Sumário: 1. Introdução; 2. A validade das cláusulas de não-concorrência no Brasil; 3. A não-concorrência durante o contrato de trabalho; 4. A não-concorrência após a extinção do contrato de trabalho; 5. A cláusula de não-concorrência no Direito Comparado; 6. Conclusão. Apêndice: “Dicas de advogados americanos”
1. Introdução
William Redmond Jr., Director Geral das Operações Californianas da Pepsi, aceitou, em 1994, o cargo de Diretor Executivo Operacional da divisão mundial Gatorade da Quaker Oats. Logo após a seu desligamento, a Pepsi Co. ajuizou um processo contra o ex-empregado, alegando que ele assinara contrato de confidencialidade e não-concorrência. Redmond era co-responsável pelo plano de marketing de refrigerantes da empresa. A sentença judicial não só obrigou Redmond a não trabalhar para referia empresa durante 6 (seis) meses, como também o proibiu de revelar o plano da PepsiCo. aos seus novos patrões.
“A Pepsi Co. encontra-se na posição de um treinador que tem um jogador que deixou a equipe com o livro do plano do jogo na mão para entrar no clube dos adversários antes do grande jogo”, observou o órgão jurisdicional formado por 3 (três) juízes nos EUA.
Quem é o proprietário do seu conhecimento intelectual? Você? Ou o empregador em cuja folha de pagamentos ganhou a informação? As questões ultrapassam muito os segredos comerciais comuns e as fórmulas de produtos.
À medida que o conhecimento e a propriedade intelectual se vão tornando mais importantes do que o capital físico, as empresas vêm-se forçadas a proteger este capital intelectual através de medidas extraordinárias. Porém, a necessidade de salvaguardar listas de clientes, planos de marketing e estratégias entra em conflito direto com a tradição americana e mundial atual da mobilidade de emprego.
Em muitos casos americanos os tribunais se colocam a favor dos empregadores: “estão dispostos a colocar o trabalhador de lado durante determinado período de tempo, até que a informação que ele possui envelheça”, afirma Theodore Rogers Jr., sócio de uma grande firma de advogados nos EUA.
“Acreditam que os executivos que possuam informações sensíveis, no decorrer normal dos acontecimentos, de boa ou má fé, as venham a utilizar no novo cargo. É a chamada“doutrina da revelação inevitável”, explica Rogers.
Outro caso americano, o executivo Daniel O’Neill, empregado de cargo de alta gestão da Campbell Soup. Em 1996 a H. J. Heinz Co. fez-lhe uma oferta que considerou irrecusável. A Campbell processou-o, invocando o contrato que O’Neill assinara e pelo qual se comprometia a não trabalhar para uma concorrente durante dezoito (18) meses após deixar a empresa. O’ Neil foi condenado a esperar 7 (sete) meses antes de poder assumir o novo cargo e, durante esse período, foi proibido de manter qualquer contato com o seu novo empregador.
A lei norte-americana é bastante explícita: “quase tudo o que se crie, desenvolva ou construa durante o tempo em que faz parte da lista de salários dum patrão pode ser considerado trabalho desse empregador”.
“A menos que consiga provar que foi desenvolvido pessoalmente e não faz parte do produto de trabalho da empresa, ele pertence à empresa”, afirma Jerome Kauff, sócio de uma sociedade de advogados de Nova Iorque.
Na maioria dos casos americanos o ônus de prova pertence ao empregado. Em 1997, a DSC Communications, fabricante de equipamentos de telecomunicações sediada em Plano, no Texas, despediu Evan Brown por ele se ter recusado a divulgar uma idéia que desenvolveu para converter antigas linguagens de computadores em versões modernas. Brown tinha pedido uma desobrigação do seu acordo de trabalho para desenvolver a idéia. A DSC respondeu oferecendo-lhe 5% das poupanças que a sua idéia traria à empresa, calculadas em perto de 375 mil contos, mas ele recusou. A idéia é nossa, alegou a DSC, que em seguida moveu um processo contra a empresa, argumentando que o conceito cresceu a partir do trabalho que Brown executava na empresa. Brown agora trabalha como consultor e não pode avançar no seu projeto favorito. Para pagar as suas despesas de subsistência, vendeu o seu carro. A sua casa está à venda. “Recebia menos de U$18.750 por ano e está enfrentando um processo contra uma empresa que fatura anualmente 281 milhões de contos e possui um orçamento para contencioso ilimitado”, afirma, aguardando o julgamento para determinar a propriedade da idéia.
Quando se troca um empregador por outro, acima de tudo, é preciso ter especial cuidado no relacionamento com os antigos clientes. Lloyd Perry e Carl Bowersmith, antigos empregados da Morlife, Inc., deixaram a empresa para formar a Burlingame Builders, Inc., uma pequena concorrente no negócio de reparação de telhados. Em agosto do ano passado um tribunal californiano proibiu Perry e Bowersmith de utilizar seus “cartões profissionais”. Segundo prova testemunhal, estes cartões representavam entre 75% e 80% da base de clientes da Morlife. O juiz decidiu que os cartões eram segredos comerciais.
A Merril Lynch processa regularmente consultores financeiros que deixam a firma e, muitas vezes, consegue que o tribunal proíba qualquer solicitação das suas contas existentes durante um período de um ano. A American Express Financial Advisors também exige que todos os consultores financeiros se comprometam a não contatar os seus clientes da American Express durante um ano após a sua partida.
A firma de gestão de fundos Putman Investments instituiu um acordo de não-solicitação proibindo os empregados de contatar clientes ou empregadores durante 2 (dois) anos após a sua partida. Qualquer violação deste acordo poderá levar à restituição de 50% dos bônus previamente pagos.
”Há seis anos, para aceitar um novo cargo bastava um aperto de mão”, conta o advogado Michael Sirkin. “Agora é necessário um acordo pré-nupcial que salvaguarde todas as contingências”. Segundo Sirkin, estes acordos não se destinam apenas a proteger o empregado contra o despedimento, mas servem o propósito igualmente importante de o proteger no caso de ele partir por bons motivos.
Os empregadores nem sempre ganham. Em 1996 Mark Suwyn, Diretor de Produtos Florestais da International Paper, deixou a empresa para se tornar Diretor-Geral da Louisiana Pacific Corp., fabricante de materiais de construção. A International Paper não conseguiu provar que ele tivesse documentos ou informações indevidas. Além disso, a Louisiana Pacific não era uma concorrente-chave da International Paper, sentenciou o tribunal. Suwyn e a Louisiana Pacific ganharam, mas casos como este exigem muito em custos, aborrecimentos e incertezas.
2. A validade das cláusulas de não-concorrência no Brasil
No âmbito do Direito, há vários de seus ramos que tratam da concorrência desleal. O Direito Penal estuda o crime de concorrência desleal (art. 195 da Lei no. 9.279/96), em que há uma atividade ilícita, que prejudica o direito de outra pessoa.
No Direito Comercial, há princípios constitucionais importantes da ordem econômica: a livre iniciativa (art. 170, caput, da CF) e a livre concorrência (art. 170, IV, da CF). Geralmente, a situação protegida é a do sócio retirante da empresa que se obriga a não atuar em empresa concorrente ou em determinado espaço territorial em empresa concorrente.
No Direito do Trabalho, a empresa, um dos fatores da produção, necessita do trabalho, para num sistema de livre iniciativa, atingir seu objetivo último: o lucro. Por isso, a Constituição Federal resguarda os interesses de ambas as partes:da empresa, quando garante a livre concorrência (art.179, IV, e art. 173, par. 4o) e do trabalhador, quando valoriza o trabalho associando-o à livre iniciativa (art.170, caput).
O empregado, ao trabalhar numa empresa, normalmente quando exerce função técnica altamente especializada pode tomar conhecimento de segredos de indústria e de comércio da empresa. Toma, inclusive, conhecimento da própria clientela.
Esse é um conhecimento objetivo do empregado, diferente do conhecimento subjetivo, que consiste na sua habilidade manual ou intelectual adquirida pela experiência profissional. O dever de fidelidade e lealdade do empregado ao seu empregador se traduz principalmente em 2 (duas) obrigações: o dever de guardar os segredos profissionais e a abstenção de atos de concorrência ilícita.
Segundo Fábio Nusdeo, a exclusividade é: “a condição do contrato individual de trabalho de não poder o empregado após a sua rescisão, durante certo tempo e certa região, exercer as mesmas funções nele contratadas para outra empresa.”
Orlando Gomes tem conceito bem amplo sobre a cláusula de não-concorrência: “é a obrigação em virtude da qual o empregado se compromete, mediante remuneração, a não praticar, por conta própria ou alheia, após a vigência do contrato de trabalho, dentro de limites de objeto, tempo e espaço, ação que implique desvio de clientela de seu empregador, sob pena de responder por perdas e danos.”
Em princípio, não é vedado ao empregado ter vários empregos simultaneamente.
Entretanto, essa faculdade tem limites, pois o dever de fidelidade deve persistir durante a relação laboral. O exercício de outra atividade nada tem de ilícito, sobretudo em funções subordinadas, pois, normalmente a possibilidade de concorrência na prática não existe quando se trata de postos menos qualificados, de simples execução de trabalhos não especializados. A concorrência deve ser efetiva e verdadeira, isto é, pode trazer prejuízos ao empregador.
Segundo Cababellas, a cláusula de não-concorrência é pessoal em relação ao empregado, isto é, não se transmite aos seus herdeiros. É impessoal, porém, em relação ao empregador, porque, regra geral, as obrigações e direitos do contrato de trabalho se transmitem integralmente ao adquirente do negócio.
Excepcionalmente, a cláusula é limitada em relação ao empregador que transmite o negócio, como por exemplo, na mudança do objeto da exploração ou quando a limitação tenha sido convencionada expressamente intuitu personae.
Segundo Cássio Mesquita de Barros, a proibição da concorrência após a extinção do contrato de trabalho constitui-se em obrigação de não-fazer. A sua infringência acarreta o pagamento de perdas e danos.
3. A não-concorrência durante o contrato de trabalho
Há duas situações distintas que devem ser consideradas quando se fala em cláusula de não-concorrência no Direito do Trabalho. A primeira hipótese, quando tal dever decorre do contrato de trabalho em plena vigência e a segunda hipótese, quando a obrigação assumida refere-se após a extinção do contrato de trabalho.
A primeira hipótese decorre naturalmente da essência do próprio contrato de trabalho, existindo previsão legal específica no art. 482 da CLT. Referido artigo protege o empregador da concorrência do empregado durante o contrato de trabalho ao considerar como justa causa para rescisão do contrato de trabalho as seguintes hipóteses:
(...)
c) negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço;
(...)
g) violação de segredo da empresa;
Há divergência doutrinária acerca da tipificação de negociação habitual. Para uns, é imprescindível a habitualidade da concorrência. Para outros, exige-se do empregador somente a comprovação de prejuízo (real ou potencial). Observa-se que o legislador utilizou o conjuntivo "e", e não o disjuntivo "ou". Em outros termos, não basta a "negociação habitual". É preciso, também, que ela constitua ato de concorrência à empresa".
Portanto, há 3 (três) elementos constitutivos da justa causa: a) negociação habitual, por conta própria ou alheia; b) quando constituir ato de concorrência desleal ao empregador; c) for prejudicial ao serviço, desde que empregador não haja concordado com a negociação, expressa ou tacitamente. Desta forma, a ausência de qualquer um dos elementos acima descaracteriza a justa causa.
Idêntico é o entendimento de Isis de Almeida: “É preciso que ocorram, simultaneamente, todos os pressupostos enumerados, isto é, que o empregado exerça, com habitualidade, negociação, ou seja empregado ou trabalhe autonomamente em atividade que faça concorrência ao empregador, não bastando que o faça em ramo de negócio semelhante, e desde que a função desempenhada, nessa atividade concorrente, não tenha interferência com a concorrência. Neste caso, somente se violar segredo da empresa é que estará cometendo falta, enquadrável, porém, em outra alínea do art. 482 da CLT: a letra g".
A jurisprudência tem sido rigorosa em reconhecer tais elementos, conforme observa-se abaixo:
" Se demonstrado nos autos, através da prova produzida na instrução oral do feito, que o reclamante prestou serviço por conta própria e que tais eram da mesma natureza daqueles oferecidos pela reclamada, mas apenas por quinze ou dezesseis dias, não há como reconhecer a justa causa capitulado no artigo 482, alínea "c" da Consolidação das Leis do Trabalho. É que, no dizer sempre oportuno do mestre José Martins Catharino, praticar ato de concorrência é violar obrigação de não fazer, como o de revelar segredo da empresa, podendo ser desleal, ou ilícito. É proceder com culpa ou dolo para desviar freguesia ou clientela, seja trabalhando para outro empregador concorrente, seja de maneira autônoma. Não observada na hipótese factual tal circunstância, nada cogita de ocorrência de justa motivação para ruptura do pacto, devendo a dispensa ser considerada injusta e a reclamada arcar com todos os ônus de tal ato”(TRT 3ª R., RO 17427/96, Ac. 4ª T., juiz Antonio Augusto Moreira Marcellini, DJE 17/5/1997).
"Descaracteriza-se a concorrência desleal ao obreiro atribuída se a prova, como na espécie, revela que a empresa não só tinha ciência de que ele praticava o comércio informal de mercadorias por ela vendidas, como também autorizava a guarda de tais mercadorias na loja, o que denota verdadeira tolerância com referido procedimento. Injustificada, pois, a dispensa levada a efeito pela empresa, cujo apelo não merece provimento” (TRT 2ª R., RO 2.930.362.612, juíza Anélia Li Chum, Ac. 7ª T. 7.699/95).
A negociação habitual viola o dever de fidelidade do empregado, mas não deve ser confundida com a concorrência desleal prevista no Código de Propriedade Industrial. A negociação habitual é um ilícito contratual que compreende o exercício de outro modo lícito de uma atividade econômica idêntica ou afim à própria empresa e a concorrência desleal é um ilícito extracontratual, uma vez que constitui-se em exercício de uma atividade ilícita porquanto lesa o direito subjetivo de outrem, pelo modo por que é desenvolvida a atividade. Não é essencial o efetivo lucro na negociação, basta simplesmente que haja fim lucrativo na negociação.
A CLT afirma serem invioláveis os segredos de empresa, e não os segredos individuais do empregador. Podem ter 2 (duas) naturezas: segredos de fábrica (relativos às fórmulas do empregadas nos novos inventos e métodos de fabricação e segredos de negócios (relativos a transações efetuadas pelas empresas com seus credores e devedores).
4. A não-concorrência após a extinção do contrato de trabalho
Desta forma, a legislação trabalhista protege o empregador da concorrência do empregado durante a relação de trabalho. Contudo, qual é a proteção do empregador após a extinção do contrato de trabalho? É válida a inserção de cláusula de não-concorrência inserta no contrato de trabalho?
Alguns argumentam que terminado o contrato de trabalho, a cláusula de não-concorrência na teria mais validade. Entretanto, é sabido que algumas cláusulas do contrato de trabalho podem ter validade após a sua cessação. É o caso da cláusula relativa à complementação de aposentadoria do Trabalho. Portanto, a princípio, referidas cláusulas poderiam ter validade mesmo que encerrado o contrato de trabalho.
Do ponto de vista legal, uma vez que não há legislação trabalhista a respeito, talvez o ponto de partida decorra da regra geral que constantava do art. 115 do antigo Código Civil segundo o qual “são lícitas, em geral, todas as condições que a lei não vedar expressamente.” Agora o assunto é tratado pelo art. 122 do Novo Código Civil. Portanto, a princípio a cláusula seria lícita.
O art. 444 da CLT prevê ainda que: “as relações contratuais podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhe sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes”. A cláusula de não-concorrência não versa exatamente sobre proteção ao trabalho, geralmente as normas coletivas não tratam do assunto e nem se trata de decisão de autoridade competente. Logo, poderia ser pactuada.
A legislação trabalhista é omissa, contudo a jurisprudência e a doutrina brasileiras, amparadas pelo direito comparado, entendem lícitas referidas cláusulas, desde que observadas as seguintes condições:
1. a cláusula deve conter limitações temporais, espaciais e no tocante à atividade;
2. deve corresponder a um interesse legítimo das partes;
3. o empregado deve ter uma compensação financeira diante da limitação contratual (geralmente o valor do último salário multiplicado pelo prazo de não-concorrência, podem ser pago ao término do contrato de trabalho ou mensalmente durante referido prazo) e;
4. deve haver a previsão de uma multa contratual em caso de descumprimento (o valor da multa não pode exceder o da obrigação principal, aplicando-se o Direito Civil, pois a CLT é omissa quanto à isso).
Alguns argumentam que ser inválida a cláusula de não-concorrência, pois esta se oporia ao princípio da liberdade de trabalho garantido constitucionalmente no art. 5o., XIII:
“É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.”
Em primeiro lugar, tal dispositivo não é absoluto e, como qualquer outro, deve ser entendido em harmonia com os demais preceitos constitucionais.
Arnold Wald e Alberto Xavier entendem que o princípio da liberdade de trabalho seria ofendido somente se: “se estipulassem que alguém não poderia trabalhar em qualquer setor de atividade, em qualquer lugar e para o sempre. Mas obviamente, essa liberdade não é atingida se a restrição é temporária, livremente consentida e justamente retribuída.”
Há muito pouca jurisprudência sobre o assunto, contudo apontam para a validade da cláusula, desde que cumpridas as condições acima elencadas:
A declaração de voto do Ministro Eloy de Rocha dispõe o seguinte:
“(...) O que não se pode admitir, em absoluto, é a restrição perpétua, que evitaria o livre progresso e o melhoramento individual e privaria o direito à existência. O direito ao trabalho não é outra coisa que o direito à vida. O pacto pode ser tolerado, uma vez que não inutilize o futuro do preposto. Para a sua validade, são essenciais as limitações de lugar e de tempo, sendo, quanto a este, bom critério não exceder o período de duração efetiva do contrato. Em atenção ao princípio constitucional de liberdade de trabalho, ou direito ao trabalho, não será admissível cláusula de não-concorrência sem tais limitações” (in Revista Trimestral de jurisprudência 55/44)
Contudo, recentemente foi publicado acórdão da 2a. Região entendendo ser ilegal a cláusula de não-concorrência:
“Cláusula de não concorrência. Cumprimento após a rescisão contratual. Ilegalidade. A ordem econômica é fundada, também, na valorização do trabalho, tendo por fim assegurar a todos existência digna, observando dentre outros princípios a busca do pleno emprego. Pelo menos, assim está escrito no art. 170, inciso VIII, da Constituição. O art. 6º do diploma deu ao trabalho grandeza fundamental. A força de trabalho é o bem retribuído com o salário e assim meio indispensável ao sustento próprio e familiar, tanto que a ordem social tem nele o primado para alcançar o bem-estar e a justiça sociais. Finalmente, o contrato de trabalho contempla direitos e obrigações que se encerram com sua extinção. Por tudo, cláusula de não concorrência que se projeta para após a rescisão contratual é nula de pleno direito, a teor do que estabelece o artigo 9º da Consolidação das Leis do Trabalho (TRT 2ª Região). AC 20020078747. DOE-SP de 05/03/02. DT nº 06 julho/02.
5. A cláusula de não-concorrência no Direito Comparado
Dada a lacuna legislativa sobre o assunto, pode o interprete utilizar-se do Direito Comparado, como fonte prevista pelo art. 8o. da CLT, desde que o interesse particular não prevaleça sobre o interesse público.
Não é por outra razão que Cesarino Júnior, socorrendo-se do direito comparado, admite que a cláusula de não-concorrência possa ser inserida no contrato de trabalho:
"Cláusula de não concorrência - É a condição do contrato individual de trabalho de não poder o empregado após sua rescisão, durante certo tempo e em certa região, exercer, para outra empresa, as mesmas funções nele contratadas. A jurisprudência francesa a admite, desde que não haja uma proibição total do trabalho do empregado, a qual seria evidentemente absurda.”
No direito alemão a Konkurrenzklausel (cláusula de concorrência) tem limitações, principalmente para empregados no comércio, em cujos contratos de trabalho o período máximo para efeito da cláusula de não concorrência é de dois anos. Em geral, porém, é limitada pela necessidade de proteção do empregador, de um lado, sem ultrapassar a possibilidade de um progresso razoável por parte do empregado, do outro.
Na França, as cláusulas de não concorrência são inseridas, freqüentemente, no contrato de trabalho (principalmente dos executivos), e são, habitualmente, previstas e regulamentadas pelas convenções coletivas. Em contrapartida, de uma indenização paga pelo empregador, ocorre a limitação da liberdade de trabalho do assalariado a partir da ruptura do contrato: proibição de se estabelecer por conta própria e/ou de trabalhar por contra de uma outra empresa.
A jurisprudência admite a validade de tais cláusulas, mas com certas limitações, no tempo, no espaço e com relação à natureza da atividade do interessado.
Na Itália, o art. 2.125 do Código Civil prevê a estipulação da cláusula de não-concorrência (patto di non concorrenza). O objetivo é limitar a atividade dos empregados, sobretudo os especializados, após a extinção do contrato de trabalho. É necessário o estabelecimento e compensação financeira, bem como há limites para a validade do pacto, como o objeto, lugar e tempo de duração.
Na Espanha, o Estatuto dos Trabalhadores também prevê a possibilidade de contratação da cláusula de não-concorrência (pacto de no competencia) para viger após extinto o contrato de trabalho.
A contrapartida é uma compensação econômica adequada, sendo exigido, ainda, que o empregador tenha um efetivo interesse industrial ou comercial em celebrar tal pacto, assim como, que o alcance seja limitado: o período de abstenção de concorrência será de seis meses após a extinção do contrato, ou de dois anos quando se tratar de trabalhador com qualificação técnica. É contemplada, outrossim (art. 21.4) a figura do pacto de permanência na empresa, quando o trabalhador tenha recebido uma especialização profissional, por conta do empregador, com a finalidade de executar projetos determinados ou realizar um trabalho específico. A previsão é de um pacto de permanência, limitado a dois anos, sendo que a ruptura acarretará para o trabalhador a responsabilidade pelos danos causados.
Em Portugal, a previsão da cláusula de não-concorrência consta do art. 36º/2 (LCT), com as seguintes condições: a pactuação será, necessariamente, por escrito; a duração máxima deverá ser de três anos e, finalmente, a previsibilidade de risco efetivo do empresário. Haverá compensação financeira durante o período da limitação.
6. Conclusão
O extraordinário desenvolvimento tecnológico e as novas técnicas de produção, aliados ao sistema de alta competitividade entre as empresas e os próprios empregados impostos pelo fenômeno da globalização, estão a exigir uma nova postura dos operadores do direito no que tange à liberdade contratual, sobretudo, com relação aos trabalhadores altamente qualificados, pois estes não são considerados, pelo menos na atual conjuntura econômico-social, "a bola da vez" do desemprego.
O ideal seria a instituição da cláusula de não-concorrência mediante negociação coletiva (convenção ou acordo coletivo), porquanto o trabalhador estaria, em tese, livre de pressões patronais.
Com a devida prudência que determina a análise de cada caso concreto em se tratando de relações de trabalho, em princípio, o pacto de não-concorrência pode, licitamente, ser estipulado no contexto do ordenamento jurídico brasileiro.
Consoante observado no direito comparado e nas lições doutrinárias, a aplicação da cláusula deverá ser balizada por alguns parâmetros. Deverá haver limitação quanto ao objeto da restrição do exercício de atividade; impõe-se a limitação no tempo; torna-se necessária a fixação de limitação territorial e, finalmente, durante o período de abstenção, deverá o trabalhador receber indenização justa, previamente avençada. Em caso de violação do pacto, poderá responder por cláusula penal, se fixada, ou por perdas e danos.
Importa ressaltar que a cláusula de não-concorrência não viola o princípio que assegura a liberdade do exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão (CF, art. 5º, XIII), na medida em que o próprio dispositivo, em sua parte final, fixa limitações ao princípio, ao mencionar "atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer".
Por outro lado, não podemos nos olvidar de que a limitação temporal do exercício de um trabalho, profissão ou ofício será efetivada em situações excepcionais, garantindo-se ao trabalhador, durante a abstenção, o direito a uma retribuição/indenização que lhe assegure a mantença de seu status social.
Ademais, o trabalhador não estará impedido de exercer seu ofício, trabalho ou profissão em outras atividades que não impliquem concorrência em relação ao ex-empregador.
De toda a sorte, e considerando a tradição cultural brasileira, sugere-se, de lege ferenda, a edição de lei disciplinadora da cláusula de não-concorrência.
APÊNDICE
Dicas de advogados americanos
Vai mudar de emprego? O que fazer para se proteger de um ex-patrão vingativo?
Eis o essencial dos conselhos de bom senso, de validade universal, dados por Gary Weiss e Anthony Paduano, 2 (dois) conhecidos advogados especializados em Direito de Propriedade Intelectual nos EUA:
• Após ter tomado a decisão de sair, parta logo que possível;
• Antes, porém, discuta a decisão apenas com aqueles que precisam mesmo de saber — o que não inclui clientes, mas inclui o seu supervisor ou diretor;
• Se o seu supervisor ou diretor lhe fizer perguntas (no decorrer de uma entrevista de saída, por exemplo) acerca do seu novo trabalho, seja cândido. Evite mostrar que está a esconder alguma coisa;
• Antes de partir, não faça nada para desestabilizar o negócio do seu patrão. Não deprecie o seu empregador perante os clientes. Não peça aos outros empregados para o seguirem;
• Não leve consigo quaisquer documentos ou informações de computador que você ou os seus antigos colegas criaram durante o tempo que esteve a trabalhar com um seu ex-empregador;
• Seja cuidadoso com os registRos escritos e eletrônicos ligados ao processo que resultou na sua demissão. Registros telefônicos e faxes, correio eletrônico, cópias de contas, extratos do cartão de crédito são passíveis de ser aceites como prova em tribunal;
• Só deverá assinar o novo contrato de trabalho depois da sua demissão;
• Não trabalhe para o novo empregador antes do último dia de trabalho para o seu antigo empregador;
• Acorde com o seu novo empregador que este o indemnizará de qualquer despesa relacionada com qualquer eventual litígio iniciado pelo seu anterior patrão;
• Inclua no acordo escrito com o seu novo empregador uma cláusula em que afirme que não utilizará nem revelará quaisquer segredos comerciais dos seus anteriores empregadores. Mesmo se a informação só existir no seu intelecto, tenha cuidado com a forma como a utiliza no seu novo cargo.
OBRIGADO PELA SUA ATENÇÃO !!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP, é advogada trabalhista e professora convidada em cursos de pós-graduação da ESA/SP, EPD, Cesumar/PR e PUC/PR e professora da Federal Concursos e Escola Federal de Direito. www.calvo.pro.br
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CALVO, Adriana Carreira. A cláusula de não-concorrência no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 dez 2008, 08:14. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/16128/a-clausula-de-nao-concorrencia-no-brasil. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: PATRICIA GONZAGA DE SIQUEIRA
Por: Beatriz Ferreira Martins
Por: MARCIO ALEXANDRE MULLER GREGORINI
Por: Heitor José Fidelis Almeida de Souza
Por: JUCELANDIA NICOLAU FAUSTINO SILVA
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