pessoal, valendo-se, essencialmente, dos padrões de conduta socialmente estabelecidos.
O juiz deve verificar, no caso concreto, a presença dos postulados ensejadores da aplicação da boa-fé, promovendo a efetivação dos direitos no caso concreto. Conforme assentado em outra obra de nossa autoria (2006, p. 159):
Impede-se o exercício de posições lícitas contrárias à expectativa ou confiança criada na relação jurídica. O juiz não deve se comportar como expectador do embate entre as partes litigantes, e sim promover a efetivação dos direitos no caso concreto, através das cláusulas gerais, especificamente a cláusula geral da boa-fé, pacificando com justiça. Relaciona-se, por óbvio, ao tema da vedação do comportamento contraditório (a legítima confiança despertada na contraparte não poderá ser desrespeitada).
A boa-fé é mais eficaz na coibição dos exercícios inadmissíveis do que a própria teoria do abuso do direito. Consoante Brunela Vieira de Vincenzi (2003, p. 164-165):
A aplicação corretiva da regra da boa-fé objetiva diz respeito não só ao exercício dos direitos subjetivos; como de um sem-número de posições jurídicas exercidas numa relação jurídica: poderes, faculdades, ônus, direitos potestativos e deveres. Por tal razão, transcendeu-se da nomenclatura de origem jussubjetiva – abuso do direito – para o exercício inadmissível de posições jurídicas. Essas várias posições jurídicas podem ocorrer em relações jurídicas as mais diversas, nas quais se observa a necessidade de aplicação da regra objetiva para coibir exercícios inadmissíveis na relação contratual (...) ou na relação jurídica processual (que, não obstante ser de direito público, enseja posições imperativas que, se exercidas de maneira exacerbada, impedem ou alongam o tempo necessário para a realização do direito material).
Não apenas a boa-fé objetiva, mas também o postulado do nemo potest venire contra factum proprium deve ser aplicado em sede de processo civil no intuito de coibir os exercícios inadmissíveis.
A vedação de exercícios inadmissíveis com fundamento na boa-fé, no venire contra factum proprium e figuras afins remonta os primórdios da jurisprudência alemã, na qual, desde à época de edição do BGB, já decidia pela aplicação dos institutos visando a proteção da confiança e a manutenção das relações jurídicas subjacentes.
Continuando com os ensinamentos de Brunela Vieira de Vincenzi (2003, p. 165):
A vedação de exercícios inadmissíveis, com fulcro na regra da boa-fé, vem da tradição germânica ao coibir determinados casos típicos que se verificavam na jurisprudência, eles são a exceptio doli, o venire contra factum proprium, a supressio, a surrectio, dolo agit quit petit quod statim rediturus est (exercício de um direito sem um interesse próprio), a impossibilidade de alegar a própria torpeza ou defeito de forma em seu benefício. Todas essas situações específicas de exercício de posições inadmissíveis foram abarcadas pelos postulados do § 242 do BGB. Não obstante a manutenção tópica dos institutos, todos sofrem influxos da regra da boa-fé objetiva. A síntese teórica alcançada diante da elaboração jurisprudencial e doutrinária aponta para a aplicação da regra da boa-fé objetiva para a proteção das relações jurídicas subjacentes.
Em determinados casos, é impedido o exercício de posições lícitas contrária à expectativa ou confiança despertada na contraparte em situações anteriormente verificadas entre os mesmos sujeitos ou entre o sujeito e a coletividade. Em verdade, como bem pondera, mais uma vez, Brunela Vieira de Vincenzi (2003), é a proteção processual específica em razão do venire contra factum proprium.
Ora, noutro estudo de nossa autoria, já fora disposto que o princípio da vedação do comportamento contraditório, assim como o da boa-fé objetiva, também encontra assento constitucional, evidenciando-se como um instrumento de realização da solidariedade social prevista no artigo 3º da Magna Carta.
Repisou-se, ademais, que seria relacionado com a dignidade da pessoa humana, de forma direta ou por quaisquer meios de expressão mais concreta. Não se pode olvidar, por conseguinte, sua incidência em toda e qualquer relação jurídica, inclusive a processual.
Segundo Humberto Theodoro Júnior, a moderna visão da atividade processual deve afastar o processo de mera sucessão de atos e documentos, transformando-o num instrumento útil, ligado à realidade fática, à vida, anseios e esperanças das partes (2008, p. 27):
Essa moderna visão da atividade processual valorizada pela solidariedade decorrente dos valores éticos da boa-fé e lealdade e do compromisso com o justo, dá maior dignidade ao processo, afastando-o do papel de simples sucessão fria de atos e documentos, para transformá-lo em algo palpitante da vida, de anseios, angústias e esperanças. Dessa maneira, o processo passa a congregar dois aspectos que se fundem: o plano técnico e o humano ou ético, não para criar normas, mas para desvendá-las, descobri-las, pontenciá-las, aprimorá-las, interpretando-as na linha dos escopos jurídicos, sociais e políticos do processo moderno, que informam o Estado Democrático de Direito. Neste passo, a ética passa a representar um valor indispensável na busca da construção da justiça.
O processo não tem um fim em si mesmo e, em servindo como instrumento para a concretização do direito material, não poderia deixar de refletir algumas das características deste e também a influencia da boa-fé. O direito de ação, como um direito subjetivo, encontra limites, inclusive pela cláusula da honestidade. Nas palavras de Aldemiro Rezende Dantas Júnior (2007, p. 138):
(...) Também no campo do direito processual se viu a escalada da aceitação da boa-fé objetiva, o que também é fácil de se compreender, uma vez que o processo não tem um fim em si mesmo, servindo como instrumento para o direito material, e por essa razão tende a refletir, ainda que o faça de modo esmaecido, algumas características deste. Logo, no processo civil, não poderia deixar de ser, repercutiram as influências da boa-fé sobre o direito privado. E veja-se que nem poderia ser diferente, pois o direito de ação, embora a afirmação soe um tanto quanto acaciana, nada mais é do que um direito subjetivo, e como tal, também encontra limites, uma vez que é deferido ao seu titular para que cumpra determinadas finalidades, ou seja, para que desempenhe uma determinada função. Logo, como todo e qualquer direito subjetivo, o direito de ação não é ilimitado, e ao ser exercido deve obedecer aos limites que lhes são inerentes, dentre os quais se destaca a boa-fé.
Nesta esteira, em se considerando o processo como um instrumento ético e se prestigiando os princípios constitucionais, além de valores sociais como a lealdade e a probidade, será exigida do juiz uma atuação diversa, conduzindo o processo sob o vínculo da solidariedade. Ainda nos dizeres de Humberto Theodoro Júnior, que se baseia em Paulo Cezar Pinheiro Carneiro (2008, p. 27):
Mesmo quando posicionados em pontos antagônicos, como se dá entre as partes e seus advogados, a solidariedade exigida pelo princípio ético da justiça, que impõe a observância do dever de veracidade e, sobretudo, de lealdade e boa-fé, deve presidir a regra do jogo processual. Do lado do juiz, esse vínculo moral de solidariedade o levará a dirigir o processo “sob o signo da igualdade, garantindo a liberdade das partes, minimizando as diferenças, levando o processo, sempre que possível e prioritariamente, a uma decisão rápida e justa”.
A necessidade de adequação dos agentes do Poder Judiciário a tais princípios será imperiosa, sob pena de desrespeito aos ditames magnos. A modernização e racionalização dos serviços da justiça não serão encontradas mediante a mera reforma de leis processuais, mas sim através da obediência a valores éticos (como, especialmente, os postulados da boa-fé objetiva e da vedação do comportamento contraditório).
Em se fixando a premissa de que o processo é uma relação jurídica e, simultaneamente, um instrumento ético para a concretização da justiça e que, em razão disso, sofre os influxos do princípio constitucional da vedação do comportamento contraditório, passar-se-á à análise das conseqüências jurídicas do respeito ao referido postulado.
Assim como em sede do princípio da boa-fé, o conteúdo do princípio da vedação do comportamento contraditório não é determinado aprioristicamente, mas sim delineado mediante a prudente análise do caso concreto. Neste diapasão, não existe a possibilidade de se estabelecer uma solução única para os casos de descumprimento, sendo imperioso, na hipótese sub judice, a busca pela resolução adequada. Nos dizeres de Aldemiro Rezende Dantas Júnior (2007, p. 368):
Não há possibilidade de se estabelecer uma solução única, devendo o juiz, em cada caso concreto, buscar a solução que melhor atenda aos interesses da parte prejudicada e sem que se constitua em ônus excessivo e desnecessário para o que agiu de modo contraditório, mas, ao mesmo tempo, também ser perder de vista que, em regra, existem ou podem existir normas de ordem pública, aplicáveis àquele caso concreto.
Ao julgador, a atuação deve se pautar na razoabilidade e na proporcionalidade.
Aldemiro Rezende Dantas Júnior (2007, p. 368) explicita, brilhantemente, o motivo dessa diversidade de soluções, perfazendo um paralelo com a boa-fé:
É facilmente explicável o motivo da diversidade de soluções. É que a figura do venire, como já mencionamos diversas vezes, em última e ampla análise, consiste na violação da conduta que era imposta em virtude da boa-fé, sendo que para a obediência a tal conduta devem ser observados deveres acessórios e o venire se caracteriza pelo desrespeito a tais deveres. Ocorre que a conduta imposta pela boa-fé – e em conseqüência, os deveres acessórios – só pode ser aferida na situação concreta, depois de observadas as peculiaridades de cada caso, não se podendo traçar previamente uma receita sobre qual seria a conduta.
Um dado comportamento pode, numa hipótese específica, implicar violação à boa-fé (e ao nemo potest venire contra factum proprium) e, noutra, ser perfeitamente válido e coerente. Continua o autor supracitado (2007, p. 368):
Ora, se a conduta esperada só pode ser aferida no caso concreto, então a violação dessa conduta terá conseqüências jurídicas que também só poderão ser aferidas em cada hipótese concreta, mesmo porque, como se mostra claro, o significado de “violar conduta ditada pela boa-fé” não se mostra uniforme, variando para cada situação. Assim, o comportamento que em um caso concreto implica violar a boa-fé objetiva poderá ser perfeitamente válido em outra situação, e vice-versa. Da mesma forma, suponha-se que haja duas situações, as duas implicando comportamentos que violam a boa-fé enquanto norma de conduta. Como se mostra evidente, conforme a hipótese que se examina, a violação da boa-fé poderá ser mais grave ou menos grave e, por isso poderá ser diversa a solução jurídica a ser adotada para cada uma delas.
Numa determinada circunstância, um comportamento não frauda (ou sequer cria) uma legítima expectativa ao passo que, em outra, pode se caracterizar como grave violação da lealdade.
Em qualquer relação jurídica (e especificamente do processo, do qual agora se é ocupado), o critério a ser seguido será o da proteção da legítima expectativa criada na parte a partir do primeiro comportamento (o factum proprium) e que depois veio a ser contrariada. Será tutelada a confiança, quer pela manutenção dos efeitos jurídicos decorrentes do primeiro comportamento, quer pela estipulação de uma indenização ou afastamento da aplicação da norma legal, etc.
Nas palavras de Aldemiro Rezende Dantas Júnior (2007, p. 369):
(...) Pode-se apontar que o balizamento a ser seguido como parâmetro, em cada caso concreto, será sempre a proteção da pessoa na qual surgiu a expectativa, a partir do primeiro comportamento, e cuja confiança veio a ser posteriormente quebrada, mas o modo pelo qual esse objetivo vai ser perseguido poderá variar de uma situação para outra. Com efeito, em algumas situações essa proteção à confiança se dará pela preservação dos efeitos jurídicos decorrentes do primeiro comportamento. Em outras, no entanto, essa preservação se mostrará impossível, e a proteção se dará mediante a estipulação de uma indenização. Em outras hipóteses, ainda, será necessário, para a proteção, que se afaste a aplicação de norma legal expressa, e assim por diante.
A idéia básica é a proteção da confiança, ainda que não haja a manutenção do primeiro comportamento adotado. Mais uma vez, por pertinentes e elucidativos, os ensinamentos de Aldemiro Rezende Dantas Júnior (2007, p. 369):
Mas de qualquer modo deve ser destacado que a idéia básica, quando se examinam as conseqüências jurídicas do venire contra factum proprium, não é a manutenção do primeiro comportamento adotado pelo sujeito ou dos seus efeitos jurídicos. O que se busca, na realidade, é a proteção da confiança surgida na outra pessoa, que de modo razoavelmente justificado acreditou que estaria perfeita essa primeira conduta. Agora, essa preservação da confiança pode se dar de variadas formas, inclusive pela preservação do primeiro dos comportamentos (ou de seus efeitos jurídicos), sendo que não necessariamente isso ocorrerá. Tal preservação, portanto, como se vê, é meramente eventual, e não se confunde com a finalidade maior da rejeição do venire.
Imperiosa a análise de casos específicos de vedação do comportamento contraditório.
A partir de agora, serão elencados casos particulares, extraídos de nossa jurisprudência, em que os Tribunais pátrios procederam à aplicação efetiva do nemo potest venire contra factum proprium, com soluções peculiares e distintas, evidenciando a superação do individualismo nas hipóteses concretas, fundamentando-se em padrões de comportamento socialmente estabelecidos.
Interessante seria uma explicitação minuciosa de cada um destes temas. Todavia, dada a exigüidade deste estudo, apenas se procederá à exposição do rol exemplificativo:
1) Da impossibilidade da parte de alegar a nulidade a que deu causa (Artigo 243 do Código de Processo Civil);
2) Da inexistência de cerceamento de defesa quando a parte indicar testemunha no sentido de contrariar suas próprias alegações, sobre o mesmo fato, já aduzidas em processo anterior;
3) Da inexistência de ferimento ao direito de intimidade quando a própria parte autorizou a juntada de documento ao processo;
4) Da aplicação da multa prevista no artigo 475-J do Código de Processo Civil ao devedor que, no prazo legal, efetuara acordo meramente protelatório;
5) Da impossibilidade de propositura de ação negatória de paternidade quando houve reconhecimento voluntário, salvo hipóteses de vício de consentimento;
6) Da impossibilidade de recusa na exibição de documento ou coisa quando a própria parte já a aludiu no processo (artigo 58, inciso II, do Código de Processo Civil);
7) Da impossibilidade de alegação de ilegitimidade de parte quando se comparecera espontaneamente ao processo, independentemente de citação;
8) Da impossibilidade de a parte se insurgir contra acordo que ela própria formulara nos autos;
9) Da declaração de inexistência de excesso de penhora quando o bem foi indicado pelo próprio Executado;
10) Da impossibilidade de ajuizamento de ação idêntica enquanto não transitada em julgado a sentença que extinguiu ação anterior pela desistência (litispendência contraditória);
11) Da impossibilidade de o suposto pai se valer, em benefício próprio, da recusa à realização do exame pericial de DNA.
A teoria do abuso do direito, os princípios da boa-fé e de vedação do comportamento contraditório se caracterizam como uma verdadeira reação face à rigidez das disposições legais e sua aplicação mecânica, alheada dos valores éticos consagrados pela moral e bons costumes, conferindo flexibilidade ao ordenamento jurídico e são aplicados ao processo sob a ótica da “justa composição de litígios”.
O juiz deve sempre verificar, no caso concreto, a presença dos postulados ensejadores da aplicação da boa-fé e do nemo potest venire contra factum proprium, promovendo a efetivação dos direitos. Ora, é cediço que o processo não denota um fim em si mesmo, mas se revela como instrumento para a concretização do direito material, não podendo deixar de refletir algumas das características deste e também a influência da boa-fé. O direito de ação, como um direito subjetivo, encontra também limites, inclusive pelos ditames da honestidade.
O conteúdo dos princípios da boa-fé e da vedação do comportamento contraditório (ainda que em sede de processo) não podem ser determinados aprioristicamente, mas sim mediante a prudente análise do caso concreto, ante o critério de proteção da legítima expectativa.
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Advogada. Pós Graduação "Lato Sensu" em Direito Civil e Processo Civil. Bacharel em direito pela Faculdades Integradas Antônio Eufrásio de Toledo. Extensão Profissional em Infância e Juventude. Autora do livro "A boa-fé objetiva e a lealdade no processo civil brasileiro" pela Editora Núria Fabris e Co-autora do livro "Dano moral - temas atuais" pela Editora Plenum. Autora de vários artigos jurídicos publicados em sites jurídicos.E-mail: [email protected], [email protected], [email protected]<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PRETEL, Mariana e. Os postulados éticos, a boa-fé objetiva, a vedação do comportamento contraditório e o Processo Civil Brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 jun 2009, 08:53. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/310/os-postulados-eticos-a-boa-fe-objetiva-a-vedacao-do-comportamento-contraditorio-e-o-processo-civil-brasileiro. Acesso em: 23 nov 2024.
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