O trágico desfecho do seqüestro de Eloá Cristina Pimentel, 15 anos, morta com dois tiros pelo ex-namorado Lindemberg Alves, 22, após cinco dias em cativeiro na cidade de Santo André (SP), exige reflexões sobre a estratégia e a tática aplicadas pela Polícia Militar de São Paulo, para correção de erros e aperfeiçoamento da ação policial.
À primeira vista, percebem-se falhas na ação policial, como a permissão de retorno ao cativeiro de uma vítima que já havia sido libertada, o que serviu para elevar o moral do perpetrador da situação crítica, e a falta de monitoramento ambiental com micro-câmeras e transmissores. No entanto, vou me ater ao relacionamento da Polícia com a mídia, uma das nossas áreas de atuação, essencial no processo de gerenciamento de crises.
De longe, a impressão é que faltou um profissional de imprensa ou relações públicas, especializado em crises, para fazer a interlocução com a mídia. Como nas Olimpíadas de Munique, em 1972, os jornalistas trabalharam como quiseram, como se aquilo fosse uma brincadeira e não houvesse vidas em jogo. Fizeram seu trabalho, evidentemente. Cabia ao representante do gerente da situação crítica negociar com a imprensa os limites da cobertura, delimitar um perímetro para acesso e evitar cobertura ao vivo na área do cativeiro.
Como na atividade de Inteligência, o conhecimento é a matéria-prima com que trabalha a mídia para a produção de notícias.
Para se manter viva, a mídia buscará a notícia com sofreguidão, gerando um antagonismo com os objetivos da missão policial. O antagonismo reside no fato de que a mídia é capaz de remover montanhas para alcançar a informação almejada, enquanto a instituição tem a responsabilidade de proteger os conhecimentos sensíveis que, uma vez divulgados, comprometam a segurança coletiva e a própria instituição.
É o que ocorre numa situação de crise.
Há crise estratégica quando ocorre a revelação de uma informação, uma acusação ou um conjunto de circunstâncias que ameaçam a integridade, o prestígio ou a sobrevivência da organização. Algo que ela não pode resolver por si mesma.
A crise tática é a mais comum, enfrentada no dia a dia das ações policiais, como seqüestros com reféns, motins em presídios, manifestações, greves, invasões de propriedades públicas e particulares.
O professor Ângelo Salinac (2001) faz uma diferenciação entre crise e situação crítica, sendo aquela originada por esta. Assim, um fato envolvendo reféns caracteriza uma situação crítica e a ruptura do equilíbrio social decorrente caracteriza a crise.
Castro Neves, em Crises empresariais com a opinião pública, observa que a palavra crise vem do grego krisis (decisão, julgamento), sendo parente do verbo krinein (julgar, decidir, separar).
Entende crise como um momento crítico, decisivo, que normalmente sucede a uma ruptura do status quo. Usada primeiramente pela Medicina como "o momento que define a evolução de uma doença para a cura ou para a morte, a palavra crise passou a representar também, em áreas como economia, política, sociologia, história, psicologia etc., momentos em que as coisas saem dos trilhos e não se tenha total controle sobre os desdobramentos.
A primeira providência adotada pela mídia é a ampliação dos recursos de comunicação para a cobertura do evento crítico.
No início da crise, o interesse da mídia concentra-se em saber sobre danos ocorridos, vítimas, responsabilidade etc. Em seguida, começa a especular, buscar precedentes, fazer associações.
O delegado e professor Geraldo Luiz Nugoli, diretor da Academia de Polícia Civil do Distrito Federal e especialista em gerenciamento de crises, ensina que, com a dinamização dos meios de comunicação, até as situações policiais rotineiras acabam se tornando críticas, principalmente pela ingerência da mídia, fato que expõe a força policial responsável, no exato momento da ação, ao crivo direto da opinião pública.
Ressalta que a presença da imprensa em locais de crise acaba por atrair curiosos, políticos, organizações governamentais e não-governamentais de direitos humanos, representantes religiosos, oportunistas etc. Todos querem dar sua opinião e acabam, muitas vezes, pressionando as forças responsáveis para que ajam dessa ou daquela maneira.
Recomenda que os responsáveis pela administração do evento crítico não devem ter contato direto com a imprensa, pois suas atenções deverão estar totalmente voltadas para a solução do problema. Assim, deverá ser mantido um serviço destinado ao fornecimento de informações aos meios de comunicação, propiciando aos administradores da situação crítica maior liberdade para a execução dos trabalhos, sem ter suas atenções desviadas para outro objetivo que não seja o sucesso da operação.
As informações fornecidas à imprensa devem ser cautelosas e ponderadas. Não se deve, por exemplo, permitir que a imprensa tenha conhecimento sobre os planos e intenções da polícia, bem como devem ser adotadas medidas que dificultem possíveis filmagens ou registros fotográficos das ações desenvolvidas.
Reféns e suspeitos presos não devem ser entrevistados pela imprensa, antes da adoção de todas as formalidades legais necessárias.
Os policiais da unidade tática devem ter a sua identidade preservada, no tocante aos meios de comunicação, sendo recomendável para eles o de balaclavas (gorro confeccionado normalmente com malha de lã, misturada com tecidos elásticos, que se veste de forma ajustada na cabeça até o pescoço). Os ensaios realizados pela unidade tática não podem ser filmados.
Após a conclusão de todos os trabalhos relacionados com a administração do evento crítico, é recomendável a divulgação de nota oficial por parte do grupo gestor, apresentando breve relatório sobre as ações desenvolvidas.
As críticas veiculadas por meio da imprensa no decorrer da operação não devem influenciar o processo de tomada de decisões.
No decorrer da operação, se necessário, o grupo gestor poderá destinar uma área para a recepção dos membros da imprensa, posto que jamais poderão ser recebidos no posto de comando. A mídia e quaisquer outras pessoas não envolvidas diretamente no desfecho da operação deverão ser mantidas fora do perímetro interno.
Salinac e Thomé (ob. cit., p. 36) assinalam que a melhor maneira de conter o ímpeto da imprensa, em situações policiais críticas, é garantir-lhe o acesso às informações disponíveis. Para isso, deve-se providenciar uma fonte – o assessor de comunicação social, atividade a ser exercida por policial com formação específica.
Os autores enumeram uma série de providências a serem adotadas pelo assessor de comunicação social, como a montagem de uma sala especial para a imprensa, não permitir privilégios ou concessões individuais, divulgar as informações permitidas pelo gerente da situação crítica e sugeridas pelo assessor de Inteligência ou pelo Grupo de Negociação, desencorajar ou vedar entrevistas com os criminosos, sensibilizar a opinião pública e exercer a função de relações públicas, recebendo e atendendo políticos e outras autoridades, mantendo-os, com polidez, na área externa recomendada.
Salinac e Thomé chegam a ressaltar que a etapa do relacionamento com a imprensa é uma das mais críticas do Gerenciamento de Crises.
Eles advertem para a necessidade de se filtrar qualquer dado capaz de revelar ou antecipar ações táticas e estratégias de negociação, tendo em vista que os jornalistas não dispõem de treinamento necessário no sentido de distinguir entre fatos que podem ou não causar prejuízo aos trabalhos.
O papel do assessor de comunicação social, destacam os autores, é buscar o equilíbrio entre a necessidade e a obrigação de informar e os cuidados com a disseminação de informações potencialmente perigosas, capazes de colocar em risco a segurança das pessoas capturadas ou dos integrantes do sistema de gerenciamento de crises.
Certamente, a falta de um grupo gestor e, especialmente, de um assessor de comunicação foi decisiva para o resultado desastroso do seqüestro de atletas israelenses na Vila Olímpica de Munique, Alemanha, em 1972. Entre os erros cometidos, a permissão de cobertura ao vivo do evento crítico, sabendo-se que os seqüestradores tinham aparelho de televisão no quarto. Assim, eles viram quando o grupo tático-operacional invadia a vila para libertar os reféns, o que resultou na execução das vítimas.
O filme parece ter sido reprisado em Santo André. Que a tragédia nos sirva de lição.
Delegado de Polícia Civil do Distrito Federal, de que é Diretor de Comunicação; pós-graduado pela Escola de Preparação de Magistrados da Bahia e especialista em Inteligência Estratégica pela Faculdade Albert Eistein/Prospect Intelligence
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FILHO, Miguel Lucena. A comunicação no gerenciamento de crises Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 out 2008, 19:47. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/69/a-comunicacao-no-gerenciamento-de-crises. Acesso em: 22 nov 2024.
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