ZEDEMAR SENA DE OLIVEIRA
(coautor)
O mundo chafurdou em decorrência da pandemia do Covid 19, mas apesar da gravidade do momento, o vírus obteve concorrentes. O fracasso e o despreparo dos agentes de segurança norte-americanos quase ofuscou o protagonismo da mazela. Enquanto a enfermidade ruma a um milhão de vítimas no mundo, o episódio da asfixia de George Floyd rogando por oxigênio mobilizou o planeta. No mesmo viés, dias após, policiais paulistas foram filmados desmaiando um abordado. A sociedade passou a clamar esclarecimentos sobre os procedimentos por parte dos servidores destinados à aplicação da lei, fato que propiciou a adoção de medidas açodadas por parte de governantes e gestores públicos. O sistema de segurança tem como meta garantir a paz social, impondo, caso necessário, a força para o cumprimento das leis, todavia, não há de se olvidar que problemas com a temática - erros de procedimentos policiais – não são novidades e, pensar em soluções efêmeras, só tende a agravar a situação.
I can’tbreath! Eu não posso respirar. Foram as últimas palavras do negro norte-americano antes de falecer, em maio pretérito. O brado ecoou no mundo, o qual estava recomendado ao isolamento social por conta da enfermidade. Contraponto ao episódio, negros e brancos foram às ruas clamar por justiça e igualdade. No Brasil, não é difícil rememorar cenas de violência policial por falhas ou ausência de procedimentos. Em junho, no interior paulista, policiais afiançaram uma drástica realidade ao estrangular um jovem durante uma abordagem. Em comum nas duas situações encontra-se a técnica empregada, o estrangulamento, no qual o policial mediante a constrição do pescoço do agressor interrompe sua corrente sanguínea provocando o desmaio e consequente imobilização do perpetrador.
Parece rústico e bárbaro, entretanto, o agente aplicador da lei é instruído sob o mando da doutrina do uso diferenciado da força, a qual segue os parâmetros da legalidade, necessidade, moderação, proporcionalidade e conveniência. Ou seja, diante da complexidade ou grau de risco da situação e de acordo com o comportamento do agente provocador, seleciona uma resposta que pode se iniciar com a presença física do policial acompanhada da verbalização e pode progredir até o disparo de arma de fogo potencialmente letal.
Infere-se nas atribuições dos órgãos responsáveis pela Segurança Pública, o respeito e a preservação dos preceitos constitucionais e o rigoroso cumprimento da legislação pátria. Nessa particularidade, merecem atenção alguns instrumentos normativos nacionais e estrangeiros, os quais legitimam o uso da força pelos servidores destinados à aplicação da lei, citamos: Portaria Interministerial nº 4.226/2010, o Pacto de San José da Costa Rica, os Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei e o Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei. Nesse sentido, a Secretaria Nacional de Segurança Pública/SENASP com a profícua preocupação quanto ao uso legal da força no âmbito policial, capitula em sua Matriz Curricular Nacional disciplinas com o intuito de balizar o uso da força no âmbito policial, tais como: Uso Diferenciado da Força, Técnicas de Imobilizações Policiais e Utilização de Algemas e Defesa Pessoal Policial.
Quanto ao estrangulamento, conhecido no meio popular ou policial como Mata-Leão ou Hadaka-Jime, para os judocas, acreditamos ser uma técnica de defesa pessoal eficiente para determinadas situações complexas nas atividades do trabalho policial, desde que aplicada dentro dos parâmetros já listados. Não há de se olvidar que a aplicação desprovida de cautelas pode resultar lesões físicas ou até risco de morte a quem está recebendo a técnica. Contudo, a sua execução indigita a excepcionalidade, isto é, o Mata-Leão deve ser empregado diante de pessoas extremamente agressivas, resistindo ativamente com possibilidade real de confronto físico corpo-a-corpo contra um ou mais policiais. A técnica em questão pode ser o meio alternativo mais eficaz a ser empregado pelo policial, especialmente quando já esgotada a seleção de opções menos graves. Analisando a escala de progressão, a técnica se insere antes do disparo letal, isto é, as consequências em vista de um projétil desorientado diante de um tumulto em uma região, carente ou não, torna-se mais fugaz, perigosa e temível do que à aplicação da técnica de imobilização.
É fato que em um país que em 2019 assimilou 41.635 mortes violentas, sendo que destas, 343 foram de policiais, tangencia a um estado de beligerância. Instruir um policial para que neste cenário adéque sua resposta de acordo com a necessidade demandada, nem sempre se subsome a realidade vivida nas ruas. Após os fatos ocorridos em São Paulo, os militares daquele estado foram proibidos, através do seu respectivo comando, de aplicar a técnica. Impedimento semelhante aconteceu em estados norte-americanos. Há de se pensar, se a técnica é adequada o porquê de tanta imprecisão. No violento e hostil cenário em que é inserido o policial brasileiro, com baixos salários, tensão constante, ausência de acompanhamento psicológico e o principal, falha na sua formação inicial e por conseguinte, ausência de uma reciclagem periódica, faz com que a seleção da resposta e a intensidade a ser utilizada se traduza no arremedo da improvisação. Este arranjo pode suscitar danos ou até mesmo na morte do agressor pelo agente do Estado.
É comum o policial iniciar a sua carreira e em momentos posteriores retornar aos bancos acadêmicos para reciclagem “valitas”, do tipo, “ vapt vupt”, visando principalmente suas promoções financeiras. Em determinado momento, ao atingirem o ápice de suas funções, não mais se reciclam ou sequer manuseiam seus equipamentos básicos. Contrapondo o exposto, policiais legislativos e também de órgão judiciais, os quais desconhecemos a realidade, mas podemos afirmar que não se degradam como os que oficiam ostensivamente ou repressivamente nas ruas, possuem aprendizagens obrigatórias, semestrais ou anuais. Citamos como exemplo os seguranças do Tribunal de Justiça do Distrito Federal – TJDFT, os quais através da Portaria GPR 299/2010, têm que se requalificar pelo menos 30 horas anuais.
A proibição da utilização da técnica por ato normativo se traduz em uma ação política em que o gestor, em vez de atingir a causa - o despreparo do policial, atrelou-se às consequências. A técnica em comento, caso executada com prudência e diante dos parâmetros técnicos legais, em nossa visão, pode ser recomendada, pois o agente aplicador da lei quando em atividade, deve avaliar a sua necessidade e utilizá-la da maneira mais coerente, qual seja, tendo ciência que o seu objetivo é cessar, conter ou vencer a agressão, tornar o agressor passivo e imobilizá-lo. Caso ignore estes estágios e progrida para o uso da arma de fogo, poderá lesionar ou matar tanto o perpetrador como terceiros. Mas para que a técnica se amolde a realidade, o policial brasileiro precisa de cuidados, atenção, que vão desde melhores salários a cursos de capacitação periódicos e compulsórios. Quanto ao primeiro aspecto, não há sequer um piso salarial único para a categoria e por necessidade, agentes de segurança aventuram-se em várias outras atividades, atingindo sobrecarga de trabalho e em consequência, não se dedicam ao seu ofício principal. A maioria ganha salários módicos que não lhes permite portar um plano de saúde. Quanto ao segundo, é crível que o servidor aplicador da lei deveria ser treinado periodicamente e avaliado, principalmente no seu aspecto psicológico, com o intuito de aprender, assimilar e aperfeiçoar técnicas que favorecerão a sua sobrevivência e o bem estar da sociedade que os remunera.
NOTA:
Agente de Polícia. Professor de TIP/DPP – ESPC/DF. Professor de Judô.
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