A expressão é feia, mas o seu significado é dos mais salutares. Aguarda a sanção presidencial Projeto de Lei[1] que concede à gestante o direito de buscar alimentos durante a gravidez, daí “alimentos gravídicos.”
Ainda que inquestionável a responsabilidade parental desde a concepção, o silêncio do legislador sempre gerou dificuldade para a concessão de alimentos ao nascituro. Raras vezes a Justiça teve a oportunidade de reconhecer a obrigação alimentar antes do nascimento, pois a Lei de Alimentos exige prova do parentesco ou da obrigação.[2] O máximo a que se chegou foi, nas ações investigatórias de paternidade, deferir alimentos provisórios quando há indícios do vínculo parental ou após o resultado positivo do teste de DNA. Graças à Súmula do STJ,[3] também a resistência em se submeter ao exame passou a servir de fundamento para a antecipação da tutela alimentar.
Assim, em muito boa hora é preenchida injustificável lacuna. Porém, muitos são os equívocos da lei, a ponto de questionar-se a validade de sua aprovação. Apesar de aparentemente consagrar o princípio da proteção integral, visando assegurar o direito à vida do nascituro e de sua genitora, nítida a postura protetiva em favor do réu. Gera algo nunca visto: a responsabilização da autora por danos materiais e morais a ser apurada nos mesmos autos, caso o exame da paternidade seja negativo. Assim, ainda que não tenha sido imposta a obrigação alimentar, o réu pode ser indenizado, pelo só fato de ter sido acionado em juízo. Esta possibilidade cria perigoso antecedente. Abre espaço a que, toda ação desacolhida, rejeitada ou extinta confira direito indenizatório ao réu. Ou seja, a improcedência de qualquer demanda autoriza pretensão por danos materiais e morais. Trata-se de flagrante afronta o princípio constitucional de acesso à justiça,[4] dogma norteador do estado democrático de direito.
Ainda que salutar seja a concessão do direito, de forma para lá de desarrazoada é criado um novo procedimento. Talvez a intenção tenha sido dar mais celeridade ao pedido, mas imprime um rito bem mais emperrado do que o da Lei de Alimentos.
O primeiro pecado é fixar a competência no domicílio do réu,[5] quando de forma expressa o estatuto processual concede foro privilegiado ao credor de alimentos.[6] De qualquer modo, a referência há que ser interpretada da forma que melhor atenda ao interesse da gestante, a quem não se pode exigir que promova a ação no local da residência do devedor de alimentos.
A outra incongruência é impor a realização de audiência de justificação, mesmo que sejam trazidas provas de o réu ser o pai do filho que a autora espera. Da forma como está posto, é necessária a ouvida da genitora, sendo facultativo somente o depoimento do réu, além de haver a possibilidade de serem ouvidas testemunhas e requisitados documentos. Porém, congestionadas como são as pautas dos juízes, mesmo sem a audiência, convencido da existência de indícios da paternidade, indispensável reconhecer a possibilidade de ser dispensada a solenidade para a fixação dos alimentos.
Mas há mais. É concedido ao réu o prazo de resposta de 5 dias. Caso ele se oponha à paternidade a concessão dos alimentos vai depender de exame pericial. Este, às claras é o pior pecado da lei. Não há como impor a realização de exame por meio da coleta de líquido amniótico, o que pode colocar em risco a vida da criança. Isso tudo sem contar com o custo do exame, que pelo jeito terá que ser suportado pela gestante. Não há justificativa para atribuir ao Estado este ônus. E, se depender do Sistema Único de Saúde, certamente o filho nascerá antes do resultado do exame.
Os equívocos vão além. Mesmo explicitado que os alimentos compreendem as despesas desde a concepção até o parto, de modo contraditório é estabelecido como termo inicial dos alimentos a data da citação. Ninguém duvida que isso vai gerar toda a sorte de manobras do réu para esquivar-se do oficial de justiça. Ao depois, o dispositivo afronta jurisprudência já consolidada dos tribunais e se choca com a Lei de Alimentos, que de modo expresso diz: ao despachar a inicial o juiz fixa, desde logo, alimentos provisórios.[7]
Preocupa-se a lei em explicitar que os alimentos compreendem as despesas adicionais durante o período de gravidez, da concepção ao parto, identificando vários itens: alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico. Mas o rol não é exaustivo, pois o juiz pode considerar outras despesas pertinentes.
Quando do nascimento, os alimentos mudam de natureza, se convertem em favor do filho, apesar do encargo decorrente do poder familiar ter parâmetro diverso, pois deve garantir ao credor o direito de desfrutar da mesma condição social do devedor.[8] De qualquer forma, nada impede que o juiz estabeleça um valor para a gestante, até o nascimento e atendendo ao critério da proporcionalidade, fixe alimentos para o filho, a partir do seu nascimento.
Caso o genitor não proceda ao registro do filho, e independente de ser buscado o reconhecimento da paternidade, a lei deveria determinar a expedição do mandado de registro. Com isso seria dispensável a propositura da ação investigatória da paternidade ou a instauração do procedimento de averiguação, para o estabelecimento do vínculo parental.[9]
Apesar das imprecisões, dúvidas e equívocos, os alimentos gravídicos vêm referendar a moderna concepção das relações parentais que, cada vez com um colorido mais intenso, busca resgatar a responsabilidade paterna. Mas este fato, por si só, não absolve todos os pecados do legislador.
Notas:
[1] Projeto de Lei 7.376/2006.
[2] Lei 5.478/68, art. 2º.
[3] Súmula 301: Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade.
[4] CF, art. 5º, inc. XXXV.
[5] CPC, art. 94.
[6] CPC, art. 100, inc. II.
[7] Lei 5.478/68, art. 2º.
[8] CC, art. 1.694.
[9] Lei 8.560/92.
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