RESUMO: O presente trabalho objetiva defender a tese de que o ICMS incidente sobre as faturas de energia elétrica não deve incluir em sua base as perdas técnicas e não técnicas, pois ausente está o efetivo consumo. A pesquisa foi realizada em doutrinas jurídicas da área e precedentes dos Tribunais Superiores.
1.INTRODUÇÃO
Há anos são travadas discussões no Poder Judiciário inerentes ao fato gerador do ICMS energia elétrica, restou pacificado que o aluído imposto incide sobre a potência efetivamente utilizada, no entanto, em que pese o entendimento dos Tribunais Superiores, as Fazendas cobram o ICMS sobre os valores das perdas técnicas e não técnicas, o que, no entender deste escrito, é equivocado, visto que a potência de energia que se perdeu encontra-se carente do efetivo consumo por parte do contribuinte.
2. AS PERDAS DE ENERGIA NÃO DEVEM COMPOR A BASE DE CÁLCULO DO ICMS.
Por ser considerada uma mercadoria, a energia elétrica sofre a incidência de tributos, sendo eles o ICMS de competência estadual e as contribuições PIS e COFINS de competência da União.
Há anos o Superior Tribunal de Justiça vem construindo uma jurisprudência segura quanto à incidência do ICMS somente sobre a potência de energia efetivamente consumida (Súmula nº 391 do STJ e Tema 63/STJ).
O Supremo Tribunal Federal, ao analisar o Tema 176 com Repercussão Geral, reafirmou o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, deixando claro que a potência de energia elétrica, por si só, não pode sofrer a incidência do ICMS, devendo ser tributado somente os valores inerentes às operações nas quais ocorreu o efetivo consumo.
As conclusões tanto da Suprema Corte quanto do Superior Tribunal de Justiça são reproduzidas em inúmeras publicações doutrinárias inerentes ao fornecimento de energia, vejamos:
Vê-se que o aspecto material do fato gerador do ICMS é a realização de operações relativas à circulação de mercadorias. E a circulação se pressupõe a entrega da mercadoria, a tradição, consequentemente, no caso da energia elétrica o efetivo consumo. O valor da operação consistente em garantir a potência necessária para o consumidor não pode ser tributado pelo ICMS.
(...)
Segue-se a conclusão inequívoca de que somente incide ICMS sobre a energia elétrica se, de fato, estiverem presentes as circunstâncias materiais, assim entendidas a efetiva circulação da energia elétrica no estabelecimento do consumidor e o efetivo consumo, não apenas o pacto contratual de potência. (DE MELLO, 2020, p.251/252).
Em sede de recurso repetitivo, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, sedimentou o entendimento sobre o fato jurídico tributário do ICMS - energia “consumir energia”, entendimento que o imposto incide sobre o valor da energia elétrica efetivamente consumida, ou seja, a energia for entregue ao consumidor, a que tenha saído da linha de transmissão e entrado no estabelecimento da empresa. (RETTO, 2021, p. 196).
Logo, não há dúvidas, encontra-se pacificado na doutrina e na jurisprudência que o fato gerador do ICMS no fornecimento de energia elétrica é o efetivo consumo, não integrando a sua base de cálculo os valores estranhos à potência efetivamente utilizada, ainda que contratada.
No entanto, em se tratando de energia elétrica, nas nossas contas mensais, são repassados valores inerentes às perdas de energia, elas são classificadas como perdas técnicas e não técnicas.
As técnicas são referentes aos fenômenos físicos e naturais, como por exemplo a potência que acaba se transformando em energia térmica nos condutores (efeito joule), as perdas dielétricas e outras mais de ordem natural.
Já as não técnicas, essas não possuem ligações com as causas naturais ou físicas, pelo contrário, elas estão atreladas à conduta humana, cito como exemplo a reprovável prática do “gato” consubstanciada em furtar a corrente de energia das linhas de transmissão, impedindo o seu consumo regular.
Pois bem, já deu para percebermos que o rateio das perdas entre todos os consumidores do sistema elétrico, tal qual é feito, gera uma celeuma no campo tributário, ora, se o ICMS tem como fato gerador o efetivo consumo de energia, estamos agindo corretamente ao inserir na base de cálculo do ICMS os valores inerentes às perdas?
Antes de avançarmos devemos retornar para 2012, naquele ano o Superior Tribunal de Justiça, no Informativo 503, enfrentou a discussão, decidindo que “a energia elétrica furtada nas operações de transmissão e distribuição não sofre incidência de ICMS por absoluta "intributabilidade" em face da não ocorrência do fato gerador.” (STJ, REsp 1.306.356-PA, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 28/8/2012).
A conclusão acima soa bastante coerente e correta, estando alinhada inclusive com os ensinamentos do professor Roque Antônio Carrazza, que são objetivos em defender que tanto as perdas técnicas quanto as não técnicas não devem ser tributadas pelo ICMS, vejamos:
A contrario sensu, o ICMS deixa de ser devido nos casos em que a energia elétrica se perde, quer por razões físicas (vazamentos no sistema), quer por motivos de ordem criminal (furto).
É que, inexistindo consumo regular, ausente está pelo menos sob a óptica do Direito Tributário qualquer operação relativa ao fornecimento de energia elétrica.
Do exposto, temos que, havendo tais ocorrências, deixa de existir espaço jurídico para que se cogite, seja a que pretexto for, de nascimento de obrigação de recolher ICMS - Energia Elétrica. (CARRAZZA, 2009, p. 273).
Analisando os escritos de Carrazza, não há maiores dúvidas, está mais do que claro que os valores inerentes às perdas de energia não devem ser tributados pelo ICMS, pouco importando serem elas técnicas ou não.
Não custa argumentar quanto à impossibilidade de tratarmos as perdas como um custo inerente ao fornecimento da energia efetivamente consumida, tal qual é tratado o adicional de bandeira tarifária, pois esse último representa um acréscimo real no valor da mercadoria efetivamente entregue, o que não se observa nas perdas, elas não traduzem o consumo.
Para encerrar entendemos que a postura de onerar o cidadão honesto com o ICMS sobre as perdas, enquanto o responsável pelos furtos nada recolhe, é, no mínimo, desproporcional, desrazoável e fere os princípios da capacidade contributiva e pessoalidade, afinal, quem recolhe o ICMS, nesse caso, é quem paga a energia corretamente, tratando-se de uma decisão fiscal distante dos conceitos primordiais de Justiça, onerando apenas quem cumpre a Lei.
3. CONCLUSÃO.
Diante do narrado, o presente escrito se encerra criticando a postura das Fazendas Estaduais consubstanciada em exigir o ICMS inerente ao fornecimento de energia elétrica englobando em sua base de cálculo as perdas técnicas e não técnicas, pois essas não representam a energia efetivamente utilizada, sendo assente no STJ e no STF que a potência tributável é somente aquela inerente à energia utilizada.
De mais a mais se percebe que a potência de energia elétrica que se perdeu durante o transporte, seja por fator físico ou criminoso, jamais será utilizada pelo consumidor final de energia, sendo correta a postura do STJ em classificar no REsp 1.306.356-PA as perdas como absolutamente intributáveis por ausência do fato gerador.
REFERÊNCIAS
BRASIL. STJ - REsp n. 1.306.356/PA, Relator: Ministro Castro Meira, Data de Julgamento: 28/08/2012, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: 04/09/2012.
CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. Malheiros Editores. São Paulo. 2009. Pág. 273
DE MELLO, Fátima I. M.Rogério Vaz. Não incidência de ICMS sobre a demanda contratada de potência e sobre as tarifas de uso dos sistemas de distribuição e de transmissão. Revista Direito de Energia & Áreas Afins, Editora: Synergia, 2020, p.251/252.
RETTO, Mauren Gomes Bragança. Benefícios fiscais na geração distribuída a partir de fontes renováveis de energia. Compêndio de Contabilidade e Direito Tributário, Lumen Juris, 2021, p. 196.
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