Introdução
Diante dos ditames da Magna Carta, sentido de privilegiar a família (qualquer seja o seu modelo), considerando-a como base da sociedade, atualmente, a doutrina e a jurisprudência pátria tem se inclinado no e conceder a remoção por união de cônjuges, independentemente de eventual (lesão de) interesse da Administração Pública.
Noutras palavras, numa interpretação sistemática dos princípios constitucionais, uma vez preenchidos os requisitos legais, tem-se priorizado os laços familiares.
Conceito de remoção
Em linhas gerais, a remoção pode ser considerada como o deslocamento do servidor ocupante de cargo de provimento efetivo, a movimentação de um funcionário de uma para outra unidade administrativa, respeitados o cargo e a lotação.
Este é o teor do artigo 36 da lei 8112/90:
“Art. 36. Remoção é o deslocamento do servidor, a pedido ou de ofício, no âmbito do mesmo quadro, com ou sem mudança de sede.
Parágrafo único. Dar-se-á a remoção, a pedido, para outra localidade, independentemente de vaga, para acompanhar cônjuge ou companheiro, ou por motivo de saúde do servidor, cônjuge, companheiro ou dependente, condicionada à comprovação por junta médica.”
A remoção pode ocorrer por diversas formas: a pedido do servidor interessado, de ofício, por motivo de saúde do servidor ou dependente, por união de cônjuges, etc.
Da proteção da família como fundamento à remoção por união de cônjuges
A remoção por união de cônjuges se assenta no princípio constitucional de proteção à família.
O artigo 226, a Constituição Federal de 1988, garante proteção especial e privilegiada à entidade familiar:
“Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”. (grifos nossos)
Nos dizeres de Edson Teixeira de Melo, fica clara a noção de proteção da família como um direito superindividual, um valor constitucionalmente garantido em razão da tutela da própria dignidade humana (2006):
“A família foi reconhecida como base da sociedade e recebe proteção do Estado, nos termos dos artigos 226 e seguintes. A família como formação social, na visão de Pietro Perlingieri, é garantida pela Constituição não por ser portadora de um direito superior ou superindividual, mas por ser o local ou instituição onde se forma a pessoa humana. A família é valor constitucionalmente garantido nos limites de sua conformação e de não contraditoriedade aos valores que caracterizam as relações civis, especialmente a dignidade humana: ainda que diversas possam ser as suas modalidades de organização, ela é finalizada à educação e à promoção daqueles que a ela pertencem.O merecimento de tutela da família não diz respeito exclusivamente às relações de sangue, mas, sobretudo, àquelas afetivas, que se traduzem em uma comunhão espiritual e de vida."
Ora, se a família deve receber tutela especial do Estado, é cediço que o servidor público tem direito a permanecer nas proximidades de seus parentes, em especial, de seu cônjuge.
O Estado não pode, contraditoriamente, por o servidor pública em uma situação em que tenha que optar pelo seu sustento ou a convivência familiar!
Dos requisitos necessários para a remoção por união de cônjuges
Inicialmente, já afirmamos que a remoção por união de cônjuges tem fundamento constitucional.
Por hora, destacaremos os dispostos constantes na legislação federal e, especial na Constituição Federal do Estado de São Paulo, que aclaram, efetivamente, os requisitos da remoção por união de cônjuges.
A legislação federal trata do pedido de remoção dos funcionários públicos no artigo 36 da lei 8.112/90:
“Art. 36. Remoção é o deslocamento do servidor, a pedido ou de ofício, no âmbito do mesmo quadro, com ou sem mudança de sede. Parágrafo único. Para fins do disposto neste artigo, entende-se por modalidades de remoção: I - de ofício, no interesse da Administração; II - a pedido, a critério da Administração; III - a pedido, para outra localidade, independentemente do interesse da Administração: a) para acompanhar cônjuge ou companheiro, também servidor público civil ou militar, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, que foi deslocado no interesse da Administração; b) por motivo de saúde do servidor, cônjuge, companheiro ou dependente que viva às suas expensas e conste do seu assentamento funcional, condicionada à comprovação por junta médica oficial; c) em virtude de processo seletivo promovido, na hipótese em que o número de interessados for superior ao número de vagas, de acordo com normas preestabelecidas pelo órgão ou entidade em que aqueles estejam lotados”.
A seu turno, a Constituição do Estado de São Paulo, em seu artigo 130, claramente assegura ao servidor público, o direito de remoção para igual cargo ou função do lugar da residência do cônjuge, se este também for servidor e se houver vagas no local do destino:
“Art. 130. Ao servidor será assegurado o direito de remoção para igual cargo ou função no lugar de residência do cônjuge, se este também for servidor e houver vaga, nos termos da lei”. (grifos nossos)
Ademais, os artigos 234 e 235 do Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado de São Paulo (Lei 10.261/68) regulamentam o direito dos funcionários públicos de remoção, para igual cargo, no local de residência do cônjuge, se este também for funcionário e houver vagas disponíveis. In verbis:
“Artigo 234 - Ao funcionário é assegurado o direito de remoção para igual cargo no local de residência do cônjuge, se este também for funcionário e houver vaga”. (grifos nossos)
“Artigo 235 - Havendo vaga na sede do exercício de ambos os cônjuges, a remoção poderá ser feita para o local indicado por qualquer deles, desde que não prejudique o serviço”. (grifos nossos)
Toda a celeuma doutrinária e jurisprudencial sobre a possibilidade de remoção por união de cônjuges se assenta no suposto confronto existente entre a Carta Fundamental do Estado de São Paulo e o artigo 235 do Estatuto dos Funcionários Civis do Estado de São Paulo.
Releve-se que, de acordo com a Constituição paulista, emanam só duas condições a serem consideradas para a concessão da remoção por união de cônjuges: 1) Ambos os cônjuges devem ocupar cargo público; 2) A existência de vagas no local do destino. Entretanto, o Estatuto dos funcionários insere a restrição “desde que não prejudique o serviço público”.
É neste contexto que, dentro da esfera de proteção ao direito da família, tem se considerado o artigo 235 do Estatuto dos Funcionários Civis do Estado de São Paulo como não recepcionado pelas Constituição Federal e Constituição do Estado de São Paulo.
Ora, não pode ser considerada como prioritária a inexistência de prejuízo ao serviço público quando presentes os demais requisitos legais (cargo público efetivo e vagas)! A melhor doutrina esclarece que o artigo 235 do Estatuto dos Funcionários Públicos de São Paulo não pode colidir com os mandamentos da Carta Estadual, que é clara em seus dois únicos requisitos. O direito à família (e a sua convivência) prevalece sobre eventual interesse da Administração Pública.
O próprio Supremo Tribunal Federal já decidiu a respeito, privilegiando a união dos cônjuges:
“UNIÃO DOS CONJUGES. LEI PAULISTA. DIREITO PREFERENCIAL A REMOÇÃO. CONSTITUCIONALIDADE DA LEI 497, DE 1949, ART. 12 . (STF – Mandado de Segurança – MS nº 9678, Relator: Ribeiro da Costa – Orgão Julgador: Tribunal Pleno). (grifos nossos)
Neste diapasão, é interessante a transcrição de recente decisão exarada pela Comarca de Pirajuí - SP, em 29 de novembro de 2010 (em sede de Mandado de Segurança), que asseverou que só existem duas condições para a concessão da remoção por união de cônjuges e que o artigo 235 do Estatuto dos Funcionários Públicos de São Paulo nem teria sido recepcionado pela Constituição Federal de São Paulo:
“(...) A Constituição do Estado de São Paulo, no artigo 130, assegura, ao servidor, o direito de remoção para igual cargo ou função do lugar da residência do cônjuge, se este também for servidor e se houver vaga no local do destino. Como se vê, a Constituição do Estado de São Paulo estabelece apenas duas condições para a efetivação da remoção por união de cônjuges: a) ambos os cônjuges devem ocupar cargo ou função pública; e b) existência de vaga no local de destino. Desse modo, qualquer condição acrescida por legislação infraconstitucional entende-se por não recepcionada pela Constituição do Estado de São Paulo. Então, o artigo 234 do Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado (lei nº 10.261/1968), porque estabelece as mesmas condições ditadas pela Constituição do Estado de São Paulo, por esta foi recepcionado. Já o artigo 235 do mesmo Estatuto, não encontrou a mesma recepção, uma vez que nele contém uma terceira condição não exigida pelo Texto Constitucional, qual seja, a inexistência de prejuízo ao serviço público. Pelas informações prestadas pela autoridade impetrada, o indeferimento do requerimento administrativo da impetrante teve como fundamento exatamente a condição não abarcada pelo texto constitucional. Assim, se a condição embasadora do citado indeferimento não encontra guarida na Constituição do Estado de São Paulo, deve ser considerada como violadora de direito líquido e certo da impetrante. (...) Satisfeitos os requisitos constitucionalmente traçados, não há margem para o indeferimento da pretensão do impetrante, observando-se que o critério de discricionariedade para a decisão administrativa não encontra apoio legal. Ante o exposto e por tudo o mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE a pretensão inicial, concedendo a segurança pretendida, para determinar a remoção do impetrante. (...)” (Pirajuí, SP – julgamento em 29 de novembro de 2010 – Juíza de Direito Dra. Jane Carrasco Alves Floriano) (grifos nossos)
Do direito à impetração do mandado de segurança na hipótese de negativa da remoção por união de cônjuges pela via administrativa
De tudo o que fora exposto, restou-se claro que uma vez presentes os requisitos elencados na Constituição do Estado de São Paulo – ambos os cônjuges exercerem cargo público e existência de vagas disponíveis no local de destino – não pode ser obstaculizada a remoção por união de cônjuges.
A Administração Pública, em qualquer de suas esferas, não pode impedir a união da família com suposta alegação de prejuízo ao serviço público. A condição prevista no artigo 235 do Estatuto dos Funcionários Públicos de São Paulo não pode ser oposta para o indeferimento do pedido de remoção por união de cônjuges – há um confronto de princípios e a Magna Carta determina o prestígio e o privilégio da entidade familiar.
Neste caso, negado o pedido de remoção de cônjuges, há o direito do interessado de impetrar mandado de segurança. Há o ferimento de um direito líquido e certo.
Ora, o mandado de segurança tem por objetivo assegurar aos indivíduos proteção ao direito líquido e certo contra ilegalidade ou abuso de poder cometido por autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público – o indeferimento do pedido de remoção por união de cônjuges fundamentado em prejuízo à Administração Pública é uma ilegalidade!
Bibliografia
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Vol. V, Direito de Família. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
MELO, Edson Teixeira de. Princípios constitucionais do direito de família. 2006. Disponível em http://jus.uol.com.br/revista/texto/9093/principios-constitucionais-do-direito-de-familia Acesso em 22.mar.2011.
Advogada. Pós Graduação "Lato Sensu" em Direito Civil e Processo Civil. Bacharel em direito pela Faculdades Integradas Antônio Eufrásio de Toledo. Extensão Profissional em Infância e Juventude. Autora do livro "A boa-fé objetiva e a lealdade no processo civil brasileiro" pela Editora Núria Fabris e Co-autora do livro "Dano moral - temas atuais" pela Editora Plenum. Autora de vários artigos jurídicos publicados em sites jurídicos.E-mail: [email protected], [email protected], [email protected]<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PRETEL, Mariana e. A proteção da família e o direito à remoção por união de cônjuges Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 mar 2011, 07:39. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/coluna/871/a-protecao-da-familia-e-o-direito-a-remocao-por-uniao-de-conjuges. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Remo Higashi Battaglia
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