O contrato de seguro, seja qual for, tem a cobrança do prêmio determinada em razão das características do risco verificadas no momento da efetivação do contrato. Ou seja, o valor a ser pago pelo segurado, projeta as peculiaridades da coisa segurada. No tocante ao seguro incêndio, por exemplo, um imóvel ocupado por moradia apresenta um risco menor do que outro ocupado por uma oficina de estofamento com trabalhos de madeira. Por conseguinte, o seguro da moradia será mais barato que o da oficina.
Do ponto de vista das seguradoras, e dos clientes, de igual modo, tudo estaria bem caso o risco segurado permanecesse com a mesma ocupação durante toda a vigência da apólice. Mas, sabemos que nem sempre isto se passa dessa forma. Muitos riscos são alterados pelo segurado durante a vigência do contrato. Assim ocorrendo, deve o segurado dar imediato aviso à seguradora, nos exatos termos das condições contratuais, as quais, na maioria dos casos, retratam determinação contida em lei, a saber, Código civil Brasileiro, artigo 769:
“O segurado é obrigado a comunicar ao segurador, logo que saiba, todo incidente suscetível de agravar consideravelmente o risco coberto, sob pena de perder o direito à garantia, se provar que silenciou de má-fé.
§ 1o O segurador, desde que o faça nos quinze dias seguintes ao recebimento do aviso da agravação do risco sem culpa do segurado, poderá dar-lhe ciência, por escrito, de sua decisão de resolver o contrato.
§ 2o A resolução só será eficaz trinta dias após a notificação, devendo ser restituída pelo segurador a diferença do prêmio.”
Então, como se depreende da leitura do artigo, o segurado deverá ter condições técnicas, do ponto de vista securitário, para saber o que seja, essencialmente, agravar o risco. E se ele não souber avaliar tal questão? O próprio legislador deu a solução quando aludiu ao fato da presença, ou não, da boa-fé. Se o segurado silenciou de má-fé, certamente perderá o direito à garantia. A prova desse pormenor deverá ser produzida pelo segurador. Isto porque, o consumidor é a parte mais fraca da relação de consumo, mormente em se tratando de contrato de seguro, onde a fronteira entre o que é técnico ou que é jurídico apresenta linha muito tênue.
Numa residência, a simples obra de um “puxadinho”, feito pelo dono da casa para servir de oficina caseira, pode agravar, na linguagem do segurador, o risco. Nesse conseguinte, pode-se argumentar a intenção ou não do segurado em agravar o risco, ou seja, do ponto de vista do segurador, aumentar a probabilidade de incêndio. Certamente que o segurado, na hipótese aludida, em momento algum sequer pensou no assunto, dado à total distância que separa o modo de ver a questão das partes. O segurador enxerga risco em toda a parte, é do seu ofício, já o segurado teria sido movido pelo simples desejo de aumentar a utilização da residência, emprestando-lhe maior utilidade.
E, como resolver essas questões, tão presentes no dia-a-dia da relação segurador-segurado? É simples. Utilizando-se um princípio jurídico, e de formulação natural, qual seja: o princípio da razoabilidade, que é a qualidade do que é razoável, a aplicação do bom senso em sua acepção comum. Os tribunais, quando chamados a resolver questões dessa natureza, decidem nessa direção. Vejamos o julgado abaixo transcrito:
“TIPO DE PROCESSO:Recurso Cível. NÚMERO: 71001398452 RELATOR: Maria José Schmitt Santanna. EMENTA: CONSUMIDOR. AÇÃO DE COBRANÇA. SEGURO RESIDENCIAL. INCÊNDIO. INSTALAÇÃO DE UM SALÃO DE BELEZA NA RESIDÊNCIA OBJETO DO SEGURO. BOA-FÉ DO SEGURADO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO AGRAVAMENTO DO RISCO DO SINISTRO. REFORMA DA SENTENÇA PARA JULGAR PROCEDENTE O PEDIDO. A seguradora ré não comprovou que a instalação de um salão de beleza na casa do autor, em compartimento isolado, agravou o risco do incêndio ocorrido na garagem anexa à casa. Ademais, não pode a seguradora, que recebeu os prêmios durante toda a contratualidade, negar a cobertura por uma suposta irregularidade que poderia ter sido constatada em vistorias, que, a despeito de ser um direito seu, não foram realizadas. Também, o próprio contrato prevê que, na ausência de má-fé do segurado, hipótese dos autos, ele tem direito à cobertura securitária. Diante desse contexto, deve o pedido inicial ser julgado procedente para condenar a ré ao pagamento dos danos enfrentados pelo demandante, todos comprovados mediante documentos idôneos. RECURSO PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA. (Recurso Cível Nº 71001398452, Terceira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Maria José Schmitt Santanna, Julgado em 18/12/2007). PUBLICAÇÃO:Diário da Justiça do dia 21/12/2007. TIPO DE DECISÃO:Acórdão”
Pelo julgado acima depreende-se a visão do judiciário acerca dos fatos ocorridos. O julgador não é nenhum técnico em seguros. Não obstante, à luz da determinação legal, soube visualizar o problema, razoavelmente. A pergunta que pode ria ser feita prende-se ao fato da seguradora ter negado o pagamento da indenização. Teria ela agido com muito rigor? E, porque deixou o caso ir a juízo se sabia que não poderia provar uma suposta ma-fé do segurado? Há duas hipóteses: ou o funcionário da seguradora não foi hábil o bastante na interpretação dos fatos, ou o segurado não soube explicar, de maneira convincente, o porquê do problema. Com toda certeza faltou comunicação, não por falta dos meios, mas, talvez, pela pressa atual que rege os negócios, afinal, eles têm pressa. Fiquemos com essa interpretação.
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