As constantes alterações do Código de Processo Civil, nesses últimos anos, tenho a impressão, são motivadas por pressões dos operadores do direito assustados com a incrível carga de serviços que congestionam as varas e os tribunais com demandas de toda ordem e com inúmeros recursos processuais, ditos intermináveis.
Logo, essas propostas modificativas, a exemplo do que aconteceu com o anteprojeto de lei de execução fiscal administrativa, visam combater os resultados, e não as causas como deveria. Não partem do exame das causas desses congestionamentos, pelo que os males da morosidade não serão removidos. As reformas podem suavizar temporariamente o congestionamento da Justiça, mas, a médio e longo prazos podem aumentar esse congestionamento por conta do reajuizamento de ações extintas por defeito processuais, ou de rejulgamentos das apelações por conta da rejeição sumária dos embargos declaratórios a acarretar nulidade dos acórdãos.
Sempre que se privilegia o aspecto processual, como se o direito processual fosse um fim em si mesmo, há imediato prejuízo da efetiva prestação jurisdicional de conferir a realização do direito material ao seu legítimo titular. Esta é a finalidade ultima da jurisdição, exercida em regime de monopólio estatal pelo Poder Judiciário.
O Poder Judiciário deve preocupar-se mais com o direito material invocado pela parte e menos com o aspecto formal do processo, a fim de conferir efetividade à jurisdição. Se o direito invocado existe, ainda que pleiteado por via processual não totalmente adequado, desde que esse fato não tenha resultado em prejuízo do contraditório e ampla defesa, não há como extinguir o processo sem exame do mérito, principalmente, em segunda instância depois de produzida toda a prova, às vezes, dispendiosa para a parte requerente.
Outrossim, se for para criar tantos empecilhos processuais (legais, regimentais e sumulares) para admissão e conhecimento de recursos à terceira instância é melhor abolir esses recursos. Os tribunais locais consideram a maioria dos recursos de apelação protelatórios, mas levam mais de três anos para julgá-las, quando bastaria três ou quatro dias para decidir monocraticamente tais recursos ditos protelatórios. É que os tribunais não fazem triagem prévia dos processos. Antes a demora era na distribuição dos processos, hoje, a distribuição é feita de imediato, mas só entram na pauta de julgamento três anos após essa distribuição. Por conta disso, maus profissionais investem na morosidade da prestação jurisdicional apresentando recursos protelatórios. Assim, a morosidade, por si só, transforma-se em uma das grandes causas da morosidade da atuação do Judiciário. O dia em que as apelações forem decididos em uma semana nenhum advogado se disporá a apresentar recursos protelatórios, arcando com as pesadas custas judiciais.
Recentemente, tive oportunidade de comentar a Lei n° 12.275, de 29-6-2010 que acrescentou o § 7°, ao art. 899 da CLT, criando a esdrúxula figura do depósito de 50% do valor do depósito recursal para destrancar o agravo de instrumento interposto contra decisão denegatória do recurso de revista. Fiquei sabendo que a citada lei foi aprovada a toque de caixa a pedido do TST que não mais estava dando conta para julgar tantos agravos contra despachos denegatórios de recurso de revista. Ouvi de um dos expositores do anteprojeto que o percentual de agravos providos era mínima, assim como o percentual de recursos de revistas providos. Ora, por que não propôs a abolição do recurso de revista, para dizer o menos?
Tenho para mim que já é chegada a hora de deixar em paz as normas processuais e buscar a agilização da Justiça por outros meios baseados no diagnóstico correto das causas dessa morosidade, algumas delas visíveis. Só os legisladores é que não percebem, porque não freqüentam o Fórum.
Cada vez que há uma greve prolongada dos servidores da Justiça ou mudança de prédio dos órgãos judiciários leva-se de 3 ou 4 anos para voltar à normalidade. Simples fechamento de prédios para sua descupinização, ou em razão de ponto facultativo é suficiente para congestionar os serviços burocráticos dos cartorários, tamanha é a quantidade de petições que são protocoladas diariamente.
Hoje, o tempo médio para efetuar simples juntada de petição aos autos é de 4 a 5 meses. Para expedição do mandado de citação algumas varas levam no mínimo 9 meses, o tempo de uma gestação. Entre a data do despacho que ordena o levantamento da quantia depositada pelo executado e a data da efetiva percepção pelo exeqüente do dinheiro depositado leva-se no mínimo seis meses em muitas Varas[1]. Considerando que esse congestionamento não é uniforme em todas as Varas é forçoso concluir que algo de estranho está acontecendo. Sabemos que as correições periódicas nas Varas transformaram-se em rotinas formais de “vistar” os processos: mais retardam do que agilizam, porque tudo pára enquanto são feitas essas correições. Antes e depois da correição, tudo permanece igual. O processo que estava paralisado por falta de cumprimento do despacho judicial continua paralisado!
Ora, esse tipo de morosidade não se resolve com a reforma do Código de Processo Civil.
Afinal, não há no mundo um sistema jurídico capaz de operar a Justiça, por si só, sem que ninguém bote a mão na massa.
Que se ampliem os quadros da Justiça e se renumere melhor seus servidores, exigindo em troca dedicação exclusiva e integral. Que sejam implementados programas que motivem os servidores e gerem boa vontade acima de tudo, uma mágica que remove até montanhas. Sei disso por experiência. Com escreventes fazendo papel de escrivães, e servidores operacionais fazendo às vezes de escreventes não há como a Justiça funcionar a contento. É preciso que os legisladores reformadores conheçam a realidade judiciária do País.
Por derradeiro, repita-se, alterações no CPC só tendem a conspirar contra o princípio da efetivação da jurisdição municiando os aplicadores da lei com instrumentos normativos que permitem não apreciar o mérito da ação que, diga-se de passagem, é trabalhosa e estafante. Negar conhecimento ao recurso é o caminho mais fácil para agilizar o processo, só que não cumpre a finalidade da atividade jurisdicional.
Nós advogados sabemos que os embargos declaratórios por omissão quase sempre são rejeitados por meio de um acórdão padrão que diz mais ou menos o seguinte: “Quando o juiz encontrou um fundamento para decidir a demanda não é obrigado a exaurir o exame dos demais argumentos”.
Apesar de todos saberem que o prequestionamento é indispensável para a interposição do RE ou do Resp esse tipo de decisão é o mais freqüente. É claro que isso contribui para a morosidade do Judiciário, porque se a parte interpuser o recurso requerendo a nulidade do acórdão por negativa de vigência do art. 535, I, do CPC o processo voltará ao tribunal de origem para novo julgamento. O mesmo acontece quando o processo é extinto sem exame do mérito em nome da pureza do direito processual. Provido o recurso o processo volta ao tribunal de origem. Desprovido o recurso a parte proporá nova ação judicial, agora, enfrentando matéria nova, a eventual prescrição da ação. E assim vai congestionando a Justiça de forma desnecessária.
Por tais razões, sou contra a elaboração de um novo Código de Processo Civil a menos que a reforma leve para o caminho da deformação drástica do processo. O processo deve conter regras mínimas para regular as partes em juízo. O direito processual é mero instrumento para a realização do direito material. Um direito processual que aniquila o direito material, porque impede sua concretização a tempo, não encontra guarida no texto constitucional. Acredito mais na reforma administrativa do Judiciário do que na reforma do Código de Processo Civil.
[1] Tivemos um caso peculiar em nosso escritório. A Prefeitura de São Paulo procedeu a favor de uma cliente nossa o depósito referente à RPV comunicando o fato à Receita Federal. Decorrido mais de um ano a cliente não havia logrado levantar o dinheiro depositado por conta da burocracia forense e falta de vontade dos servidores. Foi intimada pela Receita Federal para explicar a omissão da receita auferida em sua declaração anual do imposto de renda. Foi preciso juntar cópias do processo judicial para comprovar a não percepção da receita.
SP, 4-3-11.
* Jurista, com 22 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.
Site: www.haradaadvogados.com.br
E-mail: [email protected]
Advogado em São Paulo (SP). Mestrado em Teoria Geral do Processo pela Universidade Paulista(2000). Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Membro do Conselho Superior de Estudos Jurídicos da Fiesp. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo. Site:www.haradaadvogados.com.br
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: HARADA, Kiyoshi. Reforma do Código de Processo Civil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 mar 2011, 09:16. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/856/reforma-do-codigo-de-processo-civil. Acesso em: 26 nov 2024.
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