No Brasil, o crime de lavagem de dinheiro, que contém em sua definição a elementar referente a delito anterior, está definido no art. 1.º da Lei n. 9.603/98, alterada pelas Leis n. 10.467/2002, n. 10.683/2003 e n. 10.701/2003.
Conforme anotam EDÍLSON M. BONFIM e MÁRCIA M. M. BONFIM, “quanto ao crime antecedente, três são os sistemas conhecidos no Direito Comparado: 1) sistema de numerus clausus: são enumerados diversos crimes que servem de base para a lavagem; 2) sistema de classes: considera uma categoria de delitos, v.g., os crimes graves; 3) sistema misto: mescla um rol taxativo de delitos com um grupo genérico (como todos aqueles praticados por organizações criminosas). Nosso legislador optou por um sistema misto...”[1]. Além destes, pode-se acrescentar o sistema que abarca todo o leque de ilícitos penais como fatos antecedentes de lavagem; tal modelo é adotado, por exemplo, nos Estados Unidos da América, na Bélgica, na França, na Suíça e na Itália[2].
Dos vários sistemas encontrados nas legislações alienígenas que incriminam o fato, o Brasil optou pelo sistema do rol taxativo de crimes antecedentes.
De acordo com o mencionado art. 1.º da Lei n. 9.603/98, constitui “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores:
“Art. 1.º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime:
I – de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins;
II – de terrorismo e seu financiamento;
III – de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua produção;
IV – de extorsão mediante seqüestro;
V – contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para a prática ou omissão de atos administrativos;
VI – contra o sistema financeiro nacional;
VII – praticado por organização criminosa;
VIII – praticado por particular contra a administração pública estrangeira (arts. 337-B, 337-C e 337-D do Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal).”
Pune-se, ainda, quem: “para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de qualquer dos crimes antecedentes referidos neste artigo:
I – os converte em ativos lícitos;
II – os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere;
III – importa ou exporta bens com valores não correspondentes aos verdadeiros.” (§ 1.º).
A Lei incrimina, ademais, a conduta de quem:
“I – utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores que sabe serem provenientes de qualquer dos crimes antecedentes referidos neste artigo;
II – participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes previstos nesta Lei.” (§ 2.º).
Estamos seguramente convencidos de que o crime de sonegação fiscal, descrito na Lei n. 8.137/90, não está inserido no rol de crimes antecedentes. Por esse motivo, não há crime de lavagem de dinheiro por parte de quem “oculta ou dissimula a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de sonegação fiscal”.
Segundo NELSON JOBIM, ex-Ministro da Justiça e do Supremo Tribunal Federal, e atual Ministro da Defesa, apreciando Projeto de alteração da lei, “[...] a ‘lavagem’ de dinheiro tem como característica a introdução, na economia, de bens, direitos ou valores oriundos de atividade ilícita e que representaram, no momento de seu resultado, um aumento do patrimônio do agente. Por isso, o projeto não inclui, nos crimes antecedentes, aqueles delitos que não representam agregação, ao patrimônio do agente, de novos bens, direitos ou valores, como é o caso da sonegação fiscal. Nesta, o núcleo do tipo constitui-se na conduta de deixar de satisfazer obrigação fiscal. Não há, em decorrência de sua prática, aumento de patrimônio com a agregação de valores novos. Há, isto sim, manutenção de patrimônio existente em decorrência do não-pagamento da obrigação fiscal. Seria desarrazoado se o Projeto viesse a incluir no novo tipo penal – ‘lavagem’ de dinheiro – a compra, por quem não cumpriu obrigação fiscal, de títulos no mercado financeiro. É evidente que essa transação se constitui na utilização de recursos próprios que não têm origem em um ilícito. (SOUZA NETTO, 2002, p. 72)”[3].
Correta a lição. Crime de efetiva lesão jurídica, a sonegação fiscal atinge a consumação com a produção do resultado jurídico, quando o sujeito “suprime ou reduz tributo” (art. 1.º da Lei n. 8.137/90), sem que ao seu patrimônio seja acrescido qualquer bem ou valor: este já o integra. Sonegar, no caso, é esconder o que já tem, não entregar o que já possui. Ora, na lavagem de dinheiro, o tipo exige que o bem ou valor tenha sido obtido por uma conduta anterior que, na hipótese, deveria ser a sonegação fiscal. Esta, porém, não satisfaz esse requisito.
Notas: [1]
Lavagem de dinheiro. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 56.
[2] BARROS, Marco Antônio.
Lavagem de capitais e
obrigações civis correlatas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 94.
[3] Disponível em:
jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9917. Acesso em: 12 nov. 2007.
Precisa estar logado para fazer comentários.