1. AGENTES PÚBLICOS
1.1 CONCEITO
Em virtude do tema do presente trabalho, importante fazer-se a conceituação e classificação de servidores públicos, isto é, quem é legitimado a tornar-se o sujeito ativo dos atos de improbidade descritos pela Lei de Improbidade Administrativa e, conseqüentemente, sofrer as sanções decorrentes da mesma.
Como cediço, agente público é a designação mais ampla concebida para todos aqueles que, de alguma forma, realizam alguma atividade atribuída ao Estado, mesmo que o façam de modo transitório, ocasionalmente ou sem remuneração.
Sabe-se que a própria Lei de Improbidade Administrativa define o que seja agente público. O seu artigo 2º versa da seguinte forma:
Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.
Conforme acima visto, depreende-se que o legislador, ao elaborar o texto legislativo, adotou o conceito mais amplo possível para designar o que seja “agente público”. Não querendo adiantar o mérito da presente trabalho, mas, à primeira vista, é claro o desejo do legislador de enquadrar todos aqueles que, de alguma forma, se envolvam no trato da coisa pública. Mesmo aqueles que, por ventura, através de uma classificação restrita, viessem a ficar de fora da classificação de agente público, foram abarcados pelo legislador como se verifica ao ler o artigo 3º da multicitada Lei: “As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta” (sem grifo no original).
Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.p. 226), agentes públicos são “os sujeitos que servem ao Poder Público como instrumentos expressivos de sua vontade ou ação, ainda quando o façam apenas ocasional ou episodicamente”. Complementa ainda Celso Antônio Bandeira de Mello (2003, ob. citada, p.227):
Quem quer que desempenhe funções estatais, enquanto as exercita, é um agente público. Por isto, a noção abarca tanto o Chefe do poder Executivo (em quaisquer das esferas) como os senadores, deputados e vereadores, os ocupantes de cargos ou empregos públicos da Administração direta dos três Poderes, os servidores das autarquias, das fundações governamentais, das empresas públicas e sociedades de economia mista nas distintas órbitas de governo, os concessionários e permissionários do serviço público, os delegados de função ou ofício público, os requisitados, os contratados sob locação civil de serviços e os gestores de negócios públicos (grifos do original).
A classificação de Celso Antônio Bandeira de Mello (2003, ob. citada, p. 229), inspirada na lição de seu pai, Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, traz três espécies de agentes públicos a saber: a) agentes políticos, b) servidores estatais e c) particulares em colaboração com o Estado.
Já Maria Sylvia Zanella Di Pietro (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 431) traz quatro espécies de agentes públicos, são eles: a) agentes políticos, b) servidores públicos, c) militares e d) particulares em colaboração com o Poder Público.
1.2 AGENTES POLÍTICOS
Também no que se refere à conceituação de agentes políticos, há divergências doutrinárias. Alguns preferem uma conceituação mais ampla. Hely Lopes Meirelles (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 222) afirma que:
[...] agentes políticos constituem, na realidade, categoria própria de agente público. Porém, sem dúvida, no título e seções referidas, a Carta Magna, para fins de tratamento jurídico, coloca-os como se fossem servidores públicos, sem embargo de os ter como agentes políticos, como se verá mais adiante. Todos os cargos vitalícios são ocupados por agentes políticos, porém estes também ocupam cargos em comissão, como os Ministros dos Estado. Normalmente deverão ser regidos pelo regime estatutário, contudo alguns estão obrigatoriamente submetidos a um regime estatutário de natureza peculiar, a exemplo da Magistratura e do Ministério Público.
Outros como Celso Antônio Bandeira de Mello já adotam uma conceituação mais restrita. Para ele (2003, ob. citada, p. 229)
Agentes Políticos são os titulares dos cargos estruturais à organização política do País, ou seja, ocupantes dos que integram o arcabouço constitucional do Estado, o esquema fundamental do poder. Daí que se constituem nos formadores da vontade superior do Estado. São agentes políticos apenas o Presidente da República, os Governadores, os Prefeitos e respectivos vices, os auxiliares imediatos dos chefes de Executivo, isto é, Ministros e Secretários das diversas Pastas, bem como os senadores, Deputados federais e estaduais e os vereadores (grifo do original).
Para este consagrado doutrinador, o vínculo que tais agentes possuem com o Estado não é de natureza profissional, mas de natureza política. Obviamente, deve-se levar em consideração que os agentes políticos devem ser aqueles agentes públicos que exercem atividade essencialmente política, sendo essas atividades desempenhadas, predominantemente, pelo Poder Executivo e também pelo Poder Legislativo. Aqui o Poder Judiciário praticamente não participa das atividades políticas, resumindo-se à atividade jurisdicional com pouca influência na atuação política do Governo, a não ser pelo controle a posteriori (DI PIETRO, ob. citada, p. 432).
Em decorrência do acima exposto, a corrente majoritária adota a posição mais restrita adotada por Celso Antônio Bandeira de Mello, limitando-se, destarte, os agentes políticos àqueles que chefiam o Poder Executivo, seus auxiliares imediatos, bem como os membros do Poder Legislativo eleitos pelo voto direto (Senadores, Deputados federais e estaduais e Vereadores). Tal posição também é a adotada por Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2004, ob. citada, p. 432) que, ao comparar as conceituações de Hely Lopes Meirelles e Celso Antônio Bandeira de Mello, justifica a adoção do último de forma bem simples. Segundo ela,
Esta última conceituação é a preferível. A idéia de agente político liga-se, indissociavelmente, à de governo e à de função política, a primeira dando idéia de órgão (aspecto subjetivo) e, a segunda, de atividade (aspecto objetivo) (grifos do original).
1.3 SERVIDORES PÚBLICOS
São servidores públicos, em sentido amplo, as pessoas físicas que prestam serviços ao Estado e às entidades da Administração Indireta, com vínculo empregatício e mediante remuneração paga pelos cofres públicos (DI PIETRO, 2004, ob. citada, p. 433).
Seguindo a classificação sugerida por essa autora, os servidores públicos são compreendidos por servidores estatutários, empregados públicos e servidores temporários. Os primeiros sujeitam-se ao regime estatutário e são ocupantes de cargos públicos. Os empregados públicos são aqueles contratados sob o regime da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e são ocupantes de empregos públicos e, por último, os servidores temporários são contratados por tempo determinado para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público e exercem função, sem estarem vinculados a nenhum cargo ou emprego público.
Para Celso Antônio Bandeira de Mello, a distinção começa pela própria nomenclatura utilizada. Os servidores públicos, na verdade, para o ilustre administrativista, são espécies do gênero servidores estatais. A designação ‘servidores estatais’
[...] abarca todos aqueles que entretêm com o Estado e suas entidades da Administração indireta, independentemente de sua natureza pública ou privada (autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista), relação de trabalho de natureza profissional e caráter não eventual sob o vínculo de dependência (grifos do original) (MELLO, ob. citada, 2003, p.230).
Prossegue no ensinamento o grande doutrinador, dizendo que a designação ‘servidores públicos’ possui, hoje em dia, um alcance mais restrito do que outrora. Para ele, tal designação não é mais adequada para incluir também os empregados das entidades da Administração indireta de Direito Privado.
São espécies de servidores estatais, para Celso Antônio Bandeira de Mello, os servidores públicos e os servidores das pessoas governamentais de Direito Privado. Os primeiros são os titulares de cargos públicos da Administração direta, nas autarquias e fundações públicas da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, bem como aqueles que são empregados das pessoas jurídicas supracitadas, ou seja, submetidos ao regime celetista, contratos com o objetivo único de desempenharem atividades materiais subalternas como de motorista, servente, porteiro e outras funções correlatas.
Já os servidores governamentais das pessoas governamentais de Direito Privado seriam os titulares de emprego público, isto é, aqueles empregados de empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações de Direito Privado instituídas pelo Poder Público.
A distinção entre Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2004, ob. citada, p. 433-434) e Celso Antônio Bandeira de Mello (2003, ob. citada, p. 230-232) é que, para ela, basicamente, os empregados públicos (servidores de pessoas governamentais de Direito Privado na nomenclatura de Celso Antônio Bandeira de Mello) são considerados servidores públicos. Para Celso Antônio não seriam assim considerados, pois, para ele, apenas os titulares de cargos públicos e submetidos ao regime estatutário é que se adequariam a tal designação, uma vez que se submetem a um regime jurídico próprio, de acordo com as responsabilidades inerentes aos cargos públicos, enquanto que aqueles que estão submetidos à Consolidação das Leis Trabalhistas, que disciplina as relações privadas de trabalho, não poderiam ser considerados como servidores públicos.
1.4 MILITARES
Dirley da Cunha Júnior (2006, ob. citada, p. 208) e Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2004, ob. citada, p. 436-437) segregam os militares para incluí-los em classificação própria. Para esta autora, estão abrangidas nesta classe as Polícias Militares e Corpos de Bombeiros dos Estados, Distrito Federal e Territórios e todas as pessoas físicas que prestam serviços às Forças Armadas - Marinha, Exército e Aeronáutica - com vínculo estatutário sujeito a regime jurídico próprio, mediante remuneração paga pelo Poder Público (DI PIETRO, 2004, ob. citada, p.436-437). Já para aquele autor (2006, ob. citada, p. 208):
São servidores estatais sujeitos a regime jurídico especial que devem estabelecer normas sobre ingresso, limites de idade, estabilidade, transferência para a inatividade, direitos, deveres, remuneração, prerrogativas e outras situações especiais consideradas as peculiaridades de suas atividades (CF, art. 42, § 1º e 142, § 3º, X). Incluem-se nessa espécie os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios (CF, art. 42) e os membros das Forças Armadas (CF, art. 142).
Justifica Maria Sylvia Zanella Di Pietro para tal segregação a promulgação da Emenda Constitucional de nº. 18/98, pois, antes desta Emenda, os militares estavam inseridos na seção denominada “servidores públicos” e após a mesma passaram a ser considerados à parte como “servidores públicos militares”. Com base neste argumento, prossegue a autora afirmando que, a partir desta Emenda, os militares ficaram excluídos da categoria de ‘servidores públicos’, sendo-lhes aplicável a norma destinada aos servidores públicos militares, somente quando existente expressa determinação legal.
1.5 PARTICULARES EM COLABORAÇÃO COM O PODER PÚBLICO
Estão incluídas nesta categoria as pessoas físicas, que, sem perderem a qualidade de particulares, prestam serviços ao Estado sem vínculo empregatício, de forma remunerada ou não, ainda que eventualmente (JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Administrativo. 4. ed. Salvador: JusPodivm, 2006. CUNHA, p. 208). Importante salientar que, nestes casos, os particulares atuam em nome próprio, limitando-se o Poder Estatal a fiscalizar o desempenho dessas atividades.
A colaboração dos particulares com o Poder Público pode dar-se sob diversos títulos discorridos a seguir: por meio de delegação, o que ocorre nos casos de concessão e permissão de serviços públicos, os tradutores, os leiloeiros, peritos, bem como os que exercem serviços notariais e de registro. Nestes casos específicos, os particulares exercem função pública que são fiscalizadas pelo Poder Público. A remuneração aqui se dá pelos próprios usuários, e não pelo Estado; por meio de requisição, como ocorre com os membros das mesas receptora e apuradora de votos em eleições, os convocados para o serviço militar obrigatório, os jurados, os comissários de menores. Por possuírem munus público, os requisitados também não são remunerados e não possuem qualquer vínculo empregatício com o Estado; por sponte propria, essa classificação trazida pelo iminente administrativista Celso Antônio Bandeira de Mello (2003, ob. citada, p. 232), inclui aqueles que de forma espontânea assumem a gestão da coisa pública perante situações anômalas para solucionar necessidades públicas em caráter emergencial; estes que assumem tal situação são conhecidos como “gestores de negócios públicos”.
2. CONCLUSÃO
Todos os conceitos acima discorridos estão inseridos dentro do amplo conceito de agente público previsto na Lei n. 8429/92. É sabido o quanto a Lei de Improbidade Administrativa é utilizada pelos Promotores de Justiça nas pequenas cidades interioranas brasileiras. Na verdade, em locais cujo prefeito detém a conivência de outras autoridades locais, a ação cível de improbidade administrativa proposta pelo promotor estadual é o único freio eficaz a impedir a sanha de apropriação que normalmente apodera-se dos agentes públicos locais.
Antes da entrada em vigor da Lei de Improbidade Administrativa, os prefeitos de longínquas e pequenas cidades interioranas quedavam-se impunes, não importava o tamanho do ato ímprobo que estes praticassem. Muitas vezes contribuía para este cenário a conivência das demais autoridades municipais cumulada com a ignorância não só política como também intelectual da maioria dos cidadãos brasileiros. Veio a Lei de Improbidade, portanto, a dar um freio a estes tipos de acontecimentos, fulminando com a sensação de impunidade que estes prefeitos experimentavam.
O conceito amplo de agente público previsto na multicitada Lei de Improbidade Administrativa veio com as melhores das intenções. A tentativa recente em restringir tal conceito, demonstra-se não apenas como uma tentativa de retorno aos fáticos dias de grande impunidade, como também denota uma interpretação claramente inconstitucional, que não espelha o verdadeiro espírito do legislador constitucional originário.
Basta lembrar que o caput do artigo 37 da Constituição da República assegura a todos o direito a uma administração pública proba, tendo em vista os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. O parágrafo 4º deste mesmo artigo prevê um rigoroso combate à improbidade administrativa, demonstrando a grande preocupação do legislador constituinte originário em combater a prática destes hediondos atos de improbidade no trato da res publica.
Também seria de bom grado lembrar que o desvio de verbas públicas não apenas impede uma ideal erradicação da pobreza e da desigualdade social, como também impede o crescimento do País, já por deveras atrasado, em óbvio confronto ao inciso II do artigo 3º da CF, que dispõe como um dos objetivos da República Federativa do Brasil garantir o desenvolvimento nacional.
Infelizmente a restrição ao amplo conceito de agente público previsto na LIA já foi operada por meio do julgamento da Reclamação Constitucional n. 2.138. Rasgou-se, portanto, a Constituição Federal brasileira.
Não há dúvidas de que a corrupção é um verdadeiro câncer que corrói a sociedade brasileira como um todo e, pelo jeito, os eminentes ministros do Supremo Tribunal Federal estão indo na contramão da via para alcançar-se essa cura.
Advogado atuante em Salvador/BA. Pós-Graduado em Direito Público pela Unyahna.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: WEBER, Guilherme Diamantino de Oliveira. Agentes públicos em seu conceito amplo para aplicabilidade das sanções prevista na Lei de Improbidade Administrativa Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 dez 2008, 00:11. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/16224/agentes-publicos-em-seu-conceito-amplo-para-aplicabilidade-das-sancoes-prevista-na-lei-de-improbidade-administrativa. Acesso em: 22 dez 2024.
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