Introdução
O presente estudo visa estabelecer uma correlação entre o acesso à justiça, a diminuição da inadimplência dos devedores das microempresas (e empresas de pequeno porte) e a possibilidade de ajuizamento de uma ação perante os Juizados Especiais Cíveis Estaduais.
A garantia do acesso à Justiça (Princípio do direito de ação)
O princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional ou princípio do direito de ação se encontra estipulado no artigo 5º, inciso XXXV, da Magna Carta, que assim reza:
“A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. (grifos nossos)
Este princípio decorre naturalmente da proibição estatal da autotutela, ou seja, da proibição da “justiça pelas próprias mãos”. Por derradeiro, não é possível que o legislador (ou quem quer que seja) crie obstáculos aos jurisdicionados, podendo todos ir a juízo e deduzir as suas pretensões.
Enfatiza Arruda Alvim (2006, p. 28):
“Para o direito material existe o chamado princípio da plenitude lógica do ordenamento jurídico, que significa estarem todas as condutas da vida social submetidas à ordem jurídica. Justapostamente a este princípio, precisamente para que não ocorram lesões, ou mesmo incertezas jurídicas objetivas, que não sejam reparadas ou suprimidas, respectivamente, há o chamado princípio de pleno acesso ao judiciário, estampado na regra do art. 5º, XXXV, da CF”.
Para que tal preceito seja efetivamente cumprido, é necessário que todos tenham acesso à justiça e não apenas os mais fortes, mais poderosos ou mais espertos.
Consoante Nelson Nery Júnior (2002, p. 98):
“Embora o destinatário principal desta norma seja o legislador, o comando constitucional atinge a todos indistintamente, vale dizer, não pode o legislador e ninguém mais impedir que o jurisdicionado vá a juízo deduzir pretensão”.
O processo deve ser um instrumento de justiça através do qual se espera entregar o direito a quem tem direito.
Todos têm direito a obter do Poder Judiciário uma tutela jurisdicional suficiente e adequada.
Ainda nos dizeres de Nelson Nery Júnior (2002, p. 100):
“Pelo princípio constitucional do direito de ação, todos têm o direito de obter do Poder Judiciário a tutela jurisdicional adequada. Não é suficiente o direito à tutela jurisdicional. É preciso que essa tutela seja a adequada, sem o que estaria vazio de sentido o princípio”.
Verbera Eduardo Augusto Gonçalves Dahas (2009), que o acesso à justiça se caracteriza como o alcance do processo justo, muito mais profundo do que o mero acesso ao Poder Judiciário. In verbis:
“Acesso à justiça, longe de confundir-se com acesso ao judiciário, significa algo mais profundo; pois importa no acesso ao justo processo, como conjunto de garantias capaz de transformar o mero procedimento em um processo tal, que viabilize, concreta e efetivamente, a tutela jurisdicional”.
Dentro desta lógica do acesso à justiça, encontram-se os Juizados Especiais Cíveis, responsáveis por apurar as causas de menor complexidade, sem custas, num contexto de informalização da justiça.
Os Juizados Especiais Cíveis
Tal qual nos ensina Eduardo Augusto Gonçalves Dahas (2009), a lei dos Juizados Especiais Cíveis não o considerou como um mero procedimento especial, mas sim um novo órgão a ser criado pela União, Estados e Distrito Federal:
“A Lei 9099/95 não cuidou do Juizado Especial como um simples procedimento especial que pudesse ser acrescido àqueles do Livro IV do Código de Processo Civil. Tratou-o como novo órgão a ser criado pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, no âmbito de sua circunscrições, órgão esse a que se deve atribuir a função jurisdicional de conciliação, processamento, julgamento e execução, nas causas definidas como de suas competência (art. 1º)”.
Ora, de acordo com o artigo 3º da lei 9.099/95, o Juizado Especial Cível tem competência para a conciliação, processo e julgamento das causas de menor complexidade, assim consideradas aquelas que não excederem o valor de 40 (quarenta) vezes o salário mínimo; as enumeradas no artigo 275, inciso II, do Código de Processo Civil; a ação de despejo para uso próprio e as ações possessórias sobre bens imóveis cujo valor não exceda também o teto de 40 (quarenta) vezes o salário mínimo.
Orienta-se, a teor do artigo 2º da lei supramencionada, pelos princípios (critérios) da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, e busca, sempre que possível, a conciliação e a transação.
Em nosso país, os Juizados Especiais Cíveis têm se mostrado como um instrumento de facilitação do acesso à justiça, buscando promover um equilíbrio entre as necessidades dos jurisdicionados e a observância da lei. Nas palavras de Sônia Regina Vieira Fernandes (2006):
“No Brasil, a Lei 9.099/95 tem sido um fator determinante de concretização e facilidade ao acesso à Justiça, pois permite um processo informal e rápido, onde se verifica um nítido ponto de equilíbrio entre as necessidades dos jurisdicionados e a observância da lei.”
Ademais, o Juizado Especial Cível rompe com dois grandes obstáculos do acesso à justiça: o custo do processo e o tempo. Ora, ao mesmo tempo em que se evita o dispêndio com o litígio, que muitas vezes desencoraja o indivíduo de procurar o judiciário, o tempo de duração do processo é diminuto, haja vista que, em grande parte dos casos, o acordo já é firmado por ocasião da 1ª audiência.
As microempresas e as empresas de pequeno porte
As microempresas começaram a ser regulamentadas em 1984, pelo Estatuto da Microempresa.
Todavia, foi a Constituição Federal de 1988, que determinara que tais empresas deveriam ter tratamento diferenciado. In verbis:
“Art. 179. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e as empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por lei.”
Hoje, os conceitos e a respectiva regulamentação estão compreendidos na lei 9.841/99.
De acordo com o direito empresarial, a microempresa é aquela cuja renda bruta anual não ultrapasse o limite legal de ate R$ 244.000,00.
A seu turno, as empresas de pequeno porte são aquelas cuja renda bruta anual se coadunam com o limite legal de R$1.200.000,00.
Para o presente estudo, interessa salientar que, em sede de Juizados Especiais Cíveis, a teor do Enunciado n° 47 do Fórum de Coordenadores de Juizados Especiais do Brasil prevê, basta que a microempresa ou empresa de pequeno porte instrua o seu pedido com prova de sua condição para que se caracterize e seja considerada como tal.
As microempresas (e Empresas de Pequeno Porte) como autoras das demandas nos Juizados Especiais Cíveis
Em razão da dicção do artigo 8º, § 1º da lei 9.099/95, durante muito tempo, entendeu-se que somente as pessoas físicas capazes poderiam propor ações perante o Juizado Especial Cível.
Não obstante a previsão contida no regulamento legal dos Juizados Especiais Federais, a celeuma só foi encerrada com a edição da lei n° 9.841/99 (Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte), que assim dispôs em seu artigo 38:
“Aplica-se às microempresas o disposto no § 1º do art. 8º da Lei n° 9.099, de 26 de setembro de 1995, passando essas empresas, assim como as pessoas físicas capazes, a serem admitidas a proporem ação perante o Juizado Especial, excluídos os cessionários de direito de pessoas jurídicas”.
Como bem salienta Luiz Felipe Salomão (1999), o dispositivo não fora deveras esclarecedor e melhor seria se tivesse afirmado que a proibição de acesso ao Juizado Especial Cível deixou de existir para as microempresas. In verbis:
“O dispositivo não foi técnico. O art. 8º, § 1º, da Lei n° 9.099/99 não será aplicado por extensão. A proibição de ser parte para as microempresas (pessoas jurídicas, comerciais ou civis), é que deixou de existir. Teria sido melhor que o legislador assim explicasse, pois a expressão do art. 38 está tecnicamente incorreta e gera ainda mais confusão, não fosse o aclaramento que se seguiu “... passando essas empresas, assim como as pessoas físicas capazes, a serem admitidas a proporem ação perante o Juizado Especial...”.
Ora, em se admitindo a possibilidade das microempresas e empresas de pequeno porte poderem ajuizar ação em sede de Juizado Especial Cível, nada mais razoável que lhes sejam aplicadas todas às disposições previstas na lei 9.099/95.
Ainda consoante Luiz Felipe Salomão (1999):
“Admitida que foi a propositura de demandas à microempresa, penso que se lhe deve estender todas as disposições processuais do sistema dos Juizados e dos microssistemas que lhe são peculiares (v.g., Código de Defesa do Consumidor — Lei n° 8.078, de 11/09/1990). Assim é que, segundo penso, não há qualquer restrição para propositura da demanda prevista no art. 3º da Lei n° 9.099/95. Há a faculdade de escolha do foro prevista no art. 4º, I e II; é facultativa a assistência por advogado nas causas até 20 salários mínimos e aplica-se a possibilidade de nomeação de advogado, nas hipóteses do art. 9º, § 1º; a microempresa poderá ajuizar pedido contraposto (art. 31)”.
A representação das microempresas e empresas de pequeno porte nos Juizados Especiais Cíveis
A representação das microempresas e empresas de pequeno porte em sede de Juizados Especiais Cíveis se dá através de preposto, quer figurem como autoras ou rés.
Ora, a regra prevista no artigo 9º, § 4º, deve ser utilizada para atingir a condição de tais pessoas jurídicas como autoras, posto que interpretação inversa não teria sentido.
Tal é a posição defendida por Luiz Felipe Salomão (1999):
“A Lei permite, ainda, que sendo o réu pessoa jurídica ou titular de firma individual, possa ser representado por preposto credenciado (art. 9º, § 4º, Lei nº 9.099/95). Parece que a regra deve ser ampliada para atingir a nova situação da microempresa, que também pode litigar como autora. Assim, como ré ou como autora, a microempresa poderá se fazer representar (ou presentar, no dizer elegante de PONTES DE MIRANDA) por preposto credenciado”.
Todavia, este preposto deve possuir vínculo empregatício, não se admitindo a presença apenas do advogado (salvo se empregado da empresa nos termos da Consolidação das Leis do Trabalho).
A inadimplência
Em linhas gerais, a inadimplência consiste no não pagamento de um compromisso financeiro até a data do vencimento, quando negociado prazo entre as partes, para a aquisição de produtos ou prestação de serviços devidamente executados.
Maria Helena Diniz (2005, p. 924) define como inadimplente o “devedor ou contraente que não cumpriu a prestação assumida ou o contrato firmado dentro do prazo ou nas condições preestabelecidas”.
Segundo a melhor doutrina, na qual se incluir Dorival dos Santos Machado (2009), podem ser distinguidos o atraso e a inadimplência, com relação ao período do vencimento:
“Normalmente entende-se que até 30 dias depois do vencimento é atraso. Após 30 dias é inadimplência. Se você medir os índices no dia seguinte ao vencimento, evidentemente que o número é alto. (...) Quando se considera 30 dias depois do vencimento, os índices caem de forma vertiginosa”.
Entretanto, de acordo com o Departamento Econômico do Banco Central, apenas é inadimplente aquele que não honrou compromisso vencido há mais de 90 (noventa) dias.
É cediço que, nesta época de crise, a inadimplência tem crescido de forma assustadora. Conforme dados fornecidos pelo Banco Central, no último mês de maio, foi alcançado o patamar de 8,6% dos empréstimos bancários e de 14,6% das aquisições de bens, com relação às pessoas físicas.
Ademais, o Serasa Experian apontou que a emissão de cheques sem fundos subiu 16,5% no último quadrimestre, sendo que, no período de janeiro a abril de 2009, foi devolvida uma média de 23,3 cheques a cada mil compensados.
A situação é deveras preocupante.
O acesso à justiça, os Juizados Especiais Cíveis, as microempresas, as empresas de pequeno porte e a inadimplência
É certo que as microempresas e as empresas de pequeno porte têm sido atingidas frontalmente pelos efeitos da crise econômica mundial. A inadimplência por parte dos devedores de tais pessoas jurídicas também têm crescido nos últimos tempos.
Neste contexto, em razão da celeridade e tentativa de conciliação, os Juizados Especiais Cíveis têm se tornado importantes instrumentos para o recebimento de seus créditos.
Os dados fornecidos pela Folha de São Paulo e a Universidade Plesbiteriana Mackenzie, demonstram claramente que a inadimplência foi a principal causa de busca dos Juizados Especiais Cíveis no ano de 2008.
Ora, segundo a média fornecida, nos Juizados Especiais Cíveis do Estado de São Paulo, em 66% dos processos, houve acordo entre as partes, o que é, sem dúvida, o objetivo dos microempresários.
Como bem pondera Luiz Felipe Salomão (1999), “houve real avanço para a democratização do acesso à Justiça com a ampliação do rol de pessoas que podem ingressar com ações nos Juizados Especiais Cíveis para as microempresas”.
Os Juizados Especiais Cíveis têm sido realmente eficazes na coibição da inadimplência. E não seria justo ou tampouco razoável impedir que os pequenos empresários tivessem acesso a este órgão jurisdicional e seus métodos de conciliação e solução rápida dos litígios.
Assim, o conselho de Dorival dos Santos Machado (2009), aos microempresários: “Venceu? Cobre! Não se preocupe com a conceituação, parta para a ação.” Afinal, “quem um devedor paga primeiro? Aquele que mais o incomoda”.
Conclusões
Numa época de crises e inadimplência, imprescindível se assegurar o acesso à justiça para o cobrança dos compromissos em aberto, a fim de se garantir a própria segurança jurídica.
Houve real avanço para a efetivação concreta da justiça com a possibilidade das microempresas (e empresas de pequeno porte) ajuizarem demanda nos Juizados Especiais Cíveis.
A conciliação e o informalismo devem ser prestigiados, haja vista que, com a formulação de um acordo, ambas as partes saem beneficiadas.
A estrutura e o sistema dos Juizados Especiais devem atuar no sentido, não de restringir ou criticar o ingresso de demandas por parte das pessoas jurídicas, mas de promover maiores aperfeiçoamentos e amplitudes.
Bibliografia
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Advogada. Pós Graduação "Lato Sensu" em Direito Civil e Processo Civil. Bacharel em direito pela Faculdades Integradas Antônio Eufrásio de Toledo. Extensão Profissional em Infância e Juventude. Autora do livro "A boa-fé objetiva e a lealdade no processo civil brasileiro" pela Editora Núria Fabris e Co-autora do livro "Dano moral - temas atuais" pela Editora Plenum. Autora de vários artigos jurídicos publicados em sites jurídicos.E-mail: [email protected], [email protected], [email protected]<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PRETEL, Mariana e. Os Juizados Especiais Cíveis, as Microempresas, as Empresas de Pequeno Porte e a inadimplência Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 jul 2009, 08:58. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/322/os-juizados-especiais-civeis-as-microempresas-as-empresas-de-pequeno-porte-e-a-inadimplencia. Acesso em: 23 nov 2024.
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