HISTÓRICO:
A Lei Complementar 70/91 que extinguiu o FINSOCIAL e instituiu a COFINS previa a isenção da então instituída contribuição para as sociedades civis, nos termos do artigo 6º, II in verbis:
Art. 6° São isentas da contribuição:
II - as sociedades civis de que trata o art. 1° do Decreto-Lei n° 2.397, de 21 de dezembro de 1987;
Ocorre que, sobreveio a Lei 9.430/1996 que em seu artigo 56 revogou a isenção concedida pela Lei Complementar 70/91, determinando a incidência da COFINS sobre a receita bruta das sociedades civis de prestação de serviços de profissões regulamentadas.
O artigo 56 está assim transcrito:
Art. 56. As sociedades civis de prestação de serviços de profissão legalmente regulamentada passam a contribuir para a seguridade social com base na receita bruta da prestação de serviços, observadas as normas da Lei Complementar nº 70 de 30 de dezembro de 1991.
Parágrafo único: Para efeito da incidência da contribuição de que trata este artigo, serão consideradas as receitas auferidas a partir do mês de abril de 1997.
Devido a essa revogação tácita – uma vez que a Lei 9.430/96 não revogou expressamente a isenção prevista no artigo 6º, II da LC 70/91 - muita polêmica doutrinária e jurisprudencial fora travada, sendo o cerne da questão a possibilidade ou não de uma lei ordinária ter o poder de revogar uma lei complementar.
LEI COMPLEMENTAR E INSTITUIÇÃO DE CONTRIBUIÇÕES COM BASE DE CÁLCULO PREVISTA CONSTITUCIONALMENTE.
Primeiramente cabe observar que embora a COFINS tenha sido instituída por meio de Lei Complementar, tal contribuição não necessitava desta espécie legislativa para poder adentrar no ordenamento jurídico brasileiro, senão vejamos:
O artigo 195 da Constituição Federal de 1988 entre outras normatizações prevê diversas bases de cálculos para a instituição de contribuições sociais, dentre as quais o artigo originário da Carta Magna previa em seu inciso, I “b” a “receita’ como base de cálculo para a incidência de contribuição social.
Já o parágrafo 4º do artigo 195 é expresso ao disciplinar que lei pode instituir contribuições diversas das já disciplinadas no artigo 195 da Carta Magna, desde que observe a regra do artigo 154, I da CF/88 que trata sobre a criação dos denominados impostos residuais, ou seja, deve ser criado por lei complementar, não podem ser cumulativos e devem ter fato gerador e base de cálculo distintos dos impostos discriminados na Constituição Federal.
Sendo assim, fica claro que a exigência de lei complementar se dá somente em caso de instituição de contribuição social que tenha base de cálculo diversa das bases de cálculos citadas no artigo 195 da Constituição da República. Caso se trate de contribuição social que tenha base de cálculo prevista constitucionalmente bastaria simples lei ordinária para sua instituição.
Com efeito, a Lei Complementar 70/91 instituiu a COFINS com respaldo no artigo 195, I da Constituição Federal de 1988, passando a tributar as pessoas jurídicas inclusive as a ela equiparadas pela legislação do imposto de renda em 2% (dois por cento) sobre o faturamento mensal faturamento mensal, sendo este considerado a receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviço de qualquer natureza.
Art. 1° Sem prejuízo da cobrança das contribuições para o Programa de Integração Social (PIS) e para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep), fica instituída contribuição social para financiamento da Seguridade Social, nos termos do inciso I do art. 195 da Constituição Federal, devida pelas pessoas jurídicas inclusive as a elas equiparadas pela legislação do imposto de renda, destinadas exclusivamente às despesas com atividades-fins das áreas de saúde, previdência e assistência social.
Art. 2° A contribuição de que trata o artigo anterior será de dois por cento e incidirá sobre o faturamento mensal, assim considerado a receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviço de qualquer natureza. se sabe a COFINS cabe ao legislador ordinário
Ora a COFINS foi instituída tendo como base de cálculo o faturamento mensal, sendo este considerado a receita bruta auferida das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviços de qualquer natureza.
O artigo 195, I “b” em sua redação original previa como base para o financiamento da seguridade social a contribuição incidente sobre a receita.
Sendo assim, bastava lei ordinária para a instituição da COFINS, não se aplicando a esta contribuição a ressalva do artigo 195, § 4º da Constituição Federal de 1988.
LEI ORDINÁRIA X LEI COMPLEMENTAR
Como é cediço a Constituição Federal prevê algumas matérias a serem disciplinadas por lei complementar, ficando a cargo das leis ordinárias todas as matérias residuais as quais a Constituição não previu disciplinamento específico.
Uma lei ordinária que disciplinar matéria reservada à lei complementar, padece, invariavelmente de vício formal de inconstitucionalidade.
Ocorre, que uma lei pode ser formalmente e materialmente lei complementar, tendo em vista que obedeceu tanto a o quórum qualificado previsto no artigo 69 da Carta Magna, como disciplinou as matérias reservadas para esta espécie legislativa, como pode ser somente formalmente lei complementar, quando a despeito de ser votada observando o quorum de maioria absoluta previsto na Constituição Federal, a matéria nela versada não era reservada a lei complementar. Nesse último caso, a lei não será propriamente uma lei complementar, uma vez que uma lei tem natureza de lei complementar não apenas porque foi assim designada, ou até porque foi aprovada por quorum qualificado, mas porque a Constituição assim o determina.
De outro lado, não há que se falar em hierarquia das leis complementares sobre as leis ordinárias, mas tão-somente definição das matérias a serem reguladas por lei complementar, cabendo ás leis ordinárias a matéria residual.
REVOGAÇÃO POR LEI ORDINÁRIA DA ISENÇÃO CONCEDIDA POR LEI COMPLEMENTAR
Como já analisado a COFINS não necessitava de lei complementar para ser instituída, haja vista sua base constitucional prevista no artigo 195, I “b” da Constituição Federal de 1988. Contudo, mesmo sendo veiculada por lei complementar poderia ser ela alterada por lei ordinária, uma vez que a matéria veiculada não era do âmbito da lei complementar, sendo que o fato de seu nomen iuris ser lei complementar não transmudaria o diploma instituidor, que é na essência lei ordinária.
Neste sentido, a autorizada doutrina de Geraldo Ataliba e Heron Arzua:
“É que lei complementar, fora de seu campo específico - que é aquele estabelecido expressamente pelo constituinte, é lei ordinária”.
(GERALDO ATALIBA, em Lei Complementar na Constituição, RT,SP, p. 32).
“A formalidade do processo legislativo especial não é, por si só, suficiente para tipificar a lei complementar; ao requisito précitado há de se juntar o requerimento expresso em texto constitucional.”
(HERON ARZUA, em Contribuições ao Estudo dos Tributos Parafiscais, Resenha Tributária, 1974, p. 63)
O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, na Ação Declaratória de Constitucionalidade n.º 01 declarou que a LC 70/91, na parte em que cria contribuição social tem natureza de lei ordinária.
EMENTA AÇÃO DECLARATORIA DE CONSTITUCIONALIDADE. ARTIGOS 1., 2., 9. (EM PARTE), 10 E 13 (EM PARTE) DA LEI COMPLEMENTAR N. 70, DE 30.12.91. COFINS.- A DELIMITACAO DO OBJETO DA AÇÃO DECLARATORIA DE CONSTITUCIONALIDADE NAO SE ADSTRINGE AOS LIMITES DO OBJETO FIXADO PELO AUTOR, MAS ESTES ESTAO SUJEITOS AOS LINDES DA CONTROVERSIA JUDICIAL QUE O AUTOR TEM QUE DEMONSTRAR. - IMPROCEDENCIA DAS ALEGACOES DE INCONSTITUCIONALIDADE DA CONTRIBUICAO SOCIAL INSTITUIDA PELA LEI COMPLEMENTAR N. 70/91 (COFINS). ACAO QUE SE CONHECE EM PARTE, E NELA SE JULGA PROCEDENTE, PARA DECLARAR-SE, COM OS EFEITOS PREVISTOS NO PARAGRAFO 2. DO ARTIGO 102 DA CONSTITUICAO FEDERAL, NA REDACAO DA EMENDA CONSTITUCIONAL N. 3,DE 1993, A CONSTITUCIONALIDADE DOS ARTIGOS 1., 2. E 10, BEM COMO DAS EXPRESSOES "A CONTRIBUICAO SOCIAL SOBRE O FATURAMENTO DE QUE TRATA ESTA LEI NAO EXTINGUE AS ATUAIS FONTES DE CUSTEIO DA SEGURIDADE SOCIAL "CONTIDAS NO ARTIGO 9., E DAS EXPRESSOES "ESTA LEI COMPLEMENTAR ENTRA EM VIGOR NA DATA DE SUA PUBLICACAO, PRODUZINDO EFEITOS A PARTIR DO PRIMEIRO DIA DO MES SEGUINTE NOS NOVENTA DIAS POSTERIORES, AQUELA PUBLICACAO,..." CONSTANTES DO ARTIGO 13, TODOS DA LEI COMPLEMENTAR N. 70, DE 30 DE DEZEMBRO DE 1991.
(Relator(a): Min. MOREIRA ALVES Julgamento: 01/12/1993, Órgão Julgador Tribunal Pleno, Publicação: DJ DATA-16-06-95)
A jurisprudência da Suprema Corte se firmou no sentido de que só se exige lei complementar para as matérias para cuja disciplina a Constituição expressamente faz tal exigência, e, se, porventura, a matéria disciplinada por lei não for daquelas para as quais a Constituição exige essa modalidade legislativa, os dispositivos que tratam dela se têm como dispositivos de lei ordinária (ADC 1-1/DF, rel. Min. Moreira Alves).
Dessa forma, sendo a Lei Complementar 70/91, formalmente, lei complementar, mas materialmente, lei ordinária, pode ter seus dispositivos revogados ou alterados por outra lei ordinária, no caso, a Lei 9.430/96, que revogou isenção antes concedida.
Ademais, a reserva de competência da lei complementar não se expande além dos exatos parâmetros constitucionais, significando dizer que à medida que ela extrapole aqueles limites, adentrando no campo privativo da lei ordinária, como foi o caso do artigo 6º da LC 70/91, aquela passa a ter o valor desta última.
Nesse sentido, Souto Maior Borges leciona:
“A lei complementar fora do seu campo específico, cujos limites estão fixados na Constituição, é simples lei ordinária. Sem a congregação dos dois requisitos estabelecidos pelo art. 50 da constituição, o quorum especial e qualificado (requisito de forma) e a matéria constitucionalmente prevista como objeto de lei complementar (requisito de fundo), não há lei complementar. Contudo, se não ultrapassar a esfera de atribuições da união, o ato legislativo será existente, válido e eficaz. Só que não estará submetido ao regime jurídico da lei complementar - mas ao da lei ordinária, podendo conseqüentemente ser revogado por esta”.
Sendo assim, a constitucionalidade das alterações legislativas promovidas pela Lei nº 9.430, no que tange à isenção da COFINS para as sociedades prestadoras de serviços, é evidente.
EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL
O Superior Tribunal de Justiça entendia pela impossibilidade de uma lei ordinária revogar isenção concedida por lei complementar, no caso a Lei 9.430/1996 revogar isenção veiculada pela Lei Complementar n.º 70/91.
Ocorre, que por meio de Reclamação Constitucional perante a Suprema Corte as decisões do Superior Tribunal de Justiça foram suspensas, por tratar-se de invasão de competência do STF, conforme se verifica abaixo:
DECISÃO
Trata-se de reclamação proposta pela União em face de decisão, proferida pela Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, que concedeu isenção da Cofins à sociedade civil prestadora de serviços.
No caso em apreço, o Superior Tribunal de Justiça teria fundamentado sua decisão no pressuposto de que lei complementar somente pode ser revogada por outra lei complementar. Isso levaria à conclusão de que o art. 56 da Lei ordinária 9.430/1996 não poderia ter revogado a norma de isenção do art. 6a, II, da Lei Complementar 70/1991. Portanto, estaria o STJ desconsiderando o efeito vinculante da ADC l, em que se teria decidido que a Lei Complementar 70/1991 não é uma lei materialmente complementar, mas, sim, ordinária, podendo ser modificada por lei ordinária posterior.
Sustenta a União que o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar questão de índole manifestamente constitucional, teria incorrido em usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal, uma vez que "somente através da interpretação da Constituição Federal pode se extrair a existência, ou não, de tal princípio [princípio da hierarquia das leis] / para que se possa concluir se lei ordinária pode, ou não pode, revogar lei complementar que não é materialmente desta natureza, como ocorre no caso vertente".
Por fim, pede-se a concessão de medida liminar para cassar ou suspender a eficácia da decisão reclamada.
Informações prestadas a fls.. 203-205.
É o relatório.
Decido.
Ressalto, inicialmente, que estamos diante de reclamação em que se alega usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal, hipótese diversa da Cl 2.517, de minha relatoria, anteriormente proposta pela União sobre o mesmo tema, mas que versava sobre garantia da autoridade de decisão desta Corte.
In casu, entendo presentes os requisitos autorizadores da concessão da medida acauteladora, tendo em vista a relevância da questão constitucional em exame bem como os prejuízos à União decorrentes da decisão reclamada.
Desse modo, defiro a liminar para suspender a eficácia da decisão do Superior Tribunal de Justiça até o julgamento final da presente reclamação.
Abra-se vista à Procuradoria-Geral da República.
Publique-se.
Brasília, 01 de junho de 2004.
Ministro Joaquim Barbosa (GN)
Por outro lado o Supremo Tribunal Federal vem firmando entendimento pela possibilidade da revogação por lei ordinária de isenção concedida por lei complementar, sob o argumento de que não há que se falar em hierarquia de leis complementares e ordinárias, e sim, em reserva de matérias a serem disciplinadas por lei complementares.
Nesse sentido:
EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. COFINS. ISENÇÃO. POSSIBILIDADE DE REVOGAÇÃO POR LEI ORDINÁRIA. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. I - A revogação, por lei ordinária, da isenção da COFINS concedida pela LC 70/91 às sociedades civis de prestação de serviços profissionais, é constitucionalmente válida, porquanto a Lei 9.430/96 veiculou matéria constitucionalmente reservada à legislação ordinária. Precedentes. II - Ausência de violação ao princípio da hierarquia das leis, consoante orientação fixada desde o julgamento da ADC 1/DF, Rel. Min. Moreira Alves. III - Agravo regimental desprovido.
(Ag no Ag de Instrumento, 618255 – RS, Rel Min Ricardo Lewandowsky, julgamento 11/11/2008, órgão Julgador: Primeira Turma, publicação 27.11.2008
EMENTA: Contribuição Social. COFINS. Isenção. Sociedades civis de profissão regulamentada. Lei Complementar nº 70/91. Revogação pela Lei ordinária nº 9.430/96. Constitucionalidade reconhecida. Precedente do Plenário da Corte. Agravo regimental não provido. É constitucional a revogação, pelo art. 56 da Lei ordinária nº 9.430/96, do art. 6º, inc. II, da Lei Complementar nº 70/91, que isentava do pagamento da COFINS as sociedades civis de profissão regulamentada.
(Ag Reg no Ag de Instrumento – Agr 392620 – SC, Rel. Cezar Peluso, julgamento 21.10.2008, órgão Julgador Segunda Turma, publicação 20.11.2008)
CONCLUSÃO
Diante de todo o exposto, denota-se a constitucionalidade do artigo 56 da Lei 9.430/1996 ao revogar a isenção concedida pela Lei Complementar 70/91, uma vez que esta última norma apesar de veiculada sob a forma de lei complementar, tratava de matéria pertencente a normatização por lei ordinária, sendo portanto, passível de ser revogada por outra lei ordinária.
Advogado atuante em Salvador/BA. Pós-Graduado em Direito Público pela Unyahna.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: WEBER, Guilherme Diamantino de Oliveira. Incidência da COFINS sobre sociedade civil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 dez 2008, 00:18. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/16194/incidencia-da-cofins-sobre-sociedade-civil. Acesso em: 22 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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