Coautor: George Felipe de Lima Dantas
A questão das drogas de uso ilícito pode ser associada ao importante problema do crime, expressão de um fenômeno de múltiplas implicações e hoje “rampante” na sociedade brasileira. O narcotráfico é parte de tudo isso, corrompendo a saúde física e psicossocial dos membros da nação brasileira (principalmente os mais vulneráveis, excluídos, adolescentes e crianças), até mesmo ameaçando esfacelar politicamente o próprio Estado e suas instituições, como ficou bem demonstrado no terror instalado no Rio de Janeiro ao final de 2010 e em São Paulo em 2006. Se o Brasil não possui atualmente “inimigos externos”, abriga no seu próprio território uma ameaça significativa contra os interesses nacionais – organizações criminosas protagonistas do narcotráfico.
A expressão perversa do narcotráfico está materializada em problemas, padrões e tendências relativos ao crime, criminosos e questões conexas, incluindo até mesmo os homicídios incidentes na capital federal do Brasil. Em 2011, tomando uma retrospectiva da série histórica 2007-2011, é significativa a taxa de 23,4% (2007) de homicídios ocorridos no Distrito Federal, direta ou indiretamente resultantes da questão das drogas. Isso inclui motivações relativas ao uso e acerto de contas resultantes de “negócios mal resolvidos” envolvendo as drogas de uso ilícito. Tais motivações se sobrepõem, desde algum tempo, a todas as demais motivações pelas quais se mata e morre criminosamente, até mesmo na própria sede dos três poderes do país. E isso ocorre em plena capital, sede política em que está vigente o Estado Democrático de Direito e em funcionando normal as instituições do sistema de justiça criminal.
Como já foi referido antes, “o dinheiro é o sangue que corre nas veias do narcotráfico”. E é o incentivo econômico que fez com que ele, narcotráfico, tenha se mantido como uma atividade em expansão no mundo em geral e no Brasil em particular. Diante do estímulo do ganho correspondente, o narcotráfico é uma atividade ilícita que assume múltiplas faces simuladas e dissimuladas, mudando, improvisando, migrando e muitas vezes prevalecendo no constante enfrentamento com as forças do Estado. Ele passou a ser um “negócio global”, tido hoje como uma atividade transnacional complexa e agressiva, contra a qual não existe ainda uma estratégia de oposição plenamente efetiva, eficaz e eficiente. Não é por outra razão que o combate ao crime organizado tenha estado presente, de maneira direta ou indireta, nos pronunciamentos inaugurais da presidenta da república e do seu ministro da justiça, no Brasil de janeiro de 2011.
O Brasil não está só em relação ao enfrentamento do problema do narcotráfico. Moisés Naím, especialista venezuelano no tema da globalização, sugere a infiltração do narcotráfico em entidades tão importantes quanto partidos políticos, grandes negócios legítimos, mídia e até mesmo entidades filantrópicas. Ou seja, o século XXI, mantidos os problemas, padrões e tendências atuais do crime global, será um tempo em que uma espécie de “leviatã criminoso” estará cada vez mais dissimulado e atuante. Em seu mimetismo criminoso ele hoje atua entre as mais diversas organizações supostamente legítimas da esfera política, econômica e não-governamental.
A evolução das organizações de segurança pública ou justiça criminal do Brasil e do restante do mundo vem dando saltos qualitativos importantes desde a década de 1980. Tal processo engloba novos valores eleitos pela gestão do setor, assim incluindo desde o chamado “policiamento comunitário”, passando por suas derivações com o “policiamento orientado por problemas” e “policiamento guiado pela inteligência”, para chegar contemporaneamente ao “policiamento inteligente”, “policiamento baseado em evidências” e, mais atualmente ainda, com o chamado “policiamento preditivo”. Todos esses modelos de gestão, em maior ou menor grau, envolvem o estreitamento das relações com a comunidade e, invariavelmente, um incremento no conhecimento dos problemas de segurança pública e respectivos padrões e tendências. Inteligência, informação e conhecimento são palavras-chave da gestão moderna da segurança pública.
Com todos os saltos qualitativos tentados e efetivamente realizados, existem ainda sérios fatores adversos à efetividade da segurança pública no que tange o controle do narcotráfico e do respectivo “crime organizado”. São fatores da conjuntura técnica que afetam a “produtividade total” do sistema de justiça criminal. Devido a uma atuação ramificada do narcotráfico, inclusive vinculado a outros crimes, as políticas, procedimentos e ações de controle precisam estar dirigidos segundo uma visão a mais contextual possível, abrangendo todos os componentes do sistema de justiça criminal de maneira integrada e sob o signo da interoperabilidade. A chamada “fusão da informação” é a síntese de tudo isso. Na prática, alguns dos principais problemas por serem superados estão entre os seguintes:
• Fragmentação do conhecimento com a prevalência de informações isoladas;
• Ações de controle empreendidas sem uma coordenação;
• Falta de visão contextual de natureza global do fenômeno do narcotráfico;
• Ausência de diretrizes e estratégias nacionais para repressão e controle;
• Falta de avaliação sistemática, a partir dos “produtos de inteligência”;
• Ausência de monitoramento de fatos relacionados ao fenômeno e sua evolução, e;
• Superposição de ações de repressão e controle, com uma perda decorrente na efetividade contra fornecedores e financiadores das organizações criminosas do narcotráfico.
Para superar a questão da fragmentação do conhecimento e torná-lo efetivamente disponível, é necessário interação, comunicação, transparência e integração entre pessoas e setores das instituições do sistema de justiça criminal. É o caso, por exemplo, ao tornar o conhecimento individual em conhecimento coletivo institucional, o qual por sua vez terá efeito multiplicador pela coordenação das ações e imediata potencialização das respectivas atividades sistêmicas.
É preciso situar informações e dados em seu contexto, para que assim eles adquiram sentido. As organizações policiais do Brasil têm um imenso repositório de informações, mas ainda assim, não é uma prática consolidada o desenvolvimento de ciclos de gestão, captura e disseminação de conhecimento compartilhado – a “fusão da informação” ainda não é uma realidade. Na verdade, apesar dos esforços, a mentalidade ou “cultura institucional” das organizações policiais permanece sob os efeitos da fragmentação, o que possibilita a existência de silos ou bolsões isolados de informação. Existe a informação e o potencial de com ela solucionar os mais diversos e complexos problemas relativos ao crime e narcotráfico. Para o sistema de justiça criminal como um todo, entretanto, persiste um "estágio cultural interinstitucional" em que inexiste um verdadeiro conhecimento consolidado, porquanto carece de estar distribuído coletivamente.
De uma maneira geral, as considerações aqui apontadas militam em prol da satisfação das expectativas do cidadão brasileiro ou brasiliense, e que hoje espera ansiosamente por uma gestão de maior impacto do sistema de segurança pública e das polícias no encaminhamento de soluções para o problema do crime em geral e do narcotráfico em particular.
O raciocínio organizacional mostra que a investigação criminal direcionada ao tráfico de drogas deve absorver os mais modernos métodos de Inteligência Policial e respectivas técnicas e tecnologias, ampliando assim a capacidade institucional e pareando-a com as forças que precisa confrontar. Com uma visão sistêmica do processo, ficam estabelecidas as condições para a organização se antecipar aos fenômenos (capacidade preditiva), principalmente pelo uso da análise de inteligência e conseqüente monitoramento, possibilitando um processo de tomada de decisão o mais efetivo possível. A integração do conhecimento se mostra como fundamental para a construção de um grande “cérebro virtual institucional”, repositório de conhecimento indutor de efetividade no controle sobre a questão das drogas e demais problemas de segurança pública.
Dantas e Ferro, em trabalho publicado ainda em 2006, já apontavam que as organizações policiais que dispõem de sistemas informacionais corporativos próprios e acesso a outros sistemas de domínio público (“fontes abertas”, incluindo a Internet, web ou “rede mundial de computadores) passam a ter uma capacidade cognitiva diferenciada e maior efetividade institucional. Apesar de tudo isso, muitas das instituições permanecem com a sensação de estarem mal informadas vis-à-vis seus oponentes das organizações criminosas. Os administradores e analistas de informação freqüentemente suspeitam que o conhecimento que precisam existe, não sabendo precisar aonde. O que falta, percebem eles, é uma maneira de acessar o ambiente daquele conhecimento específico, bem como identificar outros tipos específicos de conhecimento correlato, tanto interna quanto externamente, em relação ao tema explorado e investigado.
Assim é que a evolução da atividade policial depende hoje e cada vez mais da capacidade de se instituir um modelo de gestão do conhecimento voltado para a convergência da informação. Para tanto, é necessária uma nova visão holística e contextual, fazendo com que o conhecimento esteja disponível para diversas organizações inteiras, todo tempo, o tempo todo. E isso só pode ocorrer com estratégia, infra-estrutura tecnológica e capacidade decisória decorrentes de métodos e processos que viabilizem o entendimento de situações cada vez mais complexas, flexíveis e desdobradas no tempo e no espaço. É preciso uma nova cultura que contraponha um passado de isolamento com um presente de unidade e fusão e que, ao invés de dividir e apartar em nichos de poder, aproxime, some e integre... É preciso mudar.
Publicado originariamente em: http://www2.forumseguranca.org.br
Advogado. Pesquisador, Consultor em Direito Digital, Segurança, Inteligência Empresarial, Lei Geral de Proteção de Dados e Operações de Informação. Doutorando em Direito Constitucional pelo IDP, Mestre em Gestão do Conhecimento e Tecnologia da Informação pela Universidade Católica de Brasília - UCB. Delegado de Polícia Civil do Distrito Federal no período de 1981/2009. Graduado em Direito pela AEUDF (atual UDF) em 1987. Especialista em Inteligência Estratégica - UNIEURO, Especialista em Gestão de Tecnologia da Informação - UNB, Especialista em Polícia Judiciária - UCB e em Gestão da Informação Policial - PCDF. Especialista no Ciclo de Estudos de Política e Estratégia - ADESG/DF, Coordenador e professor em Cursos de Graduação e Pós Graduação Lato Sensu. Concentração de estudos em Direito Digital, Inteligência Artificial, Gestão do Conhecimento, Inteligência Policial, Inteligência Tecnológica, Cognição Investigativa, Fusão da Informação e Inteligência Organizacional. Escritor e Conferencista em vários Seminários e Eventos Nacionais e Internacionais sobre Segurança Pública e Inteligência.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CELSO MOREIRA FERRO JúNIOR, . Bases essenciais de uma estratégia de controle do crime e do narcotráfico Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 mar 2011, 06:56. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/863/bases-essenciais-de-uma-estrategia-de-controle-do-crime-e-do-narcotrafico. Acesso em: 24 nov 2024.
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