RESUMO: Inúmeros casos, em todo o território nacional, vêm abarrotando os Tribunais do Trabalho com pedidos de adicional de periculosidade para os “leituristas”, contudo, estes trabalhadores realizam a função de leitura de medidores, sem manter contato com sistema elétrica de potência, o que descaracteriza a possibilidade de percebimento de adicional de periculosidade. Nestes breves comentários, aponta-se legislação acerca do caso, bem como atual vertente jurisprudencial pela não concessão do adicional de periculosidade ao leiturista. O adicional de periculosidade existe para compensar o empregado que se expõe ao risco, devido a natureza do trabalho que exerce, objetivando a concretização do âmago da lei, não compactuando com a banalização deste instrumento de socialização do direito.
PALAVRAS-CHAVE: ADICIONAL PERICULOSIDADE LEITURISTA ELETRICITÁRIO
A Constituição Federal de 1988 prevê adicional de remuneração para as atividades classificadas como perigosas, como aponta art. 7º, XXIII, “ adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei”.
Desta forma, e como elucida a legislação pátria, faz jus ao adicional de periculosidade o trabalhador que no seu labor atua no exercício de atividade ou operações perigosas, que por sua natureza ou procedimento impliquem contato permanente com inflamáveis ou explosivos, tendo direito ao recebimento deste adicional enquanto perdurar a exposição ao risco à sua saúde ou à sua integridade física.
No caso específico das atividades perigosas, o art. 193 da CLT diz que “são consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem o contato permanente com inflamáveis ou explosivos em condições de risco acentuado”.
A regulamentação que o art. 193, acima transcrito, se refere é aquela estabelecida pela Portaria nº 3214, de 08.06.1978, e modificações posteriores, que estabeleceu as Normas Regulamentadoras – NR, contudo, tal legislação não classificou como atividades ou operações perigosas aquelas que são exercidas em contato ou em condições de risco de contato com a eletricidade.
Quando da edição da Lei 6.514/77 e da Portaria 3.214/78, já existia um Projeto de Lei para estabelecer uma remuneração adicional para os trabalhadores do setor de energia elétrica. Entretanto, apenas em 1985, este Projeto ganhou forma na Lei nº 7.369, editada em 20 de setembro do mesmo ano. A matéria passou, então, a ter uma lei específica, fora do conjunto da legislação de segurança e medicina do trabalho.
No mesmo ano, da edição da Lei n. 7.369/85, em 26 de dezembro, ela foi regulamentada pelo Decreto nº 92.212. Entretanto, menos de um ano depois, a lei ganhou nova regulamentação com a edição do Decreto 93.412, de 14 de outubro de 1986, que revogou o anterior, tendo como diferença fundamental entre esses dois instrumentos regulamentadores, a proporcionalidade e a exigência de perícia.
O Decreto n. 93.412/86 regulamentou a Lei n. 7.369/85, onde se estatuiu salário adicional para empregados do setor de energia elétrica, em condições de periculosidade, na média de 30% sobre o conjunto de parcelas de natureza salarial, conforme atual Orientação Jurisprudencial da SDI-I do TST n. 279.
A legislação apontada garantiu o direito ao adicional de 30%, para “o empregado que exerce atividade no setor de energia elétrica...” (art. 1º da Lei 7.369/85), sendo que posteriormente, o Decreto 93.412/86, ao regulamentar esta matéria, em seu anexo (quadro de atividades) limitou tal adicional aos empregados que exercem atividades no chamado “sistema elétrico de potência”, bem como jurisprudência laboral e decisões do Tribunal Superior do Trabalho.
Deve-se lembrar que o princípio da primazia da realidade, da verdade real, determina que não é o nome do cargo ou da categoria que garante direitos ao empregado, mas sim as atividades por ele realizadas. No caso do leiturista, este não entra em contato com sistema elétrico de potência, como poderia então a justiça laboral conceder tal direito a quem não faz jus, posto que tal medida seria uma afronta à concretização da verdadeira justiça.
A lei pertinente ao caso de eletricitários esclarece que o pagamento da remuneração adicional não é devido em caso de exposição eventual, conforme Decreto 93.412/86 art. 2º, § 1º, “o ingresso ou permanência eventual em área de risco não geram direito ao adicional de periculosidade”.
Estabelece ainda o Decreto 93.412/86, a exigência de perícia para a caracterização do risco, conforme expresso em seu artigo 4º, § 1º, “a caracterização do risco ou da sua eliminação far-se-á através de perícia, observando o disposto no artigo 195 e parágrafos da Consolidação das Leis do Trabalho.
Em virtude do art. 195 da CLT referir-se às normas do Ministério do Trabalho e não a outros instrumentos jurídicos, o Decreto 93.412/86 em seu § 1º, art. 4º, deixa incontroversa a exigência da perícia, o que leva ao entendimento de que o quadro de atividades e áreas de risco, apresentado como anexo ao Decreto 93.412/86, não é auto aplicável, para concessão da remuneração adicional, posto que tal matéria é estritamente técnica, há esta exigência legal (artigo 195, caput, da CLT), ratificada pelo texto do Decreto 93.412/86 é prevista no Código de Processo Civil, ao estabelecer em seu artigo 145:
“Art. 145. Quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico, o juiz será asssistido por perito, segundo o disposto no artigo 421.
Art. 421, caput – O juiz nomeará o perito, fixando de imediato o prazo para a entrega do laudo”.
Para comprovar a existência ou não de risco, faz-se necessário, sendo exigência legal esboçada no art. 195, § 2º da CLT, a realização de perícia técnica, já que é o único tipo de prova hábil para comprovar a existência ou não da periculosidade, sendo constatado o contato com o sistema de potência, que demonstre risco de morte, não importando a função que exerça, é direito do trabalhador o recebimento do adicional de periculosidade.
O perito é responsável por levantar o real enquadramento do trabalhador nas atividades e áreas de risco presentes no quadro anexo ao Decreto 93.412/86, confirmando se a exposição ocorre efetivamente em condições de periculosidade, conforme definido no artigo 2º, § 2º do referido Decreto:
“Art. 2º, § 2º São equipamentos ou instalações elétricas em situação de risco aquelas de cujo contato físico ou exposição aos efeitos da eletricidade possam resultar incapacitação, invalidez permanente ou morte”.
Diante disso, inúmeros casos, em todo o território nacional, vêm abarrotando os Tribunais do Trabalho com pedidos de adicional de periculosidade para os “leituristas”, trabalhadores estes, geralmente contratados por empresas terceirizadas, que possuem contrato específico para leitura de medidores e entrega de contas. Tais trabalhadores são contratados para a realização de leitura de medidor de energia de baixa tensão em construções da área urbana a qual estão vinculados.
Os leituristas realizam a função de leitura de medidores, e neste diapasão, faz-se necessário esclarecer o que é medidor de energia elétrica.
Medidor de energia elétrica é o equipamento utilizado para saber com precisão o consumo de energia elétrica em consumidores residenciais, comerciais e industriais, sendo projetados para garantir confiabilidade e precisão na medição de energia elétrica, utilizados para medidas de energia Monofásica, Bifásica e Trifásica, para leitura direta ou através de transformadores de corrente ou transformadores de Potencial.
Os medidores de baixa tensão são aqueles presentes nas residências, onde os leituristas realizam seu trabalho de leitura, desenvolvendo sua função, geralmente, não entrando diretamente em contato com qualquer equipamento energizado que represente risco de morte, realizando seu labor de forma rápida e de forma visual, a tarefa de leitura dos medidores.
A execução do serviço contratado de leiturista consiste basicamente na locomoção pedestre em determinada área, previamente delimitada pela empresa contratada, para a entrega de correspondências e/ou, leitura de contadores, onde igual risco correria qualquer pessoa comum que se locomove por diversos caminhos (residência, trabalho etc.) em sua rotina diária.
Vislumbra-se, então, que nestes casos, as atividades exercidas pelos leituristas não preenchem os requisitos legais exigidos pelo Art. 193, da CLT para a percepção do referido adicional, devido não entrarem em contato permanente em locais onde há risco acentuado.
Jurisprudência laboral diverge a respeito do pagamento deste adicional aos leituristas, contudo, em diferentes regiões, juízos a quo e ad quem vêm sentenciando pela não concessão do adicional de periculosidade aos leituristas, deste acervo, aponta-se algumas dessas decisões:
“ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. LEITURISTA. Não trabalham em condições de periculosidade os empregados que exercem a função de leiturista de medidores residenciais de consumo de energia elétrica. Adicional de periculosidade indevido. (TRT 4ª R. – RO 00770-2007-302-04-00-2 – 7ª T. – Rel. Des. Maria Inês Cunha Dornelles – DOE 05.11.2008)”.
“ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. O laudo pericial analisou de forma satisfatória as condições de trabalho do reclamante, concluindo que este, ao efetuar as leituras de consumo de energia de baixa tensão, não se encontrava exposto a risco iminente de choque elétrico, o que torna indevido o adicional de periculosidade postulado. Recurso obreiro improvido. (TRT 6ª R – RO 00421-2007-341-06-00-2 – 2ª T. – Rel. Des. André Genn de Assunção Barros – DOE 13.02.2008)”.
A título de informação apresenta-se o acórdão exarado no julgamento do RO - 01771-2007-004-18-00-6, no Douto TRT da 18ª Região, no dia 03.09.2008, pelo Exma. Sra. Dra. Desembargadora Kathia Maria Bomtempo de Albuquerque, vejamos o trecho:
“O Juízo de primeiro grau deferiu o adicional em questão de acordo com a conclusão do laudo pericial. Diz a recorrente, em poucas palavras, que o autor, como leiturista, não faz jus ao adicional de periculosidade ao argumento de que não havia nem mesmo necessidade de contato com o medidor.
Com razão.
De início, não é demais frisar que o Juízo, nos termos do art. 436, do CPC, “[...] não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar o seu convencimento com outros elementos ou fatos provados nos autos.”
O laudo pericial encontra-se às fls. 240/247, com a conclusão de que a atividade do obreiro está enquadrada no Decreto nº 93.412/96 e, via de conseqüência, faz jus ao adicional respectivo porque em “[...] contato habitual com o risco de choque elétrico [...]”.
Dentro das atividades declinadas pelo obreiro, segundo o Sr. Perito, estão as de: ordenar a rota onde executa a leitura dos medidores; aferir as condições de uso do coletor de leitura; conferir os dados do endereço junto ao medidor; efetuar a leitura no medidores de energia e registrar os dados no coletor e outras tarefas afins e correlatas (dentro destas não há qualquer esclarecimentos de quais seriam – fl. 242).
Dentro desse contexto, pode-se inferir que o leiturista não tem qualquer contato direto com o agente perigoso (energia) e sua função precípua é de mera leitura, não havendo nem mesmo necessidade de contato com o medidor.
Qualquer leigo, mesmo dentro da percepção como consumidor, pode aferir que os leituristas seguem determinado padrão para o procedimento, sabendo-se que, via de regra, os “relógios” são lacrados e o simples fato de apresentarem eventual danificação, não altera a função do obreiro – simples leitor.
...
O Sr. Perito, para enquadrar o obreiro, na atividade de risco, tomou por base o Decreto nº 93.412/86, art. 2º, § 2º que define o que são os equipamentos ou instalações elétricas em situação de risco. Todavia, o respectivo Anexo desse Decreto é que faz o enquadramento de cada atividade e suas áreas de risco. No item 1.8, de forma clara, inclui a leitura em consumidores de alta tensão como de risco, mas a área de atuação é diversa à do obreiro.
No item 3 há até uma indicação de que atividade de medição estaria inserida como de risco, mas a área de atuação também é diversa, em nada indicando medidores residenciais.
O item 4.1, da mesma sorte, faz menção a medição mas em área de atuação, como por exemplo, “Pátios e salas de operações de subestações, inclusive consumidoras”.
Nada diz acerca de áreas como as de consumidores residenciais. Assim, por qualquer ângulo, não se pode concluir que a atividade de leiturista esteja enquadrada dentro daquelas inseridas no Anexo do Decreto 93.412/86. Em sendo assim, não há se falar em atividade de risco, razão pela qual dá-se provimento ao recurso para se excluir o adicional de periculosidade da condenação. (...)”.
Em todo o território nacional, acórdãos dos TRT’s e do TST têm garantido o verdadeiro direito, conforme o anexo do Decreto 93.412/86, que seria a concessão do adicional de periculosidade somente aos empregados que exercem suas atividades em contato com “sistema elétrico de potência”.
É sabido que a razão do adicional de periculosidade é compensar o empregado por sua exposição ao risco, justamente pela natureza do trabalho que exerce, e objetivando a concretização do âmago da lei, não se deve imputar o adicional de periculosidade a qualquer empregado que não esteja laborando em reais condições que exijam tal adicional, pois o direito laboral estaria compactuando com a industrialização do sistema judiciário e com a banalização do adicional de periculosidade, direito este, oriundo de séculos de luta, e clamores por melhores condições de trabalho.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PAIVA, Frederico Santos. A concessão do adicional de periculosidade para o leiturista/entregador Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 dez 2008, 10:03. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/16118/a-concessao-do-adicional-de-periculosidade-para-o-leiturista-entregador. Acesso em: 23 dez 2024.
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