A palavra fonte significa origem, causa. Nesse sentido fala-se em nascente d’água para designar a sua fonte.
Da mesma forma, o Direito brota de suas fontes materiais e formais.
As fontes formais são representadas por diferentes instrumentos normativos que estão referidos no art.59 da Constituição (Emendas, leis complementares, leis ordinárias etc.).
As fontes materiais são os pressupostos fáticos levados em conta pelo legislador para conferir relevância jurídica. São fatos juridicizados. Determinado acontecimento fático só surte efeito jurídico quando juridicizado pelo legislador. Antes da juridicização será um fato atípico, irrelevante para o mundo do direito.
A fonte do direito pode ser primária ou secundária. A primária é aquela autossuficiente, aplicável coercitivamente. A secundária é aquela dependente da fonte primária para sua aplicação.
Costuma-se dizer que a jurisprudência é fonte secundária ou subsidiária do direito, porque o juiz julga segundo a lei vigente, não lhe sendo lícito inovar a legislação a pretexto de interpretar.
Com o efeito erga omnes conferido às ações de natureza coletiva (ADIs e ADPFs), bem como com o advento da repercussão geral, a jurisprudência do STF ganhou um importante espaço, enquanto fonte secundária do direito.
Como o STF é o órgão jurisdicional que dá a última palavra em torno da constitucionalidade ou não das normas, é por meio de sua jurisprudência que os jurisdicionados constroem as justas expectativas em torno da interpretação das leis, de sorte a se abrigarem sob o princípio da segurança jurídica.
Para tanto, requer uma jurisprudência estável e duradoura, baseada em precedentes.
Com essa finalidade dispõe o art. 926 do CPC:
“Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.
§ 1º Na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante.”
O caput do art. 926 do CPC preconiza uniformização de jurisprudência mantendo-a estável, integra e coerente.
Para a preservação da estabilidade da jurisprudência é imperativo que os tribunais observem rigorosamente seus precedentes, sem o que não se pode cogitar de jurisprudência como fonte material do direito.
Sob pena de gerar total insegurança jurídica, contrariando a finalidade do próprio direito, a jurisprudência enquanto fonte material do direito não pode decidir em um sentido em determinado dia, e decidir em sentido contrário no outro dia acerca de uma situação envolvendo fatos idênticos ou assemelhados.
A integridade referida no citado art. 926 do CPC, por sua vez, busca a conformação da decisão a ser proferida com a unidade do direito. É preciso examinar as decisões proferidas em casos semelhantes e confrontar os pontos de convergência e eventuais pontos de divergência, para decidir pela aplicação de um precedente judiciário que fundamente a decisão a ser proferida.
Sabe-se que dificilmente há situações absolutamente iguais. Cada caso contém uma particularidade. Daí a importância da interpretação dada pelos tribunais, de sorte a manter a unidade do direito.
Por fim, o preceito do CPC sob análise refere-se à coerência que se traduz pela necessidade de observar sempre os precedentes, salvo nas hipóteses de superação ou de alteração legislativa. É o dever de não-contradição. Costumo dizer que a coerência impõe-se até mesmo no erro.
O direito criado pela jurisprudência há de revestir-se do caráter de unicidade substancial ainda que os casos submetidos à apreciação judicial não sejam idênticos.
O § 1º, do art. 926 do CPC determina a edição de enunciados de súmulas dos tribunais, segundo os padrões fixados nos respectivos regimentos internos, espelhando a jurisprudência dominante.
O § 2º prescreve que a edição de enunciados de súmula deve ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram a sua criação. Em outras palavras, demanda a análise e interpretação das motivações e das particularidades do precedente ou precedentes que resultam na elaboração do enunciado da Súmula.
Resulta do exposto que o CPC de 2015 atribui maior relevância à atividade judiciária na tarefa de aprimorar o ordenamento jurídico.
Só que na prática, a desejada segurança jurídica por via de jurisprudência nem sempre tem trazido resultados esperados.
Algumas decisões do STF não têm observado o disposto no art. 926 do CPC retroanalisado.
Somente a título ilustrativo, no caso de exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS (RREE nº 240.785 e nº 574.706) não se permitiu essa exclusão em relação à CPRB que têm o mesmo fato gerador do PIS/COFINS (RE nº 1.187.264). O mesmo aconteceu com a inclusão do ISS na base de cálculo do PIS/COFINS (RE nº 592.616). Em sentido inverso está caminhando o julgamento do RE nº 592.616-RG que reconheceu a repercussão geral sobre o tema que versa sobre a exclusão do ISS da base de cálculo do PIS/COFINS que já conta com voto favorável do Relator, Ministro Celso de Mello. Foi nomeado como novo Relator, o Min. Nunes Marques, para prosseguimento.
Não há, pois, coerência na jurisprudência do STF, inclusive, quando do julgamento do RE nº 582.525 em que reputou constitucional a inclusão da CSLL na base de cálculo do IRPJ que tem como fato gerador um acréscimo patrimonial.
Ora, se o ICMS não pode compor a base de cálculo do PIS/COFINS por não se caracterizar como mercadoria passível de faturamento, igualmente, a CSLL que é uma despesa feita pelo contribuinte não pode compor a base de cálculo do IRPJ que pressupõe uma riqueza nova.
Essas decisões díspares e conflitantes desobedecem em bloco os requisitos previstos no art. 926 do CPC para a uniformização da jurisprudência, quais sejam, a estabilidade, integridade e a coerência.
Na decisão proferida no RE nº 1.187.264 sob a égide da repercussão geral, quando se decidiu pela não exclusão do ICMS da base de cálculo da CPRB não se fez o exame do caso decidido sem sentido contrário no RE nº 574.706, quando determinou a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS, avaliando os pontos de convergência e eventual ponto de divergência, na realidade, inexistente, para proferir uma decisão que pudesse conservar a unicidade do direito, bem como a coerência da jurisprudência. Difícil de entender a exclusão em um caso e inclusão em outro caso idêntico ou semelhante.
Concluindo, o STF ultimamente não vem contribuindo para a estabilidade das relações jurídicas, não se constituindo efetivamente em fonte secundária do direito.
Decisões dispares e conflitantes são o mesmo que leis conflitantes e antagônicas entre si, frustrando as justas expectativas dos jurisdicionados em torno da aplicação das leis em vigor e, por conseguinte, semeando a insegurança jurídica.
SP, 20-1-2022.
Publicado em: https://haradaadvogados.com.br/fonte/
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