A aguardada alteração do CPP, apesar de, ainda tímida, trouxe com o advento da Lei 12.403/2011 importantes modificações ao ordenamento processual penal. Sua razão de ser, fundamenta-se, por certo, no momento delicado em que se encontra o universo carcerário pátrio, o que fez o legislador acrescentar um conjunto de medidas cautelares alternativas à prisão, concomitantemente, alargou o poder da autoridade policial em sede de liberdade afiançável.
No tocante à competência da autoridade policial quanto à lavratura do auto de prisão em flagrante e, especificamente, quanto à fixação da fiança, o legislador operou mudanças consistentes e inovadoras, redesenhando pontualmente o quadro processual penal.
Vamos por parte.
A novatio legis modificou a redação do art. 283 do CPP, relativo à prisão em flagrante, passando a vigorar com a seguinte redação:
Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.
Uma vez entendendo, a autoridade policial, ser o caso de prisão em flagrante, consubstanciado na nova redação do art. 283 do CPP, compete-lhe aferir, após a lavratura do feito, se é cabível a concessão e consequentemente, a fixação da fiança.
Conforme o novo texto legal, que entra em vigor no dia 06 de julho próximo, compete à autoridade policial conceder fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a quatro anos, conforme a nova redação do art. 322 do CPP:
Art. 322. A autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 4 (quatro) anos. Parágrafo único. Nos demais casos, a fiança será requerida ao juiz, que decidirá em 48 (quarenta e oito) horas.
No mesmo diapasão, o legislador impôs limites à concessão deste instituto, conforme se depreende da leitura do novatio art. 323 e 324:
Art. 323. Não será concedida fiança:
I - nos crimes de racismo;
II - nos crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo e nos definidos como crimes hediondos;
III - nos crimes cometidos por grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático;
Art. 324. Não será, igualmente, concedida fiança:
I - aos que, no mesmo processo, tiverem quebrado fiança anteriormente concedida ou infringido, sem motivo justo, qualquer das obrigações a que se referem os arts. 327 e 328 deste Código;
II - em caso de prisão civil ou militar;
III - (revogado);
IV - quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva (art. 312).
Note-se, data vênia, que os incisos I e IV não dizem respeito à aferição da autoridade policial, visto ser da competência exclusiva da autoridade judiciária, ainda que, nominalmente, e tão somente nominalmente, o delegado de polícia seja autoridade - de polícia - judiciária.
O legislador, ainda, alargou o quantum da fiança a ser fixada, dispositivo este concorrente à autoridade policial e à autoridade judiciária, art. 325, sendo, porém, que apenas no inciso I o legislador ampara o feito da autoridade policial, qual seja:
Art. 325. O valor da fiança será fixado pela autoridade que a conceder nos seguintes limites:
I - de 1 (um) a 100 (cem) salários mínimos, quando se tratar de infração cuja pena privativa de liberdade, no grau máximo, não for superior a 4 (quatro) anos;
§ 1o Se assim recomendar a situação econômica do preso, a fiança poderá ser:
I - dispensada, na forma do art. 350 deste Código;
II - reduzida até o máximo de 2/3 (dois terços); ou
III - aumentada em até 1.000 (mil) vezes.
Quanto ao §1º. do art. 325, não há se olvidar que se trata tão somente de competência exclusiva da autoridade judiciária, jamais se estendendo o entendimento à autoridade policial.
Enquanto não alcançado o dia 06 de julho próximo, à autoridade policial tão somente lhe é permitida fixar fiança nos casos de crimes punidos com pena de detenção ou prisão simples. Alcançados os seis dias do mês de julho, data expirativa da vacância legal, poderá a autoridade policial conceder e fixar fiança às infrações em que a pena privativa de liberdade máxima não for superior a quatro anos.
Note-se que o legislador não limitou a concessão e fixação da fiança a nenhum regime prisional, seja detenção ou reclusão. Cabe tão somente a fiança, concedida e fixada pela autoridade policial, quando a infração cometida tiver pena não superior a quatro anos.
Vale ressaltar, data vênia, quanto ao art. 322, onde se lê: (...) poderá conceder fiança (...), leia-se: deverá a autoridade policial conceder fiança. Ou seja, sendo caso de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a quatro anos e não sendo caso de crime de racismo, crime de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo e nos definidos como crimes hediondos, crime cometido por grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático; bem como não sendo caso de prisão civil ou militar, faz jus o Acusado ao direito subjetivo da concessão e fixação da fiança.
Assim, entendemos não se tratar de poder discricionário da autoridade policial, mas sim de obrigação vinculativa deste. A ressalva que encontramos, diz respeito ao inciso IV do art. 324 – “quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva (art. 312)”, onde poderá não ser concedida fiança pela autoridade policial. Anteriormente, acusamos ser este inciso tão somente da competência da autoridade judiciária, data vênia, pode excepcionalmente a autoridade policial se abster de conceder a fiança utilizando-se deste regramento, porém, fundamentando a sua negativa e representando de pronto pela prisão preventiva do Acusado.
Uma vez sendo negada a concessão da fiança pela autoridade policial nos casos acima elencados, ressalvado quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva, quando então a autoridade policial representará imediatamente pela prisão preventiva do Acusado, estará este, incorrendo nos crimes previstos na lei nº. 4.898/65 - lei de abuso de autoridade - arts. 3º. alínea “a” e 4º alínea “e”, abaixo in verbis:
Art. 3º. Constitui abuso de autoridade qualquer atentado:
a) à liberdade de locomoção;
Art. 4º Constitui também abuso de autoridade:
e) levar à prisão e nela deter quem quer que se proponha a prestar fiança, permitida em lei;
Em conclusão, os crimes em que a competência para a concessão e fixação da fiança extrapolava o alcance da autoridade policial, pois até então limitado aos casos de crimes punidos com pena de detenção ou prisão simples, tão logo vencidos os sessenta dias da vacância legal imposta, passarão à competência desta uma gama considerável de delitos, tais como: posse, porte e disparo de arma de fogo, previstos respectivamente nos arts. 12, 14 e 15 da lei 10.826/03; homicídio culposo, previsto no art. 121, §3° do CP; aborto, previsto no art. 124 do CP, abandono de incapaz, previsto no art. 133, caput, do CP; seqüestro e cárcere privado, previsto no art. 148 do CP; furto simples, previsto no art. 155 do CP; extorsão, previsto no art. 160 do CP; dano qualificado, previsto no art. 163, parágrafo único do CP; apropriação indébita, previsto no art. 168 do CP; receptação, previsto no art. 180, caput, do CP; mediação para servir a lascívia de outrem, previsto no art. 227 do CP; quadrilha ou bando, previsto no art. 288 do CP; rufianismo, previsto no art. 230 do CP; peculato, previsto no art. 313 do CP; contrabando ou descaminho, previsto no art. 334 do CP; reingresso de estrangeiro expulso, previsto no art. 338 do CP; entre outros.
06.2011
José Ricardo Chagas
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