“Mãe e pai é quem cria, quem ama”, é o bom, velho e acertado dito popular. Mas esse provérbio também deve valer para os avós. Mais do que “mãe duas vezes”, muitas vezes, a avó é a mãe única e genuína.
Quem milita no dia-a-dia das Varas de Infância e Juventude de nosso país sabe muito bem da enxurrada de ações de guarda avoenga despejadas diariamente na Justiça, principalmente nas grandes cidades, pelos mais variados e desafortunados motivos.
Mas o que fica evidente aos olhos do experiente – e sensível – profissional do Direito nessas ações de guarda avoenga, muitas vezes, são os reais e verdadeiros laços de amor e afeto que permeiam essas relações entre avó e neto, que vão muito além do insosso e glacial §2º, do art. 33, do Estatuto da Criança.
Ora, avó e neto, muitas e muitas vezes, não querem “atender a situações peculiares ou suprir a falta eventual dos pais ou responsável blá, blá, blá ...”! Não querem revolver mágoas e águas passadas, requentar traumas e dores cicatrizadas. Para estes, só existem os dois no Universo, nada mais importa do que se amarem e se respeitarem reciprocamente numa relação de “mãe e filha” até o último suspiro.
O propósito do termo de guarda a ser lavrado em nada mudará o sentimento que embala avó e neto que se consideram respectivamente mãe e filho. O Estatuto da Criança precisa entender isso, sua regra do §1º, do art. 42, já foi em muito superada pela realidade social do país e pelas relações de afeto desenvolvidas nas famílias dos tempos atuais, talvez de todos os tempos.
Somos um país de graves e aflitivos problemas e contrastes sociais, os elevados índices de mortalidade juvenil, gravidez precoce, abandono afetivo, ruptura familiar, violência doméstica e dependência química delineiam os personagens das ações de guarda no Brasil: avós ainda muito jovens, no começo de seus trinta, quarenta anos de idade de um lado, e recém-nascidos do outro. Muitas desses avós ainda ficarão grávidas ou contrairão novo matrimônio após a sentença de guarda do neto.
Destarte, muitas vezes a situação de fato consolidada no tempo é a de que desde tenra idade o menor concebe sua avó como se fosse sua mãe, ou seja, que existi um vínculo socioafetivo não apenas avoengo, mas materno-filial. A única referência maternal do ser humano, principalmente daquele em fase de desenvolvimento, jamais poderá ser vencida pelo arbítrio ou capricho do legislador.
Quem tem legitimidade para amar, tem legitimidade para adotar. Regras processuais e substanciais consagradas no dogma pelo dogma devem ceder à natureza das coisas. Prejudicial ao desenvolvimento psíquico e emocional da criança é um registro civil postiço, que abandona, que é ausente, que não acalenta, que não disciplina, que não ama sinceramente.
E este foi o entendimento mais uma vez esposado pelo Superior Tribunal de Justiça, ao abrandar o §1º, do art. 42, do Estatuto da Criança, desta vez no REsp 1957849, estabelecendo que juízes e tribunais sempre deverão perscrutar e se aprofundar na investigação acerca da presença dos pressupostos da desconstituição do poder familiar em relação à mãe biológica e, ainda, da eventual presença de vínculo socioafetivo não apenas avoengo, mas materno-filial que justificariam, excepcionalmente, a adoção de netos pelos avós.
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