1. É este o novo dispositivo: “Art. 4º Durante o prazo estipulado para a duração do contrato, não poderá o locador reaver o imóvel alugado. O locatário, todavia, poderá devolvê-lo, pagando a multa pactuada, proporcionalmente ao período de cumprimento do contrato, ou, na sua falta, a que for judicialmente estipulada.”
No direito anterior (Lei n. 8.245/91), estava previsto: “Art. 4º Durante o prazo estipulado para a duração do contrato, não poderá o locador reaver o imóvel alugado. O locatário, todavia, poderá devolvê-lo, pagando a multa pactuada, segundo a proporção prevista no art. 924 do Código Civil e, na sua falta, a que for judicialmente estipulada.”
2. Não se cogita, neste passo, das rescisões previstas em dispositivos específicos (por ilustração: voltadas à falta de pagamento ou à infração contratual), sendo cuidada unicamente a manifestação da vontade do locatário, que pretenda desfazer o negócio que encetou.
A pena prevista no artigo 4º é aplicada em homenagem à força obrigatória dos contratos, que atingiu caráter bem mais amplo e profundo do que o decorrente do tradicional princípio “pacta sunt servanda”.
Óbvio, é incogitável almejar a imposição de grilhões decorrentes de vírgulas postas - até por erro - no texto contratual, que decorreria da aplicação do tradicional instituto sem a esperável largueza de compreensão.
Mas parece hoje impensável, deixar-se de exigir a interpretação do contrato conforme a boa-fé (acredita-se no cumprimento prometido) e diante dos usos de lugar (costuma-se cumprir, ao menos, o prazo avençado), lembrada a letra do artigo 113, do atual Código Civil, mister que traz à tona a demanda pela perfeita execução do pacto.
Uma lembrança histórica reforça a compreensão do que se há de ter por usos invocáveis, aplicáveis: o artigo 1210 do Código Civil antigo remetia, nas hipóteses em que não houvesse estipulação de tempo para a locação, aos usos locais. E Clóvis Beviláqua explicava em seu “Direito das Obrigações”: “Não havendo tempo determinado para a extinção da locação de casas, entende-se que é feita ao mês, por semestre ou por ano, conforme o costume do lugar”, recordando, ao invocar até o Código prussiano, que em cada lugar, há um uso, um costume, uma perspectiva válida.
Em nosso país pode-se sintetizar justa a expectativa de que o contrato de locação seja cumprido, seus termos - inicial e final - respeitados, vindo daí o acerto da previsão de conseqüência para o inadimplemento, em boa sintonia com o sentir social.
3. Pela supressão da menção no novo texto legal, é conveniente resgatar a redação do artigo 924, do Código Civil de 1916: “Quando se cumprir em parte a obrigação, poderá o juiz reduzir proporcionalmente a pena estipulada para o caso de mora, ou de inadimplemento”.
A Lei n. 12.112/09 atualizou a regra locatícia, porquanto superada a referência ao Código Civil antigo, pelo artigo 413, do Código Civil de 2002, com o seguinte teor: “A penalidade deve ser reduzida equitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio”. É, aliás, relevante apontar que, se no regime do código de 1916, o juiz poderia reduzir a pena, sob a regência do código de 2002, ele deverá fazê-lo.
Poderia, evidentemente, o antigo texto das locações, ter deixado de invocar o artigo 924, do Código de 1916 e singelamente prever a proporcionalidade desta multa de caráter compensatório. Aplicando técnica legislativa que à época pareceu preferível, optou-se pela menção ao dispositivo, procedimento agora abandonado, dada supremacia à expressão direta do comando (“...proporcionalmente ao período de cumprimento do contrato, ou, na sua falta, a que for judicialmente estipulada”).
4. Remanesceu proibido ao locador, reaver o prédio durante o curso do período ajustado no contrato.
Percebe-se, regendo todas as modalidades de locação imobiliária urbana, a lei preferiu se manter distante de soluções legislativas que seriam muito convenientes (matéria a merecer alongamento oportuno) às locações não residenciais. E, é bastante discutível, segundo importantes vozes, a exatidão - jurídica e econômica - desse desequilíbrio das situações de locador e locatário, conceito já antigo e que certamente demandará novos estudos.
Por isso, foi abandonada a previsão do artigo 1193 do velho Código Civil (conforme a sua parte final, não poderia o locatário devolver a coisa antecipadamente, “senão pagando o aluguer pelo tempo que faltar”) por sinal, repetida no artigo 571, do Código Civil de 2002. Simplesmente, esta é a norma, o locatário pode devolver o prédio, bastando pagar a multa, proporcional à parte inadimplida.
Por fim, não é novidade, eventual previsão contratual admitindo a resilição unilateral pelo locador reputar-se-á nula.
5. Observe-se, foi mantida a previsão do parágrafo único, do art. 4º: “O locatário ficará dispensado da multa se a devolução do imóvel decorrer de transferência, pelo seu empregador, privado ou público, para prestar serviços em localidades diversas daquela do início do contrato, e se notificar, por escrito, o locador com prazo de, no mínimo, trinta dias de antecedência.”
6. Desde que é válida a estipulação da multa aplicável nesta hipótese, cabe indagar: é possível a previsão de multa de qualquer valor?
A resposta é negativa. Por uma, o artigo 412, do Código Civil, explicita não possa o valor da pena “exceder o da obrigação principal”, mantendo a linha expressa no artigo 920 do antigo Código, retratando assim, a compreensão que se fez tradicional acerca desse tema.
Por duas, cristalizou-se no Judiciário, o conceito mitigador do valor das multas, evitando-se a estipulação que se mostre exorbitante e possa se revelar caracterizadora de enriquecimento ilícito.
Evidentemente, a expressão em pecúnia do que venha a ser desproporcional ou exorbitante é difícil, mas, em vista das fixações reiteradamente decretadas, não se errará ao estimar razoáveis, multas equivalentes ao valor de três a seis aluguéis, pelo descumprimento total do contrato.
O decorrente cálculo proporcional, critério sedimentado por igual, é realizado usualmente pela aplicação de “regra de três”, aritmética (sem embaçar a eventual indenização, tenha-se presente), tomado por base o valor do último aluguel.
7. Em suma: foi mantida a vedação desse direito ao locador, remanesceram os benefícios ao locatário, eliminou-se do texto legal a referência a dispositivo do Código Civil de 1916, manteve-se a certeza de que a devolução prévia ao termo ajustado configura inadimplemento contratual e portanto, é apenável.
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