É possível a contagem do tempo de serviço prestado como trabalhador rural (empregado ou segurado especial), para fins de obtenção de aposentadoria estatutária no serviço público?
Inicialmente, verificamos que nossa ordem jurídica prevê a possibilidade da contagem de tempo de contribuição, efetuado em um regime previdenciário, para efeito de obtenção de aposentadoria em outro.
É o que deflui do art. 201, § 9º, da Constituição Federal (que repete a redação do antigo art. 202, § 2º):
"§ 9º Para efeito de aposentadoria, é assegurada a contagem recíproca do tempo de contribuição na administração pública e na atividade privada, rural e urbana, hipótese em que os diversos regimes de previdência social se compensarão financeiramente, segundo critérios estabelecidos em lei."
Como se pode observar, o comando constitucional determina que seja feita a contagem do tempo de contribuição, efetuada sob a égide de qualquer regime, para efeito de concessão de aposentadoria.
Não há qualquer determinação na Constituição no sentido de contagem de tempo de serviço para efeito de obtenção de aposentadoria em outro regime.
Na verdade, não há nem mesmo na legislação infraconstitucional qualquer determinação quanto a possibilidade do cômputo do tempo de serviço, de um regime para outro, salvo na hipótese de da indenização correspondente:
Com efeito, até o advento da MP nº 1.523, de 11/10/96, e reedições, era possível a contagem do tempo de serviço, prestado como trabalhador rural, para obtenção de aposentadoria em outro regime, em razão do que dispunha o inciso V, do art. 96, da Lei nº 8.213/91:
"V - o tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência desta Lei, será computado sem que seja necessário o pagamento das contribuições a ele correspondentes, desde que cumprido o período de carência."
Porém, a partir de 11/10/96, isso não é mais possível. Vejamos o que diz hoje a Lei nº 8.213/91, em sua redação dada pela Lei nº 9.528/97 (conversão em lei da MP nº 1.523):
"SEÇÃO VII
DA CONTAGEM RECÍPROCA DE TEMPO DE SERVIÇO
Art. 94. Para efeito dos benefícios previstos no Regime Geral de Previdência Social ou no serviço público é assegurada a contagem recíproca do tempo de contribuição na atividade privada, rural e urbana, e do tempo de contribuição ou de serviço na administração pública, hipótese em que os diferentes sistemas de previdência social se compensarão financeiramente.
(...)
Art. 96. O tempo de contribuição ou de serviço de que trata esta Seção será contado de acordo com a legislação pertinente, observadas as normas seguintes:
(...)
IV - O tempo de serviço anterior ou posterior à obrigatoriedade de filiação à Previdência Social só será contado mediante indenização da contribuição correspondente ao período respectivo, com acréscimo de juros moratórios de um por cento ao mês e multa de dez por cento."
Note-se, assim, que o art. 96, IV, da Lei nº 8.213/91, adequado ao dispositivo constitucional supra transcrito, é claro ao prescrever a impossibilidade de contagem de tempo de serviço, para efeito de obtenção aposentadoria em outro regime, sem a correspondente indenização das contribuições que seriam devidas.
É interessante constatar que por ocasião do julgamento da constitucionalidade (ADIn nº 1.664) da MP nº 1.523 e reedições, que vedava o cômputo do trabalho rural sem efetiva contribuição para efeito de obtenção de aposentadoria por tempo de serviço, assim manifestou-se o rel. Min. Octávio Galloti no voto condutor do acórdão:
"Trabalhador rural. Plausibilidade da argüição de inconstitucionalidade da exigência de contribuições anteriores ao período em que passou ela a ser exigível, justificando-se ao primeiro, exame essa restrição apenas em relação à contagem recíproca de tempo de serviço público (artigos 194, parágrafo único, I e II, e 202, § 2º, da Constituição e redação dada aos artigos 55, § 2º, 96, IV e 107 da Lei nº 8213-91, pela Medida Provisória nº 1523-13/97).
Medida cautelar parcialmente deferida."
Essa orientação vem sendo seguida pelo STJ:
"PREVIDENCIÁRIO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. APOSENTADORIA ESTATUTÁRIA. TEMPO DE SERVIÇO PRESTADO COMO TRABALHADOR RURAL. CONTAGEM RECÍPROCA. CF, ART. 202, § 2º. LEI 8.213/91, ART. 55, § 2º, ALTERADO PELA MP 1.523/96. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. RECURSO ORDINÁRIO. 1. Para fins de aposentadoria, é assegurada a contagem recíproca do tempo de contribuição na Administração Pública e na atividade privada, rural ou urbana. Regra contida na CF, Art. 202, § 2º. 2. O STF, apreciando a ADIN 1.664/UF, deferiu medida cautelar para suspender a eficácia da expressão 'exclusivamente para fins de concessão do benefício previsto no art. 143 desta Lei e dos benefícios de valor mínimo', contida na Lei 8.213/91, art. 55, § 2º, com a redação dada pela MP 1.523/96, mantendo a parte final do dispositivo que veda a utilização do tempo de serviço rural anterior à data mencionada para efeito de contagem recíproca, sem a comprovação das respectivas contribuições. 3. Não comprovadas as contribuições previdenciárias devidas no período que se pretende averbar como de efetivo serviço rural, inexiste violação a direito líquido e certo, a ser amparado pelo Mandado de Segurança. 4. Recurso não provido." (STJ, QUINTA TURMA, ROMS nº 10953/SC, DJ de 03/11/1999, Relator Min. EDSON VIDIGAL, j. em 07/10/1999)
Portanto, para aqueles segurados que até 11/10/96 obtiveram todos os requisitos para obtenção de aposentadoria por tempo de serviço, por qualquer regime previdenciário, de acordo com a legislação existente à época, há de ser concedido o benefício nesse regime, em razão da existência de direito adquirido.
Para os segurados que não tinham preenchido, até 11/10/96, todos os requisitos necessários para a obtenção da aposentadoria, exatamente por não terem direito adquirido, não será possível a contagem de tempo de serviço prestado como trabalhador rural, antes de dezembro de 1991 (O STJ decidiu que o início dos efeitos da Lei nº 8.213/91 somente ocorreu com o advento do seu decreto regulamentador, em 07/12/91), mês em que os trabalhadores rurais passaram a ter vínculo com a previdência contributiva, para efeito de concessão de aposentadoria por outro regime, que não o RGPS.
Importante notar que o tempo de serviço dos trabalhadores rurais, anterior a dezembro de 1991, exatamente por ser mero fato, não ensejando qualquer relação jurídica com o regime de previdência contributiva, não poderia mesmo gerar qualquer tipo de contribuição. Não há de se falar de cômputo de tempo de contribuição inexistente, por óbvio. Não há direito adquirido à contagem de fatos ou a contagem de contribuição juridicamente inexistente.
Ademais, a relação jurídica dos segurados com a Previdência é institucional e não contratual. Repetidas vezes o STF já decidiu que não há direito adquirido a regime jurídico. Desse modo, ainda que houvesse relação jurídica entre os trabalhadores rurais e a previdência social contributiva, no período anterior a dezembro de 1991, inexistiria qualquer direito adquirido à contagem e conversão de tempo de serviço nesse período, para efeito de obtenção de aposentadoria em outro regime, posto que o advento da MP nº 1.523/96 modificou o regime jurídico que permitia essa conversão.
Portanto, o tempo de serviço na condição de trabalhador rural, prestado antes de dezembro de 1991, somente é conversível em tempo de contribuição para efeito de obtenção de aposentadoria no âmbito de outro regime previdenciário se, à luz do outro regime, tiver o segurado obtido o direito à aposentadoria antes do advento da MP nº 1.523, de 11/10/96, ou se houver a correspondente indenização, na forma do art. 96, VI, da Lei nº 8.213/91.
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