Com a edição da Lei 12.037/09 foi revogada a até então vigente Lei de Identificação Criminal (Lei 10.054/00).
A nova legislação apresenta uma evolução em vários aspectos com relação ao anterior tratamento da matéria, inclusive mostrando-se mais adequada ao regime constitucional e atenta às garantias individuais.
Seguindo a luz do ditame constitucional (artigo 5º., LVIII, CF), erige um sistema no qual a identificação criminal é exceção para os civilmente identificados. Portanto, a identificação criminal somente será regra para aqueles que não forem civilmente identificados. Os civilmente identificados, ao reverso, em regra, são dispensados da identificação criminal e somente são a ela submetidos em casos legalmente previstos.
Enquanto a Lei 10.054/00 (artigo 2º.) contentava-se em apenas conceituar aquilo que seria considerado como uma “identificação civil” de forma genérica, referindo-se a “documento de identidade reconhecido pela legislação”, o diploma atual é bem mais minucioso. Em seu artigo 2º., I a VI e Parágrafo Único elenca os diversos documentos que doravante serão considerados induvidosamente como de identificação civil e cuja apresentação em original servirá para afastar a possibilidade legal de identificação criminal.
Embora a Lei 12.037/09 não mencione que o documento deverá ser apresentado em original, como fazia expressamente em seu artigo 3º. a Lei 10.054/00, a conclusão pela necessidade do original continua válida, pois que o diploma inovador se refere a “documentos” e em nenhum momento faz menção ou qualquer equiparação com cópias ou similares. Certamente, inobstante a possibilidade da conclusão supra mencionada, essa é uma indefinição que a legislação poderia ter evitado simplesmente mantendo o modelo da lei revogada e constando expressamente a exigência do original. No entanto, a orientação quanto à necessidade do original não somente se apresenta mais coerente gramaticalmente como acima demonstrado, mas também levando em consideração uma interpretação sistemática do diploma. Note-se que quando a lei trata dos casos em que o civilmente identificado será criminalmente identificado, mesmo apresentando seus documentos, arrola diversos casos em que paira dúvida quanto à autenticidade do documento apresentado. Obviamente, a lei somente dispensa a identificação criminal quando se tem certeza, segurança absoluta de que a pessoa é civilmente identificada e a cópia não apresenta essa necessária segurança. Ademais, ainda numa interpretação sistemática, é de se observar que o artigo 3º. Parágrafo Único, da Lei 12.037/09 trata da juntada de “cópias dos documentos apresentados” nos autos, o que pressupõe que foram apresentados os documentos originais e serão juntadas cópias para instrução dos autos.
A lei arrola os documentos de identificação civil válidos, usando um sistema não taxativo que abre espaço para a chamada “interpretação analógica”. Inicialmente apresenta modalidades específicas de documentos hábeis à identificação criminal. São eles: carteira de identidade, carteira de trabalho, carteira profissional, passaporte e carteira de identificação funcional.
Nesse ponto a legislação supera a indefinição existente anteriormente, a q ual levava muitas vezes à negativa de recepção de documentos que não fossem estritamente a carteira de identidade (RG). Agora se abre a possibilidade expressa da aceitação de outros documentos para reconhecimento da identificação civil que impede a criminal. O trabalhador em geral poderá apresentar sua Carteira de Trabalho (CTPS); um advogado, por exemplo, poderá apresentar sua Carteira da OAB (Carteira Profissional). O passaporte entra para o rol dos documentos de identificação civil válidos, assim como a Carteira de Identificação Funcional, por exemplo, de um funcionário público civil (v.g. um agente da receita federal, um policial civil etc.).
Findos os exemplos casuísticos, o inciso VI do artigo 2º. da Lei 12.037/09 apresenta uma fórmula genérica que possibilita a “interpretação analógica”: “outro documento público que permita a identificação do indiciado”. Agora caberá ao intérprete e aplicador do Direito encontrar casos em que algum documento público de identificação se assemelhe razoavelmente aos casos expressamente elencados nos incisos anteriores e o aceite como válido para reconhecimento da identificação civil.
Destaque-se que essa formulação genérica final não somente possibilita a “interpretação analógica”, mas até mesmo a chamada “interpretação progressiva”. A Lei 12.037/09 é capaz de se atualizar por si mesma. Ainda que novos documentos de identificação civil sejam criados com o tempo e tenham nomenclaturas diversas daquelas elencadas no artigo 2º., I a V da lei de identificação criminal, poderão ser aceitos devido à abertura ensejada pelo inciso VI do mesmo dispositivo. Um exemplo de “interpretação analógica” seria o caso da Carteira de Habilitação que hoje contém todos os dados necessários, inclusive foto e número do RG, para ser aceita como documento público de identificação civil válido. [1] Já um caso de “interpretação progressiva” seria aquele que se refere ao projeto de criação do novo documento de identificação único, o qual iria concentrar uma série de informações hoje dispersas por variados documentos. Na atualidade tal documento não existe, mas quando for criado, ainda que não tenha a nomenclatura, por exemplo, de “Carteira de Identidade”, será válido para a lei sob comento em razão de seu artigo 2º., inciso VI.
Deve-se, porém, ter em mente que embora a lei não seja expressa um documento de identificação necessariamente deverá ser dotado de foto. Isso se conclui pela vida prática que demonstra o quanto é perigoso acatar uma identificação somente baseada em dados escritos, sem uma comparação fotográfica entre aquele que apresenta o documento e a foto ali constante. Além disso, quando a legislação arrola os exemplos casuísticos de documentos de identificação civil somente menciona aqueles que são dotados de fotos (carteira de identidade, Carteira de Trabalho, Passaporte e Carteira de Identificação Funcional). Poderia gerar alguma dúvida o caso da Carteira Profissional. No entanto, a maioria das categorias profissionais que são dotadas de documentos de identificação específicos, a exemplo da OAB, vêm zelando pela inclusão de fotos em suas carteiras. Se alguma categoria profissional tiver um documento de identificação que não contenha foto, deverá agilizar a alteração para que este seja aceito como documento de identificação civil válido legalmente. Também leva à conclusão da necessidade de foto um dos motivos para recusa do documento de identificação previsto no artigo 3º., VI, da Lei de regência. Quando a lei permite a rejeição do documento devido ao excesso de “distância temporal” entre sua expedição e apresentação, certamente leva em consideração não os dados escritos constantes do documento respectivo, os quais em geral não se alteram com o tempo (v.g. nome, número do RG, filiação, data de nascimento, naturalidade etc.), mas obviamente a dificuldade de identificação comparativa entre a foto e a pessoa presente devido às mudanças fisionômicas e físicas ocasionadas pela passagem do tempo. Acrescente-se ainda o disposto no artigo 3º., II, da lei de regência que permite a identificação criminal quando o suspeito apresenta documento insuficiente para identifica-lo cabalmente. Essa insuficiência pode certamente constituir-se na falta de uma foto recente estampada no respectivo documento apresentado. Dessa forma, não serão admitidos como documentos de identificação civil hábeis a afastar a identificação criminal, por exemplo, o CPF, Certidão de Nascimento ou Certidão de Casamento.
Também é de se considerar o fato de que a lei somente permite que “documentos públicos” sirvam para evitar a identificação criminal. Portanto, documentos particulares, ainda que emanados de instituições respeitáveis (instituições de ensino, empresas conhecidas etc.), não servem para os fins preconizados pela Lei de Identificação Criminal.
O artigo 2º. Parágrafo Único da Lei 12.037/09 põe termo a grave polêmica existente anteriormente devido à indefinição legal acerca da aceitabilidade ou não de documentos de identificação militares. Em geral, falando a lei revogada e a Constituição Federal em “identificação civil”, costumava-se refutar os documentos de identificação militares (v.g. identidade militar de um componente das forças armadas, da Polícia Militar). Essa situação era realmente um tanto quanto injusta, pois que os documentos emanados dos órgãos militares são públicos, dotados de foto e de absoluta idoneidade, tanto quanto quaisquer outros similares de origem civil. Assim sendo, a novel legislação estabelece uma equiparação entre os documentos de identificação civis e militares. Doravante, um militar do exército, por exemplo, poderá apresentar sua carteira funcional ou seu RG indistintamente para fins de comprovação de identificação civil e afastamento da identificação criminal.
Não será surpresa se houver quem se arvore em alegar a inconstitucionalidade por insuficiência dessa equiparação. Sabe-se que o legislador ordinário pode incidir em inconstitucionalidade por excesso se extrapola os limites de violação constitucional dos direitos individuais. Seria o caso, por exemplo, de estabelecer que o civilmente identificado fosse, invariavelmente e contra a letra da constituição, submetido à identificação criminal. Mas, também há a chamada inconstitucionalidade por insuficiência. No caso, considerando que a Constituição (artigo 5º., LVIII, CF) estabeleceu que somente o “civilmente identificado” não seria submetido a “identificação criminal”, poderia ocorrer uma insuficiência da legislação ordinária à satisfação da ordem constitucional mediante a autorização de liberação da identificação criminal daquele que apresenta tão somente sua identidade militar.
Essa não parece ser a melhor interpretação a ser dada ao caso. A expressão “identificação civil” constante do dispositivo constitucional não se opõe aos documentos de identidade militares, mas sim à “identificação criminal”. Portanto, deve-se adotar um conceito amplo de “identificação civil”, abrangendo todos os documentos de identidade (civis ou militares) hábeis a individualizar alguém perante a sociedade e o Estado, ensejando a devida segurança quanto à sua identificação. O que a Constituição pretende certamente não é discriminar os militares e privilegiar os civis em sua dignidade pessoal, mas conferir-lhes neste campo tratamento isonômico. A razão de ser da necessidade de identificação criminal é a insegurança quanto à identidade do suspeito ou acusado, de modo que qualquer documento hábil a satisfazer tal objetivo deve ser aceito independentemente de sua origem referir-se a um órgão civil ou militar. Neste passo a Lei 12.037/09 avança em clareza e respeito à dignidade das pessoas, sejam elas civis ou militares e, assim sendo, coaduna-se com o espírito da Constituição Federal não somente no que tange aos Direitos e Garantias Individuais (artigo 5º., LVIII, CF), mas em relação também aos seus Princípios Fundamentais (artigo 1º., III, CF).
No seguimento o novo diploma passa a delinear os casos em que mesmo os identificados civilmente serão criminalmente identificados. A lei procura estabelecer uma excepcionalidade equilibrada (proporcionalidade) no seio de uma racionalidade que promove um equilíbrio entre os direitos individuais (insubmissão desnecessária à humilhante identificação criminal) e o interesse social (devida identificação dos reais suspeitos de infrações penais). O legislador não poderia privilegiar o direito individual de não ser submetido desnecessariamente à identificação criminal, fechando os olhos a situações periclitantes em que alguém poderia valer-se desse direito para atuar de modo fraudulento e criminoso, obtendo a impunidade como prêmio ou, pior ainda, logrando desviar a persecução criminal de si e direcionando-a a um terceiro inocente.
A orientação legal prima por um “Princípio de Necessidade” para erigir um sistema proporcional em que se verifiquem os casos nos quais o identificado civilmente também deverá sê-lo criminalmente. Aliás, tal proporcionalidade já vem estampada no próprio texto constitucional quando estabelece como regra a insubmissão do civilmente identificado à identificação criminal, mas abre espaço para casos excepcionais previstos em lei. [2]
Dessa maneira não há inconstitucionalidade no fato do legislador permitir, em certas hipóteses, a identificação criminal do civilmente identificado. A questão encontra sua pedra de toque na proporcionalidade com que atua o legislador ordinário. Essa proporcionalidade somente pode orientar-se pelo critério já mencionado da “absoluta necessidade” da submissão à identificação criminal, a qual se consubstancia no fato de que a identificação civil apresentada não seja, por algum motivo plausível, suficientemente segura para a individualização e identificação da pessoa investigada. No seio desse proceder rigoroso respeita-se a dignidade humana, evitando humilhações e rituais de constrangimento desnecessários, bem como o interesse social na correta identificação dos envolvidos em investigações criminais.
Conforme já exposto no início deste texto, o caso mais extremo de necessidade de identificação criminal de um suspeito é aquele em que a pessoa envolvida não tem nenhuma identificação civil. Este primeiro e induvidoso caso de necessidade de identificação criminal vem estampado na própria Constituição Federal (artigo 5º.,LVIII, CF) e no artigo 1º. da Lei 12.037/09. Quando a Constituição e a lei ordinária dizem que “o civilmente identificado não será submetido a identificação criminal”, “contrario senso” chega-se à conclusão de que aqueles não civilmente identificados serão submetidos necessariamente à identificação criminal acaso envolvidos em uma investigação dessa natureza e figurando como suspeitos.
No que se refere à proporcionalidade e excepcionalidade da identificação criminal dos civilmente identificados a Lei 12.037/09 representa um grande salto de qualidade em relação ao diploma revogado (Lei 10.054/00).
O artigo 3º., I, da Lei 10.054/00, ora revogada, representava uma afronta à proporcionalidade no trato da matéria com sua consequente ofensa à Carta Magna, pois que arrolava certos crimes em cuja investigação os suspeitos seriam necessariamente submetidos à identificação criminal, independentemente de serem ou não civilmente identificados. A identificação criminal era imposta somente tendo em conta a natureza da infração e não critérios proporcionais de necessidade da identificação a serem avaliados no caso concreto. O legislador de forma abstrata e apriorística impunha a identificação criminal, baseado somente na natureza da infração investigada. [3] Nessa situação o investigado era simplesmente submetido a um ritual de constrangimento absolutamente desnecessário já que não havia qualquer dúvida quanto à sua identificação. [4]
A Lei 12.037/09 soluciona a contento essa falha da legislação antecedente. Em seu artigo 3º., I a VI, não elenca nenhuma infração penal para a qual seja obrigatória de forma abstrata a identificação criminal do civilmente identificado. Apenas arrola casos em que a identificação criminal mostra-se necessária devido à insegurança dos documentos apresentados pelo interessado, o que obedece estritamente a um critério de proporcionalidade e necessidade constitucionalmente desejável.
Inclusive é de se concluir que a Lei 11.037/09 revogou tacitamente o artigo 5º. da Lei 9034/95, que trata das “organizações criminosas”. Tal dispositivo ora revogado determinava que aqueles suspeitos de envolvimento em “organizações criminosas” seriam necessariamente identificados criminalmente, mesmo que já civilmente identificados. [5] Ocorre que a lei posterior (Lei 11.037/09) trata inteiramente da matéria da identificação criminal, bem como é incompatível com o dispositivo da lei anterior (Lei 9034/95), nos estritos termos do artigo 2º., § 1º. da Lei de Introdução ao Código Civil.
A Lei 10.054/00 não havia revogado o artigo 5º. da Lei 9034/95 porque em nenhum momento chamava para si o tratamento exclusivo do tema da identificação criminal. Por seu turno a Lei 11.037/09 é expressa em afirmar que “o civilmente identificado não será submetido a identificação criminal, salvo nos casos previstos nesta lei” (grifo nosso). Não diz “salvo os casos previstos em lei”, mas sim “nesta lei”. A Lei 12.037/09 afirma claramente que trata inteiramente da matéria da identificação criminal, não deixando margem para outras exceções previstas em diplomas diversos. Em seguida, quando em seu tratamento da matéria não menciona a obrigatoriedade de identificação criminal devido à natureza da infração em qualquer hipótese, demonstra claramente sua incompatibilidade com o disposto no artigo 5º., da Lei 9034/95, o que também não acontecia com a Lei 10.054/00. Talvez surja certa preocupação quanto ao potencial de organizações criminosas em forjar documentos falsos para seus integrantes, os quais poderiam livrar-se da identificação criminal e seguir praticando infrações com impunidade. No entanto, se verá que a Lei 11.037/09 regula a questão com suficiente amplitude, sem descurar da devida proporcionalidade.
Os casos previstos na nova legislação são os seguintes:
a)”O documento apresentar rasura ou tiver indício de falsificação”. Tal hipótese dispensa maiores comentários. Certamente um documento rasurado ou com indícios de falsificação não pode ser aceito como suficiente para afastar a identificação criminal. Caso contrário, à astúcia do infrator se juntaria a obtusidade ou bisonharia do legislador e dos responsáveis pela investigação criminal.
b)”O documento apresentado for insuficiente para identificar cabalmente o indiciado”. Um documento de identificação deve conter os dados qualificativos básicos do investigado [6], bem como sua foto recente. Na falta desses dados mínimos a identificação é insegura e não se pode afirmar que a pessoa está devidamente individualizada, o que justifica a recusa dessa insuficiente identificação civil, procedendo-se à identificação criminal. Este dispositivo é mais uma demonstração de que o documento aceitável para identificação civil que afasta a possibilidade de identificação criminal deve ser provido de foto recente.
c)”O indiciado portar documentos de identidade distintos, com informações conflitantes entre si”. Também se justifica tal exceção, pois que não há qualquer segurança no uso de um outro documento conflitante. Como poderia a Autoridade Policial, por exemplo, optar por um ou outro RG portado por um suspeito, sendo que em cada um deles consta um nome diferente ou uma data de nascimento divergente? O melhor caminho nesses casos é realmente proceder à identificação criminal, principalmente com a coleta das impressões dígito – papilares, com as quais se determinará com segurança a identidade do suspeito.
Não obstante, deve-se anotar que o simples fato de que alguém apresente vários documentos de identidade não enseja a necessidade de identificação criminal. Apenas ocorrerá a hipótese do artigo 3º., III, da Lei 12.037/09 quando houver divergências entre os documentos apresentados. É comum que uma pessoa tenha consigo seu RG, sua CNH, sua Carteira de Trabalho, seu certificado de reservista e ouros documentos de identificação. Enquanto não houver a criação de um documento único e nacional de identificação tal situação será corriqueira e natural. Obviamente tal fato não será motivador de sua identificação criminal. Muito ao contrário, não havendo informações conflitantes em tais documentos, mais que satisfeita estará a segurança quanto à sua real identidade. Quando um documento apresentado corrobora as informações constantes nos outros não há razão para dúvidas e, portanto, para a identificação criminal.
Situação duvidosa que pode acontecer é aquela em que o investigado apresenta mais de uma Carteira de Identidade, sendo cada uma de unidade diversa da federação. Por exemplo, um RG de São Paulo e outro do Rio de Janeiro. No entanto, considerando o fato de que o RG ainda não é um documento nacional, sendo que cada ente da federação tem seu respectivo instituto de identificação, a mera existência de RGs oriundos de Estados diferentes não é suficiente para considerar justificada a identificação criminal baseada no fato de haverem documentos diversos com “informações conflitantes entre si”. Isso se apenas os documentos forem diversos e os respectivos números de registro. Mas, se houver divergência de informações como nome, filiação, naturalidade, nacionalidade ou data de nascimento, será sim o caso de proceder-se à identificação criminal. Isso é notório mesmo em se tratando de dois RGs da mesma unidade da federação. Aliás, nesses casos a identificação criminal é indeclinável, pois que se é viável que uma pessoa tenha dois ou mais RGs em Estados diversos, não é possível que tenha dois ou mais RGs numa mesma unidade da federação. Nesse caso um dos documentos certamente é falso ou contém algum erro administrativo. [7]
d)”A identificação criminal for essencial às investigações policiais, segundo despacho da autoridade judiciária competente, que decidirá de ofício ou mediante representação da autoridade policial, do ministério público ou da defesa”. A Lei 12.037/09 cria uma nova modalidade de “cautelar processual penal”, consistente na determinação judicial de identificação criminal do civilmente identificado para casos em que esta se demonstre necessária, embora inexistente previsão expressa e taxativa na lei de regência. O legislador foi atento ao fato de que os casos de insegurança quanto à identificação civil podem extrapolar suas previsões estritas, razão pela qual atribuiu ao prudente arbítrio judicial a decisão de certos casos concretos.
O requisito necessário é a demonstração pelo juiz em sua decisão fundamentada (artigo 93, IX, CF) quanto a ser a identificação criminal “essencial às investigações policiais”. Essa decisão fundamentada é exclusiva do Juiz, de modo que nem a Autoridade Policial nem o Ministério Público podem tomar tal providência por conta própria. A esses agentes públicos cabe a tarefa de representar ao Juiz pela adoção da medida. Em respeito à isonomia prevê a lei a possibilidade de que o defensor também possa requerer a providência.
Uma impropriedade da lei é o uso da palavra “representação” indistintamente para a Autoridade Policial, o Ministério Público e o Defensor, quando o mais correto seria a sua utilização somente para a Autoridade Policial, reservando-se a palavra “requerimento” para o Ministério Público e a Defesa. Isso considerando a tradição do nosso Processo Penal e o fato de que a Autoridade Policial não é dotada do “jus postulandi in juditio”, enquanto o são o Ministério Público e os advogados.
Observe-se que se olvidou o legislador da menção do advogado do querelante nos crimes de ação penal privada como mais um legitimado a postular pela identificação criminal do civilmente identificado em casos excepcionais devidamente fundamentados. Embora tenha havido esse esquecimento do legislador é de se concluir que por aplicação do Princípio da Isonomia pode também o querelante formular tal pedido. Mesmo que assim não se pense, o legislador deixou também consignado que o Juiz poderá de ofício, independentemente de qualquer pedido, determinar fundamentadamente a medida. Dessa forma, se a atuação de ofício do Juiz na fase de investigação é bastante criticável, tem eventualmente suas vantagens, podendo este deferir de ofício o pedido formulado pelo querelante, ainda que sem previsão legal para tanto.
É claro que não somente a decisão judicial, mas também a representação pela identificação criminal deve ser fundamentada, demonstrando-se o “periculum in mora” e o “fumus boni juris” para o deferimento da cautelar.
A Autoridade Policial, tendo em vista a natureza de sua atuação preprocessual, somente poderá postular a medida na fase de investigação (Inquérito Policial). Quanto ao Juiz (de ofício), ao Ministério Público, ao advogado do querelante e ao defensor, muito embora a lei faça referência a ser a identificação “essencial às investigações policiais” (grifo nosso), entende-se que pode operar-se tanto na fase do Inquérito Policial como do Processo Criminal. Não há motivo algum para vedar a providência em juízo e então a expressão “investigações policiais” deve ser interpretada em sentido amplo, abrangendo as apurações em sede processual. Melhor seria que o legislador houvesse utilizado a expressão “investigação criminal” ou “investigação criminal ou instrução processual penal”.
Quando a representação emanar da Autoridade Policial, do advogado do querelante ou do defensor a lei não exige a prévia audiência do Ministério Público, podendo o Juiz decidir diretamente. [8] Também não exige a lei a prévia manifestação do identificado, de modo que a decisão é proferida “inaudita altera pars”. É relevante notar ainda que não há previsão de recurso para essa espécie de decisão. Obviamente a Autoridade Policial não pode recorrer da decisão judicial e nem mesmo impetrar algum ação autônoma de impugnação. O máximo que pode fazer é reiterar o pedido com novos fundamentos a fim de convencer o Juiz. Já o Ministério Público ou os advogados, embora não haja previsão recursal, podem valer-se das respectivas ações autônomas de impugnação. No caso do polo da acusação o remédio adequado para a negativa do pedido seria o Mandado de Segurança. Por seu turno a defesa pode valer-se do “habeas corpus” para combater a decisão de identificação criminal. Pode inclusive o Ministério Público, na qualidade de Fiscal da Lei, manejar também o “habeas corpus” em favor do indiciado, acaso discorde da decisão judicial positiva quanto à identificação proferida em atendimento à representação da Autoridade Policial, do querelante ou do defensor.
Os casos abrangidos por esse permissivo legal serão raros e devem ser decididos com parcimônia pelo Judiciário. Vejamos um exemplo:
Imagine-se que um indivíduo não tenha sido inicialmente identificado criminalmente porque apresentou um RG civil sem qualquer suspeita de inautenticidade. Inclusive mediante pesquisa perante o respectivo instituto de identificação constatou-se o devido cadastro informatizado regular. Não havia, até então, portanto, qualquer motivo para sua identificação criminal. Ocorre que posteriormente cogita-se de que o registro existente no próprio órgão público seja eivado de erro ou mesmo de má fé. Eventualmente o identificado poderia ter subornado um agente público e obtido uma identidade falsa emanada do próprio órgão responsável. Diante de tal suspeita poderá o Juiz de ofício ou mediante representação de quem de direito determinar a identificação criminal do suspeito e sua pesquisa dígito – papilar para confirmação ou não de sua identidade. Note-se que tal fato pode dar-se durante o andamento do Inquérito Policial ou também em Juízo quando já instalado o Processo Criminal, sendo de se considerar que realmente a expressão “investigações policiais” utilizada pelo legislador deve ser interpretada de maneira ampla.
e)”Constar de registros policiais o uso de outros nomes e diferentes qualificações”. Não é incomum o fato de que certas pessoas se utilizem de vários pseudônimos quando identificadas criminalmente. Isso é muito comum entre indivíduos procurados pela Justiça, bem como entre os praticantes de estelionato. Muitas vezes fazem uso de nomes e qualificações fictícias e outras de nomes e qualificações de pessoas reais, até mesmo seus parentes (primos, irmãos etc.), não se detendo nem mesmo diante da possibilidade concreta de incriminação de inocentes. Pode ocorrer então que um desses indivíduos apresente uma identificação civil com determinado nome e qualificação, mas ao ser consultado o banco informatizado da polícia ou do judiciário, verificam-se outros nomes e qualificações também já utilizados pelo mesmo infrator. Certamente esse é um caso concreto de dúvida relevante quanto à identificação civil apresentada, de modo que se torna bastante justificada a realização da identificação criminal, principalmente para coleta de impressões digitais com o fito de estabelecer a certeza quanto à identidade do suspeito.
f)”O estado de conservação ou a distância temporal ou da localidade de expedição do documento apresentado impossibilite a completa identificação dos caracteres essenciais”. Neste inciso VI do artigo 3º. , da Lei de Identificação Criminal são delineadas três hipóteses que justificam o procedimento extremo, mesmo sendo apresentada identidade civil:
O primeiro caso refere-se ao documento que está em mau estado de conservação, a ponto de impossibilitar uma leitura de seus dados ou visualização da foto ilustrativa da fisionomia do identificado de maneira razoável. A deliberação da Autoridade deve dar-se caso a caso, analisando com bom senso o estado de conservação dos documentos e o acesso aos dados qualificativos e fisionômicos. Imagine-se um documento queimado parcialmente, impedindo a leitura do nome completo ou outros dados do identificado, um documento cuja foto foi retirada intencional ou acidentalmente, um documento que foi lavado junto com a roupa e perdeu total ou parcialmente seus registros, inclusive prejudicando a qualidade da fotografia etc.
A segunda hipótese diz respeito à distância temporal entre a expedição do documento e sua apresentação. Aqui entra em jogo principalmente a identificação fisionômica e corporal do suspeito. Ocorre que a passagem do tempo pode alterar significativamente as características físicas de uma pessoa. Se um indivíduo providencia seu RG quando tinha 15 anos de idade e depois o utiliza para sua identificação aos 55 anos, certamente a fotografia ali estampada pouco ou mesmo nada terá de semelhante ao seu portador, de modo a tornar a identificação um tanto quanto insegura e justificar a identificação criminal. Como não há no Brasil um prazo de validade para os documentos de identidade, a avaliação deve dar-se com bom senso em cada caso concreto pela Autoridade Policial. É preciso considerar que somente terá lugar a identificação criminal nos casos em que a distância temporal prejudicar realmente a convicção quanto a ser o fotografado no documento a mesma pessoa a ser indiciada. [9]
Finalmente a lei inova ao acrescentar também a hipótese da distância entre a localidade de expedição do documento e aquela em que ele é utilizado. Essa hipótese não constava do correspondente artigo 3º., III, da revogada Lei 10.054/00, que somente tratava do estado de conservação e da distância temporal. A inovação em geral parece inoportuna, pois que dependendo da amplitude interpretativa pode ensejar identificações criminais arbitrárias. Não se justifica, por exemplo, a identificação criminal de alguém que apresente um RG do Acre no Estado de São Paulo, somente baseado na distância entre as localidades. Isso equivaleria a atribuir uma indefinida e inexistente validade espacial aos documentos de identidade expedidos por órgãos oficiais e idôneos dentro do país. [10] Talvez em se tratando de uma identidade estrangeira a dificuldade na aferição da autenticidade e caracteres do documento justifique a aplicação do dispositivo. Entretanto, tal caso poderia ser suficientemente coberto pelo inciso II do mesmo artigo 3º., da nova Lei de Identificação Criminal. Entende-se, portanto, que o legislador andaria melhor se não houvesse acrescentado essa hipótese da distância espacial.
Determina ainda a Lei 12.037/09 que deverão ser juntadas aos autos cópias dos documentos apresentados para identificação dos investigados, ainda que se tenha descartado a liberação da identificação criminal. Conclui-se com isso, como já antes exposto, que os documentos deverão ser apresentados no original, juntando-se posteriormente cópias aos autos. Conclui-se ainda que havendo ou não a liberação da identificação criminal, as cópias dos documentos apresentados deverão obrigatoriamente ilustrar os autos.
Como se vê a Lei 12.037/09 aperfeiçoou o rol de hipóteses previsto na Lei 10.054/00, acrescentando alguns casos interessantes e eliminando algumas impropriedades que acabavam violando a própria proporcionalidade do tratamento do tema. Em geral as alterações foram profícuas, chamando também a atenção a eliminação do inciso VI do artigo 3º., da revogada Lei 10.054/00. Esse dispositivo previa que o indiciado seria identificado criminalmente acaso não comprovasse “em quarenta e oito horas, sua identificação civil”. Fez muito bem a nova legislação em não reproduzir tal dispositivo. Ele era de difícil interpretação e aplicação. Se fosse levado ao pé da letra praticamente tornaria inócuas as restantes disposições do próprio artigo 3º. Ora, a Autoridade teria que, em qualquer caso, conceder um prazo de 48 horas para apresentação de um documento de identificação civil. Então o suspeito não seria identificado criminalmente e após sua liberação poderia simplesmente não retornar ou fornecer o documento, desaparecendo sem deixar rastros. Mesmo que permanecesse preso, em virtude de flagrante, por exemplo, poderia nesse prazo obter liberdade provisória e elidir a devida aplicação da lei. É óbvio que a pessoa não poderia permanecer detida na Polícia por 48 horas com o fito de se realizar sua identificação criminal. Por outro lado, não se levando ao pé da letra a disposição, então ela é que se tornaria inútil, pois que em havendo ocorrência dos casos elencados, a pessoa seria identificada criminalmente e jamais se lhe concederia o prazo previsto em lei, procedimento este que, aliás, era a regra na vida prática.
De outra banda não fez bem o legislador em não repetir o disposto no inciso V, do artigo 3º. , da Lei 10.054/00, que tratava do caso da identificação criminal quando o indiciado apresentasse um documento para o qual houvesse “registro de extravio”. Essa hipótese era bastante útil e salutar, pois que justamente o registro de extravio pode ser um forte indício de que o documento apresentado não seja realmente pertencente ao portador. No entanto, parece que a lacuna pode ser preenchida pelo atual artigo 3º., I, “in fine”, da Lei 12.037/09 que faz menção ao documento contendo “indícios de falsificação” ou ainda pelo inciso II do mesmo dispositivo, que trata da insuficiência do documento apresentado para identificar cabalmente o indiciado. Mesmo assim, o ideal seria a manutenção da previsão expressa do caso de extravio, evitando a necessidade de recurso a um inciso que não retrata exatamente o caso enfocado.
Encerrada a análise das hipóteses legais de identificação criminal do civilmente identificado é de se destacar que nos casos dos incisos, I, II, III, V e VI do artigo 3º., da Lei 12.037/09, bem como na situação em que o suspeito não possui ou apresenta identificação civil (artigo 1º., da Lei 12.037/09 e artigo 5º.,LVIII, CF), a determinação da identificação criminal pode dar-se diretamente por deliberação fundamentada da própria Autoridade Policial, independentemente de ordem judicial ou consulta ao Ministério Público. Já no caso previsto no inciso IV do artigo 3º., da Lei 12.037/09, faz-se mister a representação também fundamentada da Autoridade Policial ou dos demais legitimados ao Juiz que proferirá sua decisão motivada. Somente após o “decisum” judicial é que a identificação criminal poderá ser levada a efeito. A lei não prevê possibilidade de pedido verbal (trata apenas da representação) e muito menos da realização emergencial direta da identificação com posterior corroboração judicial. [11]
Estabelece o artigo 4º. da Lei de Identificação Criminal que a autoridade velará “para evitar o constrangimento do identificado”. É claro que a lei não se refere ao constrangimento natural da providência de identificação criminal. Tratando-se de caso abrigado pela legalidade não há se falar em constrangimento ilegal. No entanto, tem em mira a legislação evitar a espetacularização do procedimento, submetendo o indiciado a exposição desnecessária, mediante exploração midiática ou outras formas abusivas de violação da imagem, da intimidade e da vida privada. [12]
Deve-se salientar que em se tratando de identificação criminal a ser realizada com base na lei a negativa do indiciado à sua submissão pode inclusive configurar os crimes de desobediência (artigo 330, CP) ou, conforme o caso, de resistência (artigo 329, CP). Nos casos de identificação criminal legalmente previstos o indiciado pode ser compelido, inclusive com uso de força moderada, ao procedimento necessário para a prática do ato. Já em se tratando de identificações abusivas, realizadas à margem da lei, eventual resistência oposta não configura nenhuma infração penal e sim exercício de legítima defesa (artigo 25, CP). Muito ao revés, será a Autoridade coatora quem estará incidindo em Abuso de Autoridade (Lei 4898/65, artigo 4º., “b”).
O artigo 5º. , da Lei 11.037/09 determina que a identificação criminal seja datiloscópica e fotográfica, devendo instruir os autos do Flagrante, Inquérito Policial ou qualquer outra forma de investigação criminal. Embora não diga a lei, é importante lembrar que há todo um procedimento administrativo envolvendo a identificação criminal, que tem por principal objeto a alimentação dos bancos de dados policiais. Assim sendo, a identificação criminal não permanece somente nos autos do procedimento investigatório ou do futuro processo, o que tornaria a coleta de dados extremamente dispersa ou pulverizada, não servindo para os fins de inteligência a que se destina. Toda identificação levada a efeito é remetida em cópia aos respectivos institutos de identificação. O ideal inclusive é que num futuro próximo se possam centralizar todos esses dados em um único banco nacional disponível para consulta dos órgãos policiais, ministeriais e judiciários.
Veda-se, nos termos do artigo 6º., da lei de regência a menção, “antes do trânsito em julgado da sentença condenatória”, da identificação criminal ou indiciamento em “atestados de antecedentes ou em informações não destinadas ao juízo criminal”. Trata-se de escorreita homenagem prestada pela lei ordinária ao Princípio da Presunção de Inocência previsto pela Constituição Federal em seu artigo 5º., LVII.
Finalmente também inova a lei prevendo a possibilidade de que, em caso de arquivamento de Inquérito Policial ou sentença absolutória, seja retirada dos autos a identificação fotográfica levada a efeito, mediante a ulterior comprovação de identificação civil. Embora a lei não seja expressa, tal requerimento deverá ser dirigido ao Juiz com a comprovação do arquivamento definitivo ou do trânsito em julgado da decisão absolutória, além de sua identificação civil. É verdade que a lei não estabelece com clareza a quem se deve dirigir o pedido, mas entende-se que seja ao Juiz, pois que o Inquérito Policial já estaria encerrado e remetido a juízo nesse momento, seja no caso de arquivamento ou ainda com mais nitidez no caso de sentença absolutória em que já há inclusive processo criminal. Assim sendo, a Autoridade Policial já teria exaurido sua participação e toda e qualquer decisão ficaria a cargo do Judiciário. Neste caso também não prevê a lei que o Juiz necessite ouvir previamente o Ministério Público para tomar sua decisão. Entretanto, é de se concluir que de acordo com a praxe forense tal medida será quase que invariavelmente levada a efeito, o que, aliás, embora não legalmente estabelecido, é extremamente salutar e aconselhável, considerando a posição ministerial de “custos legis”. O pedido de retirada da identificação fotográfica, inobstante o silêncio da lei, deverá ser formulado por advogado constituído, dativo, nomeado ou defensor público, dotado de “jus postulandi”, não podendo ser procedido diretamente pelo indiciado ou réu. Tratando-se de interesse individual também é de se concluir que não caberá ao Ministério Público formular o referido pedido em nome do indiciado ou réu, mas apenas opinar acaso assim o entenda conveniente o Juiz, abrindo-lhe vista para manifestação.
Em caso de decisão condenatória final não caberá o pedido de retirada da identificação fotográfica dos autos em nenhum momento por ausência de previsão legal.
Observe-se ainda que a lei permite a retirada tão somente da identificação fotográfica, não fazendo menção aos demais expedientes que compõem a identificação criminal, tais como Boletins de Identificação, Individuais Datiloscópicas, Qualificação e Vida Pregressa. Ocorre que a retira da fotografia é realizada em atenção à preservação da imagem da pessoa, sem haver prejuízo aos informes constantes dos autos, enquanto que os demais expedientes elaborados podem prejudicar o conteúdo informativo.
Situação que pode gerar dúvida é aquela da concessão de “Perdão Judicial”. Discute-se a natureza jurídica da sentença que concede Perdão Judicial ao réu. Há basicamente quatro entendimentos:
a)Sentença condenatória;
b)Sentença condenatória “sui generis” (não gera reincidência – artigo 120, CP);
c)Sentença Absolutória;
d)Sentença declaratória de extinção de punibilidade.
Tem prevalecido o entendimento quanto a tratar-se de “sentença declaratória de extinção de punibilidade”. Se a prevalência fosse por tratar-se de sentença condenatória ou condenatória “sui generis”, o pedido de retirada da identificação fotográfica seria obviamente inviável. Também se fosse pela natureza de sentença absolutória, seria claro que o pedido seria viável. Mas, a situação se complica na medida em que o entendimento prevalente é de que se trata de mera “sentença declaratória”, portanto nem absolutória nem condenatória.
Os posicionamentos acerca do tema possivelmente deverão cindir-se entre duas correntes:
a)A daqueles que entenderão impossível o pedido por ausência de previsão legal no artigo 7º., da Lei 11.037/09, que somente trata do arquivamento do Inquérito Policial e da sentença absolutória;
b)A daqueles que sustentarão ser possível o pedido, inobstante a falta de previsão legal expressa em uma interpretação favorável ao réu e ao seu interesse na preservação de sua imagem (Princípio do “Favor Rei”).
A última opção parece ser a mais consentânea com o espírito da lei, dos princípios que regem o processo penal e o direito penal e das garantias constitucionais envolvidas (dignidade da pessoa humana, preservação do direito à imagem etc.). Vedar o direito ao pedido de retirada do material fotográfico ao réu beneficiado pelo Perdão Judicial somente pelo fato de haver o legislador olvidado tal hipótese na letra da lei, reflete uma interpretação legalista e formal que não parece ser a mais adequada ao caso enfocado.
Enfim, pode-se afirmar que a Lei 12.037/09, num cômputo geral, constitui um considerável avanço no que se refere ao regramento da Identificação Criminal no ordenamento jurídico brasileiro, especialmente quando ao devido equilíbrio e proporcionalidade no trato da matéria com acurada atenção para a adequação do texto ordinário aos ditames constitucionais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. A nova regulamentação da identificação criminal. São Paulo: Boletim IBCCrim. n. 100, mar., p. 9, 2000.
CABETTE, Eduardo Luiz Santos. A inconstitucionalidade do artigo 3º., I, da Lei 10.054/2000. Lei de Identificação Criminal. Disponível em www.jusnavigandi.com.br , acesso em 03.10.2009.
SOBRINHO, Mário Sérgio. A identificação criminal. São Paulo: RT, 2003.
[1] O mesmo raciocínio valeria para o Certificado de Reservista.
[2] CF, artigo 5º., LVIII: “o civilmente identificado não será submetido a identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei” (grifo nosso).
[3] As pessoas seriam identificadas criminalmente, mesmo sendo civilmente identificadas se fossem investigadas por “homicídio doloso, crimes contra o patrimônio praticados mediante violência ou grave ameaça, crime de receptação qualificada, crimes contra a liberdade sexual ou crime de falsificação de documento público”.
[4] Em trabalho anterior já se apontava a inconstitucionalidade do referido dispositivo: CABETTE, Eduardo Luiz Santos. A inconstitucionalidade do artigo 3º., I, da Lei 10.054/2000. Lei de Identificação Criminal. Disponível em www.jusnavigandi.com.br , acesso em 03.10.2009. Ver em contrário, defendendo a constitucionalidade do dispositivo, tendo em vista a admissão do critério da simples gravidade do delito utilizado pelo legislador: BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. A nova regulamentação da identificação criminal. São Paulo: Boletim IBCCrim. n. 100, mar., 2000, p. 9.
[5] Lei 9034/95. Artigo 5º. “A identificação criminal de pessoas envolvidas em ação praticada por organizações criminosas será realizada independentemente da identificação civil”.
[6] Em geral esses dados qualificativos mínimos são aqueles que permitem uma pesquisa civil ou criminal nos sistemas informatizados do Judiciário e das Polícias, inclusive para confirmação da identificação apresentada: nome, filiação, data de nascimento, naturalidade e nacionalidade. Numa qualificação completa costuma-se constar ainda a cor, o estado civil, a profissão, endereços residencial e profissional, telefones entre outros dados.
[7] A superação definitiva da existência de RGs diversos em unidades diferentes da federação somente ocorrerá com a adoção de uma identidade única e nacional.
[8] Sem prejuízo da inexigibilidade legal, é de se constatar que normalmente os Juízes, por seguimento de uma praxe, irão abrir vistas ao Ministério Público para manifestação prévia, o que em nada prejudica o procedimento. Trata-se de uma deferência à função ministerial de fiscal da lei.
[9] Sobrinho salienta que a falta de um marco temporal torna o dispositivo aberto e propício a divergências de atuação, o que prejudica a segurança jurídica e põe em risco a defesa dos direitos individuais, abrindo campo ao arbítrio. Há países como Portugal e Espanha que estabelecem prazos legais de validade para os documentos de identidade, os quais devem ser renovados periodicamente (cinco anos, dez anos etc.), podendo servir de modelo ao Brasil. SOBRINHO, Mário Sérgio. A identificação criminal. São Paulo: RT, 2003, p. 174 – 175.
[10] Anote-se que embora haja diferentes institutos de identificação em cada unidade da federação, os documentos expedidos têm validade nacional, nada justificando qualquer discriminação espacial entre eles. Neste sentido: SOBRINHO, Mário Sérgio. Op. Cit. , p. 174.
[11] Lembre-se ainda da possibilidade de determinação fundamentada de ofício pelo próprio Juiz, independentemente de provocação.
[12] Imagine-se um procedimento de identificação criminal com fotos e coleta de impressões digitais, sendo filmado ao vivo em rede nacional por uma emissora de televisão.
Delegado de Polícia, Mestre em Direito Social, Pós - graduado com especialização em Direito Penal e Criminologia, Professor de Direito Penal, Processo Penal, Criminologia e Legislação Penal e Processual Penal Especial na graduação e na pós - graduação da Unisal e Membro do Grupo de Pesquisa de Ética e Direitos Fundamentais do Programa de Mestrado da Unisal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Comentários iniciais à nova Lei de Identificação Criminal - Lei 12.037/2009 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 out 2009, 08:25. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/399/comentarios-iniciais-a-nova-lei-de-identificacao-criminal-lei-12-037-2009. Acesso em: 24 nov 2024.
Por: Adel El Tasse
Por: Eduardo Luiz Santos Cabette
Por: Eduardo Luiz Santos Cabette
Por: RICARDO NOGUEIRA VIANA
Por: Eduardo Luiz Santos Cabette
Precisa estar logado para fazer comentários.